A pandemia exacerbou os efeitos do ‘burnout’ nos professores que já estavam cansados “porque esta profissão teve de mudar e inventar possibilidades para que funcionasse”, afirmou à Lusa o especialista daquele centro de apoio no âmbito da psicologia.

A Organização Mundial de Saúde define o ‘burnout’ como “uma síndrome resultante de ‘stress’ crónico no trabalho que não foi gerido com êxito” e que se caracteriza por “um sentimento de exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia profissional reduzida”.

O ‘burnout’ é uma patologia do foro mental que, quando não é tratada, pode conduzir a doenças mais graves como a depressão e a ansiedade, sublinha Sérgio Pereira.

O psicólogo afirma que, para quem sofria de algum tipo de esgotamento, a pandemia veio trazer “um repúdio e um sentimento de ataque no ato de olhar para o computador em teletrabalho”, deixando as pessoas em questão incapazes de trabalhar.

Num contexto de normalidade, o psicólogo refere que a situação era melhor porque no local de trabalho poderiam existir colegas que distraíssem e relaxassem estas pessoas, deixando-as confortáveis, “mesmo que o trabalho em si fosse incapacitante”.

Referindo-se concretamente aos professores, o psicólogo afirma que, “com o teletrabalho, caíram que nem moscas os que estavam a pender por um fio”, pois “tiveram de se adaptar a uma metodologia de ensino que não estava prevista” e que os sobrecarregou, visto que, “além do trabalho que tinham de fazer [em circunstâncias normais], apareceram outras burocracias e outros modelos avaliativos que não havia antes”.

Mas as opiniões relativamente ao modo como a pandemia afetou os professores não são consensuais, e Raquel Varela, historiadora do trabalho, refere à Lusa que, tendencialmente, “quem gostava muito da escola, ficou pior em teletrabalho, e quem estava em ‘burnout’ na escola ficou melhor em teletrabalho”, em parte porque quem sofre da síndrome quer fugir do seu local de trabalho e o ensino à distância “afigurou-se como uma aparente fuga das más condições de trabalho”.

A investigadora admite, contudo, que o teletrabalho, para a classe mais envelhecida, “pode ter aumentado a sua irritação e o seu desgosto” dado que em vez se lidar com alunos e ensinar da maneira que sabiam, tiveram de se adaptar às novas tecnologias, que são despersonalizantes.

Em 2018, um estudo realizado pela Universidade Nova de Lisboa a pedido da Fenprof, coordenado por Raquel Varela, concluiu que há uma relação forte entre a exaustão emocional e a idade dos docentes, uma vez que a partir dos 55 anos se atingiram valores próximos dos 70 pontos num total de 100.

Não são só as patologias do foro mental que afetam a classe docente, e Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, disse à Lusa que se verificam nos professores “muitos enfartes do miocárdio, muitos hipertensos e muitos casos de colesterol elevado” em relação ao resto da população.

O médico sublinha que as condições de trabalho da classe docente influenciam as doenças identificadas nos professores porque estas estão relacionadas com o estilo de vida.

“Se a pessoa é fumadora, se bebe álcool e come desregradamente e em demasia, se não faz exercício… tudo influencia a saúde. A profissão em si pode condicioná-la por causa dos horários demasiado prolongados e excesso de trabalho que vai para casa”, explica.

Novos doutores em Informática, uma adaptação em apenas quatro dias

A maioria dos professores nasceu há mais de meio século, num tempo em que os computadores eram utensílios raros, mas a pandemia de Covid-19 obrigou-os a dar aulas à distância e muitos transformaram-se em “autênticos doutores em informática”.

Mais de um milhão de alunos trocaram, em março, as aulas presenciais pelo ensino à distância e muitos docentes tiveram de se habituar às tecnologias. O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, lembrou que o uso de material digital nas aulas era já uma prática comum, mas passar a ensinar através de um ecrã revelou-se um desafio.

A passagem da sala de aula para o virtual aconteceu em apenas quatro dias. Uma mudança que alterou o dia-a-dia dos quase cem mil docentes que trabalham nas escolas, sendo que a maioria tem mais de 50 anos, segundo dados do Conselho Nacional de Educação divulgados no mês passado.

O presidente da ANDAEP, que é também diretor de um agrupamento de Vila Nova de Gaia, desmistificou a ideia de que a idade avançada dos docentes podia ser um entrave ao uso das novas tecnologias.

“Os professores não prescindem de usar material digital nas suas aulas. Muitos que não eram adeptos do ‘online’, até um pouco avessos a estes instrumentos, tiveram que arrepiar caminho e hoje são autênticos doutores em informática”, explicou.

A ideia foi corroborada pelo diretor do agrupamento de escolas de Barcelos, Jorge Saleiro. Embora 52,9% dos docentes tenha pelo menos 50 anos “a idade não foi obstáculo” e “todos deram uma resposta profissional exemplar”, reforçou.

Também Jorge Rio Cardoso, professor universitário e autor de obras sobre educação, fez um balanço positivo da resposta da classe docente ao ensino à distância, referindo que "os professores mais velhos, que tinham pânico em relação às tecnologias, se adaptaram bastante bem para aquilo que era expectável. Hoje em dia até estão entusiasmados".

Mas nem tudo correu bem. Apesar da motivação, o esforço “teve um impacto financeiro não compensado” e implicou “uma sobrecarga enorme de trabalho, que não foi reconhecida pelo Ministério”, defendeu o presidente da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva.

Sem formação prévia sobre ensino à distância, os docentes tiveram de lidar com situações variadas, desde alunos que se mantinham toda a aula com a câmara desligada a estudantes que invadiam a sala de aula virtual para desestabilizar a turma.

Jorge Rio Cardoso olha para as situações de indisciplina no ensino à distância como “malandrices” que continuam a existir e dá como exemplo “o tal ‘houve falha de Internet’ e o aluno desliga a câmara e vai dar uma volta”.

O empenho dos docentes é também aplaudido pelo psicólogo, Eduardo Sá, que os considera "uma peça única" na sociedade, pois deram um exemplo "inacreditável" durante a pandemia.

"Fizeram uma coisa que mais nenhuma profissão fez como dar aulas num pinhal qualquer para terem sinal de rede e chegarem aos seus alunos", recordou.

Desejo de aposentação e o impacto na esperança média de vida

Relativamente à aposentação as opiniões são divergentes num contexto em que se espera que até 2030 mais de metade dos professores do quadro se aposente, segundo um estudo do Conselho Nacional de Educação de 2019.

Manuel Carrageta afirma que trabalhar mais anos têm um impacto positivo na esperança de vida, nas funções cognitivas e resulta num menor número de doenças.

“Há estudos que demonstram que por cada ano que se adia a reforma, reduz-se em 3% a doença de Alzheimer. Uma pessoa que, em vez de se reformar aos 60, o faça aos 65, reduz em 15% o risco de doença”, assinala.

Contudo, tanto Raquel Varela como Sérgio Pereira sublinham que uma das consequências comuns do ‘burnout’ é o desejo de aposentação antecipada dado o grau de desgaste em que os professores se encontram.

“Quando os professores que sofrem de ‘burnout’ estão no ativo, eles não estão no seu melhor… Não trabalham da melhor forma, não estão felizes no trabalho, tendem a querer reformar-se mais cedo”, afirma a historiadora.

A solução, concordam, pode passar por uma transição adequada para a aposentação, que passa pela redução do horário laboral e do peso das burocracias.