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ISTO É NORMAL? PERGUNTAS COMUNS SOBRE O COMPORTAMENTO DAS CRIANÇAS
«A curiosidade é natural. Quando as crianças descobrem que são diferentes, a curiosidade e o comportamento exploratório são respostas naturais. Ao aceitar a curiosidade natural das crianças sobre a sexualidade e as diferenças de género como normais e saudáveis, os pais constroem uma base para atitudes positivas em relação à sexualidade.»
Sandra Caron, Professora de Relações Familiares e Sexualidade Humana, Universidade do Maine.
As crianças precisam de contacto e afeto para criar laços com os seus pais ou cuidadores e para se tornarem adultos saudáveis. Precisam de carinho, encorajamento, amor e bondade. Sem contacto e afeto, não conseguem prosperar, e o seu desenvolvimento cerebral é afetado (Ardiel e Rankin, 2010). Um traço específico da relação entre uma criança e o prestador de cuidados é a vinculação, que envolve fazer com que a criança se sinta a salvo, segura e protegida (Bowlby, 1982; Mooney, 2010). O objetivo da vinculação não é brincar ou entreter; esse é o papel dos pais enquanto companheiros de brincadeira. Não é simplesmente alimentar a criança; essa é a função dos pais como cuidadores. Também não é estabelecer limites; essa é a ocupação dos pais, enquanto disciplinadores. Não é ensinar novas competências; esse é o papel dos pais como professores. A vinculação é quando a criança utiliza o prestador de cuidados básicos como uma base estável a partir da qual pode explorar e, quando necessário, como refúgio seguro e fonte de conforto (Waters e Cummings, 2000).
Os professores podem desempenhar um papel fundamental neste domínio, uma vez que passam tempo precioso com as crianças nestes anos formativos. Uma criança precisa de se conectar, no mínimo, com um dos progenitores ou prestador de cuidados, para estabelecer uma ligação saudável e desenvolver‑se de uma forma segura e salutar. Quando não recebem atenção, afeto, tempo ou amor suficientes, ou quando são negligenciadas, maltratadas ou estão em perigo, anseiam por atenção e, por vezes, procuram‑na nos sítios errados. Crianças sob stress ou a lidar com depressão e ansiedade, discórdia familiar ou lares desfeitos, isolamento escolar ou bullying podem estar famintas de amor e atenção.
Uma autoimagem negativa ou falta de autoestima podem colocar uma criança em risco. Predadores experientes podem encontrar estas crianças e manipulá‑las facilmente, sobretudo quando têm acesso através da Internet. Estas crianças correm um risco elevado de aliciamento online. (Mais sobre isso adiante).
O contacto saudável e a ligação segura são essenciais para o normal desenvolvimento da criança. Na hora de ir dormir, estas precisam de abraços, beijinhos e de se aninharem com os seus adultos importantes. Também anseiam por tempo, amor e carinho dos seus professores. Às vezes, precisam de segurar a sua mão para obter um pouco mais de apoio. Precisam de que lhes ponha um penso na ferida se caírem da bicicleta. Estes comportamentos são normais porque são motivados pelo amor, carinho, saúde e higiene.
O outro lado da moeda, no que diz respeito ao contacto saudável, é que precisamos de normalizar o consentimento e respeitar os limites corporais das crianças. Peçam sempre, antes de dar um abraço. Conversem acerca de limites corporais e direitos da criança sobre o seu corpo. Estas conversas e metas de desenvolvimento infantil promovem o desenvolvimento de uma consciência de si mesmo e autoestima positiva nas crianças. Sentir‑se‑ão apoiadas, amadas e cuidadas, o que é essencial para ajudá‑las a serem saudáveis e bem ajustadas.
Então, o que é um comportamento «normal» para crianças dos três aos cinco anos?
Sejamos realistas! As crianças fazem coisas estranhas em casa e na escola. Penso que seja justo dizer, enquanto mãe de três crianças muito diferentes entre si, que existe um largo espectro de comportamentos «normais». Este livro foca‑se em comportamentos que poderão ser problemáticos para os pais e prestadores de cuidados. Por favor, lembrem‑se de que estou a abordar esta questão da perspetiva de uma mãe de três filhos, educadora experiente de jardim de infância e mediadora, autora e defensora da prevenção de qualquer tipo de abuso. Não sou médica. Logo, se observarem um comportamento anormal, ou fora do habitual nos vossos filhos, sigam sempre os vossos instintos, façam perguntas e procurem a ajuda profissional de um pediatra, terapeuta, médico ou centro de apoio a crianças. O que é «normal» para os vossos filhos pode não ter sido «normal» para os meus. Combinado com diferentes personalidades e estilos parentais, o comportamento «normal» é um espectro.
Tirem um minuto para escrever algumas das coisas mais estranhas que os seus filhos ou crianças a seu cargo já disseram ou fizeram.
A curiosidade é normal. As crianças pequenas veem corpos nus e andam a correr nuas pela casa. Fazem perguntas o dia inteiro. Podem, frequentemente, ter as mãos dentro das calças. Exploração, masturbação, piadas de bacio, brincar aos médicos – tudo isto é normal.
Vocês são os maiores especialistas sobre os vossos filhos e as pessoas mais indicadas para perceberem quando estes estão a agir de forma pouco habitual. Professores, vocês passam muito tempo com as crianças, com uma perspetiva única de cada um. Os educadores são treinados a observar, reparar, questionar e envolver‑se. Por exemplo, um professor pode reparar que algo se alterou, subitamente, no comportamento de uma criança. Um diálogo salutar entre a casa e a escola pode facilitar a identificação e rápida comunicação de muitos problemas.
No jardim de infância, já vi e ouvi algumas coisas absurdas e muito disparatadas, mas também já testemunhei alguns comportamentos suspeitos. Quanto à segurança corporal e à prevenção, temos de aprender os sinais de abuso físico e monitorizar as crianças constantemente. Neste capítulo, vamos analisar o que pode ou não ser considerado desenvolvimento «sexual» normal. Contudo, na minha opinião, as crianças pequenas não são sexuais – são curiosas. Estão a explorar as sensações e o seu corpo, típico nestas idades.
No pré‑escolar, muitas crianças já têm uma noção estável da sua identidade de género. Normalmente, as crianças desta idade não estão preocupadas com pronomes de género, sexo, sexualidade ou rótulos.
Pela minha sala de aula passa, a cada ano, um grupo de crianças maravilhosamente único, e cada ano é diferente. Ensinar nunca é aborrecido! Todos os anos recebo perguntas de pais, de outros professores e de crianças sobre se algum aspeto do desenvolvimento é ou não «normal». Penso que vale a pena partilhar as perguntas mais frequentes, porque poderão ajudar‑vos a sentirem‑se mais apoiados.
Perguntas frequentes dos pais
É normal que o meu filho de quatro anos queira usar um fato de princesa quando brinca na escola e em casa?
Sim! É totalmente normal. Disfarçar‑se é uma parte normal do desenvolvimento infantil e uma forma divertida de as crianças interagirem, envolverem‑se e brincarem ao faz de conta. Pode ajudá‑las a expressarem os seus sentimentos e emoções de diferentes formas, e a desenvolverem autoconfiança (Coyne, Rogers, Shawcroft e Hurst, 2021). E, convenhamos, disfarçarmo‑nos é muito divertido. A expressão dramática é onde as crianças podem explorar diferentes papéis, trabalhar em conjunto e resolver problemas. Os meus alunos tendem a vestir‑se como personagens de filmes ou como a princesa que está na moda. Muitas vezes, exploram papéis de género menos tradicionais. Ainda não me deparei com nenhum estudo que sugira ou sustente um resultado negativo decorrente de rapazes usarem fatos de princesa ou de raparigas se vestirem de cowboys.
Nesta idade, algumas crianças podem começar a questionar‑se sobre género. A curiosidade e a exploração do género são normais. Lindsay Rae Cohen, ativista da imagem corporal e mãe, partilhou comigo algumas ideias sobre este tema, de uma forma bonita e inclusiva:
Enquanto mãe de uma criança não binária, que vi lutar para descobrir quem é como pessoa, aprendi a importância monumental de deixar uma criança explorar os papéis de género à sua maneira. A minha linda criança explora o mundo à sua volta sem limites e pode decidir quem é e quem quer ser, sem qualquer estigmatização sobre se algo deve ser masculino ou feminino. O mundo é deles. Não existem papéis masculinos ou femininos, mas sim um mundo de possibilidades sem limitações. Há que ensinar às nossas crianças a biologia dos seus corpos para que, à medida que envelheçam, possam defender a sua saúde. Forçar estereótipos de género já não é o caminho a seguir. Deixem as crianças explorar todo o potencial humano. Deixem os rapazes brincar com bonecas e as raparigas brincar com carros e as crianças, em geral, explorarem e decidirem quem querem ser, sem os rótulos e formas ultrapassadas da sociedade para a expressão de género.
Da infância do meu filho Jack, uma das minhas histórias favoritas envolve uma brincadeira de disfarces. O meu marido chegou a casa e encontrou a nossa filha de cinco anos e o nosso filho de três a brincar aos disfarces na sala de jogos. Ficou aborrecido por encontrar o filho vestido de Sininho, com asas e varinha mágica, e disse‑lhe: «Jack, tens de tirar esse vestido e ir lá para fora jogar à bola!» O Jack respondeu‑lhe: «Olha, pai! Bibbidi, bobbidi, boo!» e acenou a sua varinha na direção do pai. O meu marido foi‑se embora, zangado comigo, por encorajar este tipo de brincadeiras, só que os meus estudos no Wheelock College e a minha dissertação de licenciatura eram sobre este tema; eu sabia que o Jack ia ficar bem.
É normal que a minha filha não se interesse por «coisas de raparigas»?
Sim, é normal. Incentivem as crianças a explorar todos os brinquedos, jogos e brincadeiras dramáticas. A rotulagem cria limitações na aprendizagem e no desenvolvimento. Quando as raparigas são encorajadas a brincar com fatos, a cantar, dançar e vestir‑se a rigor, isso é divertido. Mas quando deixamos de fora a construção com blocos, o desenho, a contagem, a criação e a experimentação, prestamos um mau serviço às raparigas. Diferentes partes do cérebro são estimuladas por atividades diferentes. Para criar crianças equilibradas, que prosperem em todas as áreas e tenham as mesmas hipóteses de se destacarem, é essencial proporcionar oportunidades de aprendizagem baseadas na igualdade e não no género. Quando as raparigas não são encorajadas a brincar com brinquedos e ter oportunidades de se envolverem em atividades científicas e espaciais, tal pode afetar a sua capacidade de desenvolver competências relevantes mais tarde na vida. O mesmo se aplica aos rapazes. Quando os rapazes não são encorajados a participar em expressão dramática ou a brincar com bonecas, podem perder a oportunidade de participar em atividades afetivas e de prestação de cuidados.
Até grandes marcas de brinquedos, como a Lego, estão a tentar eliminar preconceitos de género dos seus produtos: «A Lego anunciou que vai trabalhar para remover os estereótipos de género dos seus brinquedos após um inquérito global, encomendado pela empresa, ter concluído que as atitudes em relação às brincadeiras e às futuras carreiras continuam desiguais e restritivas» (Russell, 2021). Além disso, os investigadores descobriram que, embora as raparigas estivessem a tornar‑se mais confiantes e desejosas de participar num vasto leque de atividades, «71% dos rapazes inquiridos receavam ser gozados se brincassem com o que descreviam como “brinquedos de rapariga” – um receio partilhado pelos pais». (Russell, 2021)
O meu filho diz que quer ser uma rapariga numa semana e um rapaz na seguinte. Isso é normal?
Sim! As crianças exploram os seus mundos e aprendem a brincar, a fazer de conta e a expressarem‑se. Muitos teóricos do desenvolvimento infantil e educadores concordam que brincar é uma parte essencial de qualquer sala de aula de educação infantil. As principais características de brincar, incluindo a incerteza, o desafio e a flexibilidade, influenciam «a capacidade das crianças para se adaptarem, sobreviverem, prosperarem e moldarem os seus ambientes sociais e físicos» (Lester e Russell, 2010). Enquanto brincam, as crianças exploram as emoções, a criatividade, a confiança e a autoexpressão. Brincar também lhes dá a oportunidade de experienciar desacordos e deceções quando outras crianças não compartilham, não se dão bem com elas, ou não entendem como é que brincam. A brincadeira independente, quando brincam como querem, com pouca orientação dos adultos, é sempre divertida de observar. E pode aprender‑se muito sobre cada criança neste contexto. A importância de se poder brincar sem o controlo ou estruturamento invasivo dos adultos tem sido reconhecida como um importante fator na promoção de características ao longo da vida, tais como a resiliência, a flexibilidade, o desenvolvimento e manutenção das relações sociais das crianças (Mannello, Casey e Atkinson, 2020). Há sempre um rapaz que quer ser a Sininho no desfile de Halloween, ou uma rapariga que se veste de cowboy na área de expressão dramática. Alguns rapazes gostam de brincar na área de arrumação da sala de aula e de se mascararem. Algumas meninas adoram brincar com blocos e camiões. Simultaneamente, são extremamente imaginativas, enquanto desenvolvem competências sociais e de raciocínio. Estão a aprender a pensar, e os seus cérebros estão a mudar, a crescer e a organizar‑se. Deem‑lhes liberdade para explorar o seu ambiente e permitam‑lhes brincar e explorar sem julgamento.
A maioria dos rapazes sabe que é rapaz. A maioria das raparigas sabe que é rapariga. Algumas crianças ainda não têm a certeza da sua identidade de género. Outras não se importam com os rótulos e brincam com toda a gente e experimentam tudo. Alguns rapazes têm irmãs mais velhas e copiam tudo o que estas fazem. Algumas raparigas têm irmãos e preferem vestir‑se como eles. Restringir as brincadeiras, com base no género, limita o potencial de todas as crianças e alimenta estereótipos pouco saudáveis. Precisam de experimentar todo o tipo de materiais manipuláveis, ter oportunidades de aprendizagem e participar em vários tipos de jogos, para desenvolverem todas as regiões cerebrais.
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