No debate instrutório realizado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), na sequência do pedido de abertura de instrução de dois cidadãos após o Ministério Público (MP) ter arquivado o inquérito, a advogada da candidata à liderança do BE reiterou que não houve dolo de Mariana Mortágua por ter acumulado o subsídio de exclusividade de deputada com a atividade remunerada de comentário político entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022.

“Não existe um único indício que permita concluir que existiu comportamento doloso ou intencional da deputada. Toda a prova aponta para um total desconhecimento da arguida”, disse a advogada Carmo Afonso, notando: “Este processo tem motivações políticas. Estamos aqui a tratar dos aspetos legais, e bem, mas é assim que Mariana Mortágua entende esta insistência de lhe imputarem crimes que não cometeu. Pede-se que não seja pronunciada”.

Em causa neste processo estão alegados crimes de peculato e recebimento indevido de vantagem. A bloquista já tinha aludido aos contornos políticos deste caso, ao referenciar na rede social Twitter o advogado Luís Gonçalves Pereira, que representa um dos queixosos (Carlos Ferreira) e que foi candidato nas listas do Chega nas anteriores eleições legislativas.

Luís Gonçalves Pereira invocou a “experiência vasta” de Mariana Mortágua como deputada do BE em exclusividade desde 2011 e argumentou que o parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados — que, em fevereiro de 2020, se pronunciou pela incompatibilidade da acumulação de remuneração por comentário televisivo com a exclusividade no parlamento — é anterior ao início do comentário, pelo que a bloquista tinha obrigação de saber.

“Os tribunais é que entendem se houve crime, não são os deputados que decidem se houve crime ou não. Não é a decisão da Comissão de Transparência que impede a arguida de ser julgada por um tribunal”, frisou, em alusão ao facto de esta comissão parlamentar ter considerado que a irregularidade estava sanada, acrescentando: “O dolo não pode ser aqui fundamento para o arquivamento”.

Os argumentos foram repetidos pelo mandatário do outro queixoso (João Batista Loureiro). “A arguida tinha de ter tomado conhecimento. Houve dolo e deve ser pronunciada pelos crimes de peculato e recebimento indevido de vantagem”, disse o advogado Elói Nedert.

Perante a juíza de instrução Gabriela Assunção, o MP voltou a defender o arquivamento, repetindo o entendimento da investigação e considerando que o “comportamento de arguida é meramente negligente”. O MP realçou ainda a devolução dos rendimentos quando Mariana Mortágua teve conhecimento da alteração do entendimento da Comissão de Transparência sobre esta matéria e concluiu que a deputada não deve ser julgada em tribunal.

O caso em torno de Mariana Mortágua foi revelado em março de 2022 pela revista Sábado. Na origem está a mudança de entendimento da Assembleia da República sobre a exclusividade dos deputados, que passou a distinguir a remuneração de comentário escrito em relação ao comentário televisivo: ao primeiro era permitida a acumulação por se enquadrar em direitos de autor, enquanto o segundo se tornava incompatível com o subsídio de exclusividade.

A decisão instrutória será conhecida na sexta-feira, a partir das 15:00, sem leitura pública e apenas por notificação através do portal Citius aos advogados.