O Papa começou o dia na Universidade Católica de Lisboa (UCP) onde desde as 5h00 da manhã milhares de jovens o aguardavam. De acordo com a organização, eram cerca de sete mil os que queriam assistir ao discurso do Sumo Pontífice, distribuídos por plateia em pé (na sua maioria) e sentada.
Ainda faltava muito para chegar a luz do dia e já se ouvia no ar - "Papa Francisco! Papa Francisco!" -, com uma energia que não era condizente com a hora. Muitos levaram as mantas, os sacos-cama, as bandeiras, os casacos e lá estavam à espera da chegada do Papa.
As portas abriam às 5h00 da manhã, mas o líder da Igreja Católica só chegou às 9h00, altura em que foi recebido de pé com música, cânticos e entusiasmo, não só dos que o aguardavam no campus mas também dos que estavam lá fora, ou seja todos os que não conseguiram entrar na universidade mas que enchiam parte da Avenida Lusíada.
Como sempre, o grito mais ouvido nas jornadas sobressaiu a qualquer outro: "Esta é a juventude do Papa! Esta é a juventude do Papa!".
E, depois de muito esperar, começaram os discursos dos diferentes oradores. A primeira a falar foi a reitora da UCP, Isabel Capeloa Gil, seguindo-se três jovens estudantes da Universidade: Tomás Virtuoso, de 29 anos, licenciado e mestre em Economia pela Católica Lisbon School of Business and Economics, Mariana Craveiro, de 21 anos, licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação e Psicologia da UCP do Porto e Beatriz Ataíde, de 27 anos, estudante de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais do pólo de Braga.
Mahoor Kaffashian, uma sobrevivente com "olhar e esperança sobre o futuro"
Antes do Papa falar, foi ainda tempo de um último testemunho feito por Mahoor Kaffashian, uma refugiada iraniana de 25 anos, estudante de Medicina Dentária na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade Católica Portuguesa de Viseu. Num discurso emocionante, a jovem contou ao Papa, em português, a sua experiência de se "sentir sobrevivente" e como tem um "olhar e esperança sobre o futuro".
Falou ainda do sentimento constante de ausência de um lar e como o encontrou na Universidade Católica. "Acima de tudo, sou crente, e devo o meu olhar de esperança sobre o futuro à extraordinária equipa da Universidade Católica: cuidou e cuidará de mim, no contexto do Fundo de Apoio Social Papa Francisco", sublinhou.
Depois deste momento, falou o Papa e após salvas, gritos e aplausos, dirigiu-se à multidão que enchia o Campus Palma de Cima dizendo em português: "Queridos irmãos e irmãs, bom dia!".
De seguida, falou aos jovens do significado de ser peregrino, que é "deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido".
somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo
"Na imagem do 'peregrino', espelha-se a condição humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se de um processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual", referiu.
E prosseguiu desafiando os jovens a desconfiar das "fórmulas pré-fabricadas, das respostas que nos parecem ao alcance da mão extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar". Estando em Portugal, citou depois a 'Mensagem', de Fernando Pessoa, referindo que "ser descontente é ser homem" e por isso não devemos ter medo "de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro de uma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da autossuficiência e o narcisismo".
"Abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto"
Sob este mote, desafiou a procurar e arriscar: "Amigos, permiti dizer-vos: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos, mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo" e propôs serem "protagonistas duma nova coreografia que coloque no centro a pessoa humana" e todos como "coreógrafos da dança da vida". Aqui, aproveitou ainda para fazer referência aos conflitos atualmente vividos em várias partes do globo, designando-os por "terceira guerra mundial aos pedaços".
Virando-se diretamente para a universidade e para os estudantes, sublinhou que: "À universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o atual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido".
Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido
Já mais a meio do discurso, voltou a citar uma referência nacional, a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen e uma entrevista em que lhe perguntaram "O que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?", ao que esta respondeu sem hesitar: "Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres", e pediu aos jovens para fazerem a mesma pergunta.
Seguidamente, partindo do discurso de Mariana, que dizia querer ser "protagonista da mudança", Francisco citou também o escritor Almada Negreiros, com a frase "sonhei com um país onde todos chegavam a mestres", da obra 'A Invenção do Dia Claro', e disse: "Também este idoso que vos fala sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança".
Já a terminar o discurso, falou da importância de "reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum", referiu que "não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos", e sublinhou a necessidade de "redefinir o que chamamos progresso e evolução".
A cilada de visões parciais
"Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais", disse aos jovens.
"Não esqueçais que temos necessidade de uma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres, necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados, o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade, necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto", referiu.
Por fim, falou ainda que "o contributo feminino é indispensável", no âmbito do anúncio do nome dado à nova cátedra da Universidade Católica - que passou a ser dedicada a Francisco e Clara.
“No consciente coletivo, quantas vezes acontece pensar que a mulher é um ser de segunda, que é secundária em vez de titular? O contributo feminino é indispensável”, afirmou, acrescentando que na Bíblia "a economia familiar está em grande parte nas mãos da mulher". Referiu ainda que a “sabedoria” da mulher torna-a “governante da casa, que não tem como benefício imediato, mas beneficia do bem estar físico e espiritual de todos”.
Como últimas palavras antes de rezar com todos, expressou a sua felicidade "por ver-vos uma comunidade educativa viva, aberta à realidade, com o Evangelho que não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo", e aludiu à história de uma tradição medieval que conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando 'Ultreia', ao que este respondia 'et Suseia'. "Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: 'Vai mais longe e mais alto!', 'Coragem, força, anda para diante!'. Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração", terminou enquanto cerca de sete mil pessoas o aplaudiam em pé.
Antes de sair ainda rezou o Pai-Nosso em português e todos o acompanharam emocionados. Abençoou também a primeira pedra do Campus Veritati da Universidade Católica Portuguesa (UCP), na sua sede em Lisboa, que começará a ser construído ainda em 2023 e ficará localizado no lado norte do campus atual.
Depois das palmas, das bênçãos e dos cânticos entoados pelo Coro da UCP, começou a debandada de peregrinos que seguiam para a próxima etapa da jornada sempre em festa.
A caminho da saída, encontrámos Maria, voluntária da JMJ, estudante do Mestrado em Comunicação, Marketing e Publicidade da UCP e parte da Missão País, um projeto católico de universitários que tem como objetivo levar Jesus às Universidades e evangelizar Portugal através do testemunho da fé, do serviço e da caridade.
Em declarações ao SAPO24, contou que "não podia perder a oportunidade de ver o Papa", mesmo tendo de acordar às 5 da manhã, "um esforço que compensa para poder estar perto do Papa a ouvir mensagens dirigidas especificamente aos jovens universitários". Destaca mensagem em que Papa diz aos jovens para serem criativos na maneira de viver a fé em todas as fases da vida e "como se pode viver em paz, num mundo com tantos conflitos, sempre focados no outro e na alegria do outro".
Ver o Papa deu-lhes "força para ser protagonista, não ter medo e seguir os sonhos"
De seguida, encontrámos Mariana, uma estudante brasileira que estuda Engenharia no pólo da UCP em Viseu, e Clara, que estuda Medicina Dentária na mesma Universidade, ambas peregrinas na JMJ e muito emocionadas por ver o Papa.
A primeira a falar com o SAPO24 foi Clara, que sublinhou que esta foi a primeira vez que as duas jovens viram o Papa, algo que classifica como "indescritível". A colega e amiga Mariana destacou que este encontro "lhes deu força para ser protagonista, não ter medo e seguir os sonhos".
Clara apontou ainda que o Papa diz que os jovens "não devem ter medo de arriscar e devem ser corajosos na fé e no caminhar com Jesus, naquilo que deve ser o acolhimento de todos sem barreiras, numa Igreja comum, de todos, para todos e por todos", refere.
Felipe, colega da Clara e da Mariana em Viseu, também brasileiro e estudante de Engenharia Mecânica, partilha que ver o Papa "foi uma emoção enorme que não esperava". Diz que as palavras foram diretamente para ele enquanto jovem, e por isso destaca que a principal mensagem que o marcou foi quando Papa disse "procurai e arriscai". "Eu acho que os jovens devem seguir este conselho do Papa de procurar e arriscar nesta vida que é uma peregrinação constante enquanto jovens", referiu.
Na parte da plateia em pé, encontrámos alguém que tinha vindo bem cedo para marcar lugar na fila da frente, a Isis, uma estudante de Teologia da Alemanha que, apesar de ter nascido católica, só na universidade percebeu realmente o que a fé significa para ela, algo que agora leva para a vida.
"Há dois anos tornei-me católica de forma consciente, apesar de já o ser desde criança com o batismo, mas afastei-me depois da primeira comunhão. No Natal de 2020, visitei uma Igreja, senti a presença de Deus e, depois de um sonho, decidi começar a perceber melhor Deus, que estava sempre comigo", contou.
Depois de uma viagem transformadora a Roma, que fez em 2021, sentiu uma grande afetividade pelo Papa Francisco e pela sua mensagem, que considera ser a verdadeira, ao contrário das muitas vozes contrárias ao Vaticano que existem na Alemanha.
"Roma estava aqui, com o Papa, foi puramente celestial", afirma, explicando que foi Francisco que a inspirou a estudar Teologia e a investir num futuro de transmissão da fé a outros.
O último grupo com que conversámos era composto por vários brasileiros, que vieram das suas universidades no Brasil diretamente para a JMJ.
Entre uma demonstração do hino da Jornada e vários saltos e gritos de guerra, falámos com Cauan, estudante de Gestão de Produção e Mariana, estudante de Pedagogia, que são pela primeira vez peregrinos na JMJ.
"O cansaço da Jornada acabou quando vimos o Papa"
Para Mariana, ver o Papa foi uma experiência "inexplicável e um sentimento muito forte". "É muito poderoso ver o sucessor de Pedro à nossa frente. É ao mesmo tempo comovente ver a juventude católica a procurar a sua identidade com todos com o mesmo propósito", referiu.
Já Cauan sublinhou que "o cansaço da Jornada acabou quando vimos o Papa. Jamais deixar de amar, como diz o hino da JMJ".
Com o grupo já estiveram em Fátima e dizem que vir à JMJ "é um sonho realizado".
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