“É possível que existam [sacerdotes falecidos], porque é uma lista muito difícil de concretizar e estamos a falar de abusos entre 1950 e 2022. Não se pode dizer que isso não é importante e que a lista não é válida, porque os bispos conhecem muito bem os nomes dos alegados abusadores e nós sabemos que os bispos sabem que nós sabemos. Não pode de maneira nenhuma pôr em causa a pertinência da investigação que foi feita”, disse à Lusa o membro da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa .

Daniel Sampaio disse que nota uma “mudança de atitude” dos bispos após a posição da Conferência Episcopal Portuguesa, destacou os afastamentos de alegados padres abusadores em Angra, Évora, Guarda e Viseu e defendeu que Lisboa e Porto — que, para já, só pediram mais informações — devem avançar no mesmo sentido.

“Estamos disponíveis para prestar essas informações. Havia uma paragem completa de decisões e não havia nada a ser feito; agora, os senhores bispos estão a tomar as respetivas decisões. Têm muita informação e total liberdade. Espero que não entremos nessa discussão de que um está falecido ou que não sabem onde outro está… Mesmo que isso aconteça, há, com certeza, muita matéria para os bispos atuarem”, afirmou.

O psiquiatra lamentou o não-afastamento imediato dos alegados abusadores pelos bispos de Lisboa e do Porto, enfatizando a informação disponibilizada.

O patriarcado de Lisboa anunciou hoje ter recebido uma lista de 24 suspeitos de abusos, cinco dos quais são padres no ativo, enquanto a diocese do Porto recebeu uma lista de 12 suspeitos, sete dos quais no ativo, prometendo suspendê-los preventivamente se “aparecerem indícios fiáveis” dos crimes.

“Tanto o senhor bispo do Porto como o de Lisboa tiveram reuniões com a equipa de investigação histórica e têm muita informação sobre o que devem fazer. Se não tomam essa decisão, é um problema de decisão. Lamento. Houve horas de reunião, quer em Lisboa, quer no Porto. Há muito material onde atuarem, se quiserem. E, na minha opinião, devem fazê-lo”, afirmou.

Com apenas cinco padres afastados pelas dioceses até ao momento – quase um mês após a divulgação do relatório, em 13 de fevereiro -, Daniel Sampaio assumiu que “esperava mais” da Igreja. Porém, o membro da Comissão Independente valoriza a iniciativa das primeiras dioceses em tirar consequências das revelações do documento.

“Esperava mais, claro que sim, mas o que interessa é que, neste momento, as coisas estão a ser discutidas e trabalhadas. Perdemos algum tempo, mas estamos muito a tempo de recuperar. Há uma mudança de atitude dos bispos”, reforçou, reiterando a disponibilidade da Comissão Independente para dar esclarecimentos, mas sem quebrar o anonimato das vítimas.

Sobre a entrevista ao Expresso do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas, que assumiu que a intervenção da última sexta-feira “não correu bem”, o psiquiatra admite que a colaboração com o líder dos bispos “foi sempre excelente” e que este “tem potencialidades de contribuir para a renovação” da Igreja em relação ao tema dos abusos.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais nove foram arquivados.

A comissão entregou à Conferência Episcopal Portuguesa uma lista de alegados abusadores, alguns no ativo, tendo esta remetido para as dioceses a decisão de afastamento de padres suspeitos de abusos e rejeitado atribuir indemnizações às vítimas.