O desporto feminino vive uma nova era. É inegável a explosão de audiências no futebol ou râguebi durante os mundiais de 2025, a crescente conexão com o público via redes sociais, mais inovação e investimento de marcas e cada vez mais investidores a investirem no lado feminino do desporto.

Esta foi a base do painel “Poder, progresso e potencial: a nova era do desporto feminino”, durante o qual foi ainda abordado um assunto exclusivamente reservado às mulheres: os ciclos menstruais e a forma das atletas profissionais lidarem com o tema.

Caroline Garcia, ex-número 4 mundial da WTA, Emilé Radyté, neurocientista e CEO da Samphire e Pedro Félix da Costa, cofundador e responsável comercial da APEX subiram ao palco 7 no último dia da Web Summit 2025.

“Tivemos alguns campeões que se tornaram ícones globais. Maria Sharapova, Serena e  Venus Williams, inspiraram uma geração”, recordou Caroline Garcia.

“O ténis é líder no campo, mas também fora de campo”, realçou. “Este ano, a WTA lançou o primeiro Fundo de Maternidade (programa de licença de maternidade remunerada para as jogadoras). É muito inovador e espero que todos os envolvidos entendem ao que isso nos leva”, sustentou a tenista francesa.

Vinho tinto, Aperol Spritz e pastelaria ao lado de cervejas e cachorros 

A maior feira tecnológica da Europa é um lago de inovação e de investidores.

Pedro Félix da Costa, investidor em desporto, destacou um indicador. “A participação das jovens”, anunciou. “Podemos observar os dados estatísticos, nos EUA, as jovens de 6 a 18 anos, estão em níveis elevados”, fixou.

A elevada adesão, fará “comprimir talento”, perspetiva. “Significa que os profissionais vão ser muito bons”. Daí resultará “um produto desportivo muito mais atrativo e audiências maiores”, adiantou. “Os que não forem profissionais, vão criar ligação ao desporto, vão consumi-lo, gastar dinheiro como fã e espectador”, asseverou.

Que não haja dúvidas. A popularidade do desporto feminino está em alta e não escapa aos olhos de quem investe. “Têm uma entrada de investimento mais baixa, em comparação com o masculino, mas tem um crescimento alto, potencial muito agressivo, maior retorno e os investidores gostam disso”, quantificou Félix da Costa.

Embora o desporto continue a ser consumido “principalmente por homens”, o cofundador da APEX deixou um par de conselhos que podem levar a maior captação do prisma feminino. “No estádio, ao invés de só venderem cervejas e cachorros, poderemos ter vinho tinto, Aperol Spritz ou pastelaria”, sugeriu.

Mas há mais. “No merchandising, as únicas opções paras as mulheres é comprar o mesmo que foi desenhado para homens”, alertou. Para combater essa falha, o Venezia FC, um dos ativos da APEX, “contratou designers para desenharem merchandising adaptado ao género, peso e altura o que torna atrativo para o público feminino comprar e interagir através da moda”, especificou Félix da Costa.

A tempestade perfeita, no bom sentido, está criada. “O desporto feminino é cada vez mais popular, está a pagar mais, chama mais atenção, a regulação e o compliance são menos complexos, comparado com o desporto masculino”, pelo que “haverá múltiplas oportunidades” e os investidores aparecem para “financiar e apoiar”, indicou.

Humanizar o ténis. O podcast que vai além de rankings e dos resultados

Caroline Garcia, 32 anos, já terminou a carreira profissional após a eliminação na primeira ronda do US Open, em agosto, mas continua, contudo, viva nos courts através das redes sociais. Gere o podcast Ténis Insider Club, juntamente com o marido, Borja Duran.

Admite um lado negro num mundo que procura pintar em tons de rosa. “O ódio” nas redes sociais, é uma realidade. “Às vezes, é muito difícil lidar com esse ódio. Estamos a fazer o nosso melhor, a tentar jogar o melhor que podemos”, identificou.

No podcast humaniza o jogador de ténis. Vai além dos “rankings e resultados” e visa mostrar “as lutas, emoções, amizades, que maioria pensa que não existem”, adiantou.

Na construção da narrativa, ligação com o público e abertura dos bastidores, quer “ser capaz de inspirar jovens jogadores, pais e treinadores, ajudar os fãs a entenderem o que realmente nos leva a viver esta vida”, avançou a tenista que, ciente do poder e riscos da influência exercida, só abre a porta a investidores (marcas) que “fazem sentido para mim e que alinham com meus valores”, confessou.

Conhecer o corpo e o recurso à tecnologia 

O calendário de ténis é um dos mais apertados. Torneios, viagens, desgaste físico e mental, gestão desportiva, competição e recuperação, stresse, alimentação e hidratação, descanso, medição de índices de sono ou saber evitar lesões, em tudo, a tecnologia tem desempenhado um papel fulcral para os atletas profissionais e equipas.

“Como atleta, acredito ser muito importante aprender a sentir o meu corpo e confiar nos meus instintos. No court,temos de confiar em nós mesmos, mas a tecnologia é muito boa, especialmente se usada para o nosso bem e da equipa, para possibilitar que joguemos mais, sermos mais saudáveis e ter melhor desempenho”, assumiu.

É neste preciso ponto que entram os ciclos menstruais dos atletas profissionais. Palco para a neurocientista de serviço. “Há tecnologias que te tentam dizer como estás a sentir-te, outras que te ajudam a interpretar os sinais que estamos a sentir. Outras, ainda, podem fazer ambas”, sintetizou Emilé Radyté, CEO da Samphire Neurosciente.

start up inglesa, direcionada para saúde feminina, apresenta soluções não evasivas de alívio de dores e alterações comportamentais resultantes de sintomas pré-menstrual, dores menstruais e outras alterações hormonais.

“Associamos as mudanças (de comportamento) nas mulheres aos eventos reprodutivos. Muitas delas, com o período, está sempre a acontecer, pode originar sintomas como dor de cabeça, ansiedade e irritabilidade”, descreveu.

“Quando estamos num torneio, como o atleta se sente faz toda a diferença. Não pode escolher qual o dia em que o ciclo calha. Tal, impacta na participação das mulheres nos desportos, no seu desempenho e estamos a quebrar essa barreira”, comentou.  

Aprofunda o tema e o trabalho desenvolvido com as atletas profissionais. “Geralmente, não têm tantas situações crónicas como a população geral”, comparou. Outras há, que, em idade precoce, registam comportamento inverso.

“A tecnologia pode ser usada para, por um lado, ajudar as mulheres que antes não poderiam entrar no desporto a progredir no desporto, e por outro lado, ajudar as mulheres a entenderem melhor os seus corpos”, anunciou.

O poder da partilha de histórias

Nicky Crosby, apresentadora de televisão e moderadora no painel, atirou um número. 95% dos estudos científicos sobre comportamento desportivo são feitos em homens.

Emilé Radyté coloca frente a frente a guerra dos sexos. “Fazer pesquisa nas mulheres é, objetivamente, mais difícil”, antecipou. “Os homens têm um relógio biológico diário, mas as mulheres terão sempre o relógio biológico e o ciclo menstrual”. Esse dado, impacta no resultado se “estiver a tentar engravidar”, exemplificou.

Reconhece não ser necessário “o mesmo número de anos de pesquisa” que os homens mereceram, sendo, isso sim, essencial “entender a unicidade dos corpos femininos” e desenvolver a pesquisa de “uma forma, provavelmente, mais personalizada”, atirou.

“Quando arrancámos com a empresa em 2021 e falámos que o síndrome pré-menstrual era uma coisa séria, diziam que não”, relembrou. Para a CEO e cofundadora da Samphire Neurosciente a partilha de histórias por parte de atletas profissionais é algo “poderoso”, considerou.

 “Iga Swiatek reconheceu após um jogo não ter estado bem, porque teve sintomas pré-menstruais severos naquele dia. Foi a primeira vez que uma grande e famosa tenista falou sobre ter uma dessas condições de saúde das mulheres”, recordou.

“É o tal momento do mês, é melhor ficar na cama”

“A tecnologia e a pesquisa evoluíram muito nos últimos anos e estão mais especializados em entender que os corpos dos homens e das mulheres são muito diferentes, assim como os tempos e modos de recuperação”, analisou Caroline Garcia.

Se “um homem pode comer qualquer coisa e não ganhar peso”, já com a mulher “não é a mesma coisa”, citou, a sorrir.

“Como mulher, às vezes, levo mais tempo para recuperar (da viagem e da competição), é difícil explicar à equipa, especialmente num desporto onde há muitos homens, para entender que hoje não é o meu dia, é o tal momento do mês, é melhor ficar na cama, às vezes, nem sempre é fácil expressar isso”, anotou.

Viaja no tempo, aos tempos da juventude. “Nunca mencionava nada, passava por esse período do mês, não partilhava, todos sabiam, mas ninguém falava. Hoje, a comunicação está muito mais aberta”, finalizou, elogiando a mudança.