Ana lembra-se do dia da morte da princesa Diana como se fosse hoje. Era agosto de 1997, tinha seis anos, e foi então que decidiu: "Eu vou viver em Londres", disse à mãe. "Claro que sim, tudo o que quiseres", responderam os pais com aquele ar condescendente de quem pensa "isto passa". Não passou, e a alentejana de Peroguarda trabalha agora na Mansion House, usada para algumas das funções oficiais mais exclusivas da City.
Peroguarda, freguesia de Ferreira do Alentejo, concelho de Beja, é um sítio mesmo muito pequeno, menos de 400 habitantes. Ana tem de organizar regularmente almoços e jantares com mais convidados. Por muito bem que se viva em localidades pequenas, todos se conhecem, se acontece alguma coisa "está sempre lá alguém para a gente", explica no seu sotaque carregado, "sempre senti necessidade de sair".
Foi assim até ao final da adolescência. Quando chegou a altura de ir para a faculdade, pensou em qual seria a universidade mais longe de Peroguarda; era para aí que queria ir. Procurou no Porto, mas ainda era perto de mais. Até que encontrou Les Roches, uma escola internacional líder em Gestão Hoteleira.
Entre o campus principal em Crans-Montana, na Suíça, mesmo ao lado da famosa estância de esqui, e o de Marbella, em Espanha, uma sala de aula de luxo ao vivo, escolheu a primeira. "Nunca gostei de calor, sempre preferi o tempo frio". Esta não parece uma frase saída da boca de uma alentejana de gema, mas é.
Acabou por ir para a segunda escolha, contrariada pelo pai. "Quem paga a universidade?", perguntou. "És tu". "Então, eu decido para onde vais. É para Marbella, que fica a menos distância de Peroguarda e se te acontecer alguma coisa num instante nos pomos lá". Uma série de visitas à escola e estava decidido: Marbella seria, Marbella foi.
O trauma do primeiro estágio
Passaram 13 anos e Ana ainda não teve coragem de circular pela zona de Tower Hill, no centro de Londres. "Ainda não estive por lá", confessa. "Lá" é onde fez o primeiro estágio, num hotel de uma cadeia detida por indianos. "Um dos hotéis deles é aqui perto de St. Paul's. Tive de passar várias vezes por lá quando estava a trabalhar no Old Bailey [Tribunal Central Criminal] e dava-me arrepios".
Os donos do hotel de má memória tinham um acordo com a Les Roches para receber e formar estagiários, mas terá ficado por aí. "Os estágios eram de seis meses, mas se trabalhássemos 48 horas por semana em vez de 40 horas, podia ser encurtado para cinco meses", explica. Escreveu para a escola e foi esse o tempo que ficou.
"Foi uma experiência traumática. Horrível. Era o meu primeiro estágio, somos jovens, temos uma ideia glamorosa das coisas. Foi também o meu primeiro trabalho, mas não acho que tenha corrido mal por isso, foi mesmo a maneira como fui tratada - as mulheres não são muito consideradas pelos homens, por muito bem que trabalhem", acredita.
O segundo estágio foi em Barcelona, no Hotel Arts. "Amei, adorei. E, é engraçado, odiava a cidade - porque não a achava uma cidade segura e, para mim, uma cidade tem de ser segura para poder passar tempo lá. Às 11 da noite apanhava um táxi para ir para casa, e morava a 15 minutos a pé do hotel. Não adorava Barcelona, mas adorei o estágio".
É por isso que Ana aconselha quem quer que seja que pense em mudar de cidade a visitá-la primeiro, ficar uns dias, uma ou duas semanas no mínimo, antes de tomar uma decisão tão definitiva. "É importante as pessoas verem como se sentem no ambiente, porque uma coisa é o que imaginamos, outra é a realidade", diz.
A estadia em Londres não foi apenas um estágio profissional para a escola, foi também um estágio para Ana saber se Londres era, de facto, tudo aquilo que tinha sonhado ao longo dos anos. Afinal, não é uma coisa simples passar de uma freguesia com menos de 400 habitantes para uma cidade de 8 milhões de pessoas. "O estágio correu pessimamente, mas eu ainda gostava da cidade".
Um clube privado? Talvez não seja decente
Depois de um devaneio em relação ao Brasil - "os meus pais quase me mataram" -, onde daí a dois anos se realizaria o Mundial de Futebol 2014, e de uma passagem de três meses pelo InterContinental London Park Lane Hotel (os colegas de licenciatura foram quase todos para Londres), como housekeeping office coordinator [supervisora de limpeza], Ana ainda estava longe do seu ideal.
"Era numa cave, sem luz do dia, em frente a um computador". Não podia ser. "Isto não é para mim", disse, "a minha vida é eventos". E mudou-se para um sítio mais central, onde começou a trabalhar "mesmo a partir de baixo". Tinha um contrato de zero horas, o equivalente a recibos verdes em Portugal, e recebia consoante o trabalho. Se não houvesse trabalho, não havia dinheiro.
"Em Londres não se pode viver assim". Ou por outra, poder pode, mas é difícil. Ana sobreviveu assim dois anos. "Ao princípio não me conheciam muito bem, mas passado um mês transferiram-me para a zona das conferências, com muito mais horas, porque fazia as coisas sozinha e não tinha de ter sempre alguém atrás de mim. Era uma mais-valia", diziam-me.
"Estava contente, mas não podia viver naquele esquema para sempre. E já estava muito acomodada, também". Desinstalou-se. "Comecei a aplicar" - leia-se a enviar candidaturas de emprego. Até que recebe um telefonema de um clube privado. "Clube privado? Hmmm. Tinha aquela coisa [ri], clube privado, para mim, tinha uma conotação negativa. Aliás, quando disse aos meus pais que ia para um clube privado eles desconfiaram: 'Mas que clube é esse?'", recorda.
Afinal, era nada mais nada menos que o Royal Thames Yacht Club, o iate clube mais antigo do mundo, fundado em 1775, sediado em Knightsbridge, ligado à Marinha Real inglesa e às mais importantes competições náuticas mundiais.
Subiu de posto, ficou com a vaga de supervisora de eventos, e foi então que Ana teve o seu primeiro contacto com aquilo que é o serviço exclusivo. E com membros da família real e do governo britânico. Entre os habitués estavam, por exemplo, o príncipe Philip, duque de Edimburgo, marido de Isabel II e pai de Carlos III.
Ana não pode, não deve e não quer revelar pormenores, mas há uma história que lembra com carinho e não resiste a contar: "Um dia, por brincadeira, resolveram trocar os talheres do príncipe Philip por talheres de plástico. Quando a refeição foi servida fui a correr levar-lhe os talheres apropriados. Olhou para mim e disse: "Não, não, obrigado, vou usar estes. Não se preocupe, está tudo bem". Enquanto os pratos estavam a ser servidos, fiquei à porta, para ir verificando se tudo estava como devia. A certa altura, o príncipe Philip olha para mim e chama-me com a mão. 'Sim?', disse eu quando cheguei perto dele. 'Ficaria mais feliz se eu mudasse para talheres de prata?', pergunta. 'Sim, respondi eu muito timidamente e com um sorriso'. 'Está bem, então pode trocar. Mas só para a ver feliz, porque não a quero ver com essa cara de sofrimento por eu estar a comer com talheres de plástico'. Tinha um sentido de humor fantástico".
Apesar do comportamento discreto de Ana, ou talvez por isso, muitas vezes estabeleciam-se cumplicidades, partilhavam-se segredos e desabafos. Fechados a sete chaves.
Um ano depois Ana começa outra vez a "aplicar".
Greenpeace invade Mansion House
Vinte de junho de 2019. Philip Hammond, ministro das Finanças de Sua Majestade, inicia o discurso anual sobre o estado da economia britânica, num jantar de gala na Mansion House, a residência oficial do Lord Mayor da City of London.
Ana abre uma das portas da sala e, para seu espanto, cerca de 40 mulheres de vermelho invadem o salão e vão desfilando enquanto gritam. Antes de ter tempo para perceber o que se passa, pelo walkie-talkie ouve os seguranças, que repetem: "Fechem as portas! Fechem as portas!". Tarde de mais.
"Foi um susto tremendo", recorda. "Abri uma porta e elas entraram de repente. No princípio pensei: mas, desde quando é que contratam um coro para actuar durante o discurso? Isto não faz sentido..." Foi então que o staff começou a fechar as portas e "um dos meus ainda levou um murro na cara".
O que era então? Um grupo de manifestantes da Greenpeace em protesto contra as alterações climáticas. A interrupção durou alguns minutos e um aplauso foi irrompendo por entre os convidados.
Se o Speech [Discurso] mais famoso de que há memória foi o de David Lloyd George, em 1911, que alertou o Império Alemão contra a oposição à influência britânica durante o período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, este ficou célebre pelo sobressalto e pelo inusitado - e levou ao aperfeiçoamento do sistema de segurança da Mansion House.
"Na altura foi uma excitação. As televisões estavam a transmitir em direto e eu, talvez pelos nervos, só tinha vontade de rir. Mas, de repente, caiu-nos a ficha: era a Greenpeace, mas e se fossem terroristas, se tivessem armas? Estávamos todos aniquilados e eu, como disse o meu chefe, seria a primeira", desabafa.
Também já trabalhava na Mansion House quando, no final de novembro de 2017, um homem esfaqueou várias pessoas na Ponte de Londres e acabou abatido pela polícia. O atentado provocou dois mortos e três feridos graves.
"Aqui temos dois alarmes distintos, o alarme para abandonar o edifício e o alarme para ficar dentro de portas. Na altura foi activado o alarme para ninguém deixar o edifício. Foi muito próximo da gente, cinco minutos a andar. Ouvi o alarme, mas não me apercebi de mais nada, estava preocupada com o que se estava a passar aqui dentro. Até começar a receber chamadas de Portugal e ir espreitar a Sky News. Mas, sobretudo quando vêm aqui políticos de determinados países, há protestos lá fora - mas temos a segurança, que é implacável, e a nossa polícia, a polícia da City of London, que protege só esta zona financeira. São fantásticos, toda a comunicação com eles é do melhor".
Ana é desde janeiro deste ano general manager [diretora geral] na empresa onde trabalha, a CH&Co, que detém uma autorização real para serviços de catering a HM The Queen, e tem o seu posto de trabalho na Mansion House, para onde entrou há seis anos e meio como assistant manager [supervisora]. "Em seis anos fui promovida três vezes (e pelo meio tivemos a Covid)", algo que seria difícil em Portugal.
Quando, ainda no Royal Thames Yacht Club, Ana começou à procura de emprego, foi contactada pela Mansion House. "Nem sabia o que era a Mansion House, só percebi depois. Quando me foram mostrar o edifício só pensava: "Meu Deus, isto é muito Buckingham Palace, acho que não me vão querer aqui"".
Não só quiseram, como devem ter gostado do que viram, porque logo no dia da entrevista Ana, pontual, chegou atrasada meia hora. "[Ri envergonhada] Foi horrível. Tentava falar com a minha chefe, "ligando, ligando, ligando", e a chamada ia parar a uma empresa. Eu, que pensava que ia ser empregada da Mansion House, afinal estava a ser contratada pela CH&Co. Perguntava pela Jane, e respondiam-me que ali não havia ninguém com esse nome. Oh, meu Deus, onde é que eu ando? Não encontrava o edifício. É um prédio grande, mas a entrada do staff é por uma lateral, virada para o Bank of England".
Apesar de tudo, "a entrevista até correu bem", e depois dessa veio outra - houve logo empatia, demo-nos muito bem -, e, por fim, um trial shift [serviço teste]. "Nervosa que não podia, fui assistir ao primeiro jantar, uma coisa muito 1800, os convidados todos servidos ao mesmo tempo. Nessa noite disseram-me qual seria o meu salário".
O Brexit, a Covid e a falta de leite fresco
Desde 2009 que não pára. A vida tem sido uma correria, interrompida pela pandemia - "tive de ir trabalhar para o Old Bailey" -, e por uma vinda de cinco meses a Portugal. "Estava como queria, com os meus cães, a minha família, bom tempo, boa comida". "Nunca tinha estado em casa, em Peroguarda, por mais de duas semanas, três no máximo. Voltar foi muito complicado", desabafa.
Mas, de regresso a Londres, "o ritmo de vida não nos permite pensar nestas coisas, ter second thoughts, e é mesmo andar com a vida para a frente". E, a propósito de "andar", Ana faz uma comparação: "Quando estive em Portugal, agora em agosto, a minha mãe perguntava: "Mas porque é que estás a correr?" Não estou a correr, estou a andar. "Não. Estás a correr". É isto, cá andamos e pensam que estamos a correr. São ritmos completamente diferentes", diz.
A correria foi uma das coisas que a encantou em Londres. "O que mais me fascinou foi o ritmo de vida, a mistura de culturas. Não imaginava a cidade tão grande, só depois de alguns dias a passear percebi que não se demorava dez minutos para chegar a lado nenhum".
Se a pandemia foi má, o Brexit não foi melhor. E agora há a guerra e a inflação a ajudar. Quem está no terreno é que sente, garante Ana. E fala do catering. A sua função é garantir que tudo está bem. Com a comida, com os convidados, com o pessoal de serviço e com as contas.
Num jantar, quatro pratos servidos, "a máquina de lavar a loiça pifou. Mas porque é que isto tinha de acontecer comigo?! Tenho de me preocupar em encontrar alguém que, àquela hora, arranje a máquina, tenho de me focar no serviço, nos clientes, continuar a fazer sair a comida, dar indicações ao staff - sou muito possessiva nisso, gosto de ter o controlo da situação".
Resolver todos os problemas é mais complicado desde a Covid. "Agora não tanto, mas no ano passado havia guerras entre as companhias de catering e hotéis e restaurantes, hotelaria em geral, a ver quem pagava mais às agências para ter empregados. Mas não era uma questão de pagarem mais, é que não havia pessoas. 2021 foi muito mau a nível de organização e de sobrevivência. Agora está só mau", brinca.
Ana fala num antes e num depois do Brexit. "Quando o Reino Unido fazia parte da União Europeia tínhamos todos os produtos que queríamos. Agora acabou-se a papa doce. Falta queijo, leite, pato, não tivemos galinha-d'angola durante muito tempo... Porque quase tudo vinha de França. E, por exemplo, temos um congelador avariado há mais de dois anos porque as peças vêm da Alemanha. Penso que ninguém de fora tem noção do impacto do Brexit".
Como as quantidades disponíveis são menores, os preços sobem. Ana dá exemplos: "Estávamos a pagar quatro libras por um bife de filet de 150 gramas, passámos a pagar 11 libras. Agora está a nove, mas ainda é mais do dobro. Para mim, o choque maior foi quando me disseram que não há leite fresco, tive vontade de chorar. E agora usamos leite UHT".
Para Ana a comida inglesa é "horrível". "A minha sorte é que ainda vou fazendo as minhas refeições no trabalho, por isso, vou comendo bem". Ainda assim, há coisas que uma alentejana não dispensa. "Sofro mesmo é com o pão. Não há palavras, o pão daqui parece de plástico". Vinga-se sempre que vai ao Alentejo. "Antes de ir a Portugal organizo logo o menu com o meu pai. O meu ensopadinho de borrego, feito por ele, a coisa mais divina do mundo. Tento comer muito peixe e muito marisco e evito o frango, porque no Reino Unido há em todo o lado. Também como saladas, porque aqui [Londres] o tomate não tem sabor. E os ovos, que no Alentejo são laranja, aqui são um amarelo desmaiado. A comida joga um grande peso", admite. "Em Portugal a minha mãe pergunta muitas vezes: "Ó Ana, mas tu tens fome?" Não, mas tenho de aproveitar".
A vida em Londres está mais cara e não é só no preço da comida que se nota. "Os transportes são caríssimos. Pago todos os dias 12 libras [cerca de 14 euros] para vir trabalhar. Vivo a vinte minutos de comboio. Têm os passes, mas o passe da zona um à zona quatro, que eu teria de comprar para me deslocar, custa 320 libras [cerca de 368 euros]. Se não sair de casa ao fim-de-semana, estou a perder dinheiro".
Se funcionar fora da hora de ponta, os preços também baixam. Enfim, "paga-se bastante, mas as condições também são outras. Quando vou a Portugal dá-me vontade de chorar. Em Londres o metro passa a cada dois minutos. Fui a Lisboa visitar uns tios e uma prima e tive de esperar seis minutos na plataforma. não queria acreditar. Achei que o placard estava errado. Um dia fui do aeroporto para o Campo Grande e o comboio seguinte demorava 12 minutos a chegar. Isto em Londres é impensável, até porque se um comboio tem quatro minutos de intervalo de outro a plataforma enche. Dependemos muito, muito dos transportes públicos e o governo sabe disso", adianta.
A tudo isto há que acrescentar a renda da casa, a água, o gás e a luz. "Soube de histórias de pessoas que estavam a pagar 30 ou 40 libras por mês em gás e agora estão a pagar 280 libras. E o Inverno ainda não chegou. A minha renda inclui tudo, mas tenho a consciência de não abusar da senhoria. As nossas tomadas têm todas interruptores de on e off. Se não estiver a usar alguma coisa, desligo a tomada. Também tenho medo que a senhoria veja as contas a aumentar e me suba a renda, claro".
Ana paga 1.100 libras por um estúdio. "Mas é zona quatro, na zona dois não custaria menos de 1800 ou 1900 libras. O custo de vida é bastante alto; uma cerveja custa cinco libras, uma garrafa de Prosecco custa entre 39 e 42 libras. Claro que me movo muito na City, onde os preços são mais altos". Mas mesmo assim.
"O número de turistas tem diminuído, e isso vê-se. É caro vir a Londres. Acompanho muito as notícias em Portugal e, recentemente, li que uma influencer veio a Londres e ficou chocada com o preço dos bilhetes para entrar num museu, 200 euros por quatro pessoas. Mas é assim em todo o lado, o bilhete mais barato para um musical custa 170 libras. Recebemos bem, mas pagamos caro".
Ana fala com conhecimento de causa. A sua vida é passada a trabalhar, mas, "uma coisa que voltei a fazer fazer agora foi ir a musicais. Há duas semanas fui ver 'The Lion King' [O Rei Leão], um sonho antigo, e na semana passada fui assistir ao 'The Phantom of the Opera' [O Fantasma da Ópera]". Foi na companhia da chefe, "uma amiga que vai ficar para sempre no meu coração". É operations diretor [diretora de operações], e temos uma relação que tomara muitas irmãs ou primas, damo-nos muito bem, não só em termos de apoio profissional como pessoal. E, quando não temos muito que fazer ou acabamos mais cedo, vamos tomar um cocktail ou dois, uma coisa que se pode fazer duas ou três vezes por semana".
A alta reputação dos portugueses
Quando a rainha Isabel II morreu Ana estava em Londres. Mas, caso estivesse fora, uma carta da City of London Corporation dar-lhe-ia prioridade de regresso no primeiro voo. Numa situação de emergência, e se não tivesse lugar no avião, teria de viajar no lugar de uma das assistentes de bordo.
Uma vez mais, há pormenores que não pode revelar, mas em agosto último, antes das férias, estudou muitas vezes o planeamento e os procedimentos a seguir em caso de emergência [morte da rainha], "até porque se estivesse em Peroguarda teria de transmitir diretrizes desde Portugal.
Ana foi responsável por todo o serviço catering em torno da proclamação do Rei Carlos III no London Stock Exchange, a Bolsa de Valores londrina. "No último dia eram umas 400 pessoas. E eu era a única estrangeira, o resto era tudo ingleses. Mas nunca me senti uma estrangeira aqui", confessa.
Os ingleses gostam dos profissionais portugueses, mulheres ou homens. "A reputação dos portugueses aqui é mesmo muito boa. E, tem graça, porque o Lord Mayor, quando teve reuniões bilaterais com Portugal, dizia: "Aqui a Ana é portuguesa, estamos super contentes com ela". Fazia questão de dizer isso, de onde eu era e o bem que desempenhava as minhas funções", conta.
O Lord Mayor de Londres é o presidente da City of London Corporation. É eleito anualmente pela população, normalmente entre setembro e outubro, e toma posse em novembro. Tem três objetivos principais: promover os negócios da cidade como a líder mundial financeira e centro de negócios, proporcionar uma elevada qualidade dos serviços públicos locais e fornecer uma gama de serviços adicionais para benefício da Cidade de Londres. Depois da tomada de posse acontece o Lord Mayor's Show, um desfile, e a caminhada desde o distrito financeiro até Westminister, onde jura submissão e fidelidade à coroa do Reino Unido.
"Certa vez veio aqui um político português pela primeira vez e ficou muito espantado quando me ouviu dizer "boa noite". "Boa noite. É portuguesa? Se é portuguesa, estamos em boas mãos", respondeu. São sempre todos simpaticíssimos", diz. E lembra quando o então príncipe Carlos apanhou Covid. "Tinha estado aqui e eu ainda pensei: querem ver que vou apanhar Covid real?", diz com humor, "isso é que era coisa muito chic".
Ana gosta de estar presente para as boas vindas, mas, sobretudo, para assegurar que tudo está perfeito. "Tenho de ter a certeza que não mato ninguém, até pelas alergias e pelas dietas alimentares de cada um". Sabe as preferências de todos, do que gostam e o que não toleram, até o arcebispo da Cantuária. "Está tudo na minha cabeça, se me acontece alguma coisa, ninguém sabe", ri. "Gosto muito do meu trabalho, se calhar é por isso é lhe dedico tanto tempo".
Quando for a cerimónia da coroação de Carlos III estará, inevitavelmente, com a família real. O envolvimento, esse será maior ou menor "dependendo do protocolo. Se a cerimónia for em St. Paul's, está dentro da nossa zona e estaremos mais envolvidos do que se for em Westminster".
No seu historial tem ainda as duas vezes que trabalhou nas Garden Parties, em 2017, no Buckingham Palace: ao longo de cada ano, a rainha (agora será o rei) recebe mais de 30.000 convidados para passar uma tarde de verão relaxante nos jardins do palácio, uma forma de falar com uma série de pessoas de todas as esferas sociais que se destacaram pelo impacto positivo na comunidade em que se inserem.
Para Ana, um dia normal de trabalho, dependendo de haver eventos ou não - e podem começar logo ao pequeno-almoço -, implica estar presente para delegar tarefas, verificar que está tudo bem, ver se os clientes estão satisfeitos. "No fundo, uma espécie de relações públicas". Depois, "o tempo acaba por se dividir entre resolver problemas do staff, problemas de recursos, humanos e não só, pagamentos, tudo e mais alguma coisa. E tenho as reuniões sobre as minhas contas, as da semana e do mês, a gestão das finanças da companhia na Mansion House".
A equipa da CH&Co, da qual Ana faz parte, é considerável, mas já foi maior, antes do Brexit e da Covid. "Tínhamos muitos italianos, muitos espanhóis, muitos portugueses. Actualmente temos eu, a general manager, portuguesa, o administrador, italiano, o coordenador de eventos, finlandês, o head chef, francês, o sous chef, húngaro, a chef de pastelaria, a Cátia, uma portuguesa de Lamego, e o assistente dela, italiano. Além de um inglês, um indiano e outro húngaro. Mas na Mansion House todas as pessoas que trabalham com o Lord Mayor são inglesas".
Estima-se que mais de 300 mil portugueses residam no Reino Unido. Ana, um nome tão universal, é apenas uma delas e esta é a sua história.
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