O Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação celebra o aniversário do primeiro transplante feito em Portugal, curiosamente no mesmo dia em que o homem foi à lua, a 20 de julho de 1969. Dois marcos que mudaram o mundo para sempre.

Segundo a presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), Cristina Jorge, em entrevista ao SAPO24, este é um dia com vários objetivos, entre eles "sensibilizar a população em geral para esta temática" e chamar à atenção para "a doação de órgãos e a transplantação são um bem para a sociedade", tudo isto ao mesmo tempo que se procura "homenagear os dadores, os próprios doentes, os profissionais de saúde e todos os envolvidos nesta atividade".

"Só sensibilizando para a importância da doação de órgãos é que as pessoas também se motivam para colaborarem nestas atividades. Este dia é, no fundo, um alerta também para nós todos nos envolvermos nesta atividade que é tão nobre e tão necessária na nossa sociedade", refere a responsável.

Este ano em particular, o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) e a Sociedade Portuguesa de Transplantação uniram-se para uma conferência no CCB, esta quinta-feira, sob o tema "Globalização e Digitalização na Doação e na Transplantação de Órgãos".

O dia vai ser comemorado com uma cerimónia em que vão estar envolvidas pessoas do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, com a colaboração do Ministério da Saúde, do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, e onde vão estar representados profissionais de saúde que trabalham nesta área, associações de doentes e haverá testemunhos não só de doentes, mas também de dadores.

Mas afinal de contas, o que é ser um dador e como se pode desempenhar este gesto altruísta, "considerado como o maior ato de bondade entre os seres humanos", segundo o IPST?

Atualmente existem milhares de pessoas que precisam de um transplante para continuarem a viver ou melhorarem a sua qualidade de vida.

A realidade é que as listas de espera para transplante de órgãos e tecidos continuam a aumentar e não se consegue alargar o número de dadores. A única forma de resolver este problema é ser dador de órgãos e incentivar as pessoas à nossa volta que também o sejam. Quantos mais dadores de órgãos existirem, maior será o número de vidas que se poderão salvar.

Quem pode ser dador?

De acordo com o IPST, são dadores todos os cidadãos. A não ser que se inscrevam no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA). No entanto, nem todos poderão sê-lo, uma vez que para tal acontecer a morte deverá ocorrer num hospital, de forma a garantir que os órgãos são corretamente colhidos e que são realizadas as provas necessárias para a correta avaliação de cada potencial dador.

É a equipa médica que, depois de realizadas todas as provas necessárias, determina se uma pessoa falecida pode ser dadora e de que órgãos.

No caso da doação em vida, mais rara em Portugal, esta pode acontecer se se cumprirem as condições e requisitos definidos na legislação portuguesa. O dador tem de ser maior de idade e gozar de boa saúde física e mental.

As equipas médicas das unidades de transplantação com programa de dador vivo são responsáveis pela avaliação do dador vivo, garantindo os seus direitos, liberdade de decisão, voluntariedade, gratuitidade e altruísmo. Cada caso tem as suas próprias particularidades e, recomenda-se, que antes de tomar uma decisão seja consultada a unidade de transplantação para responder às dúvidas sobre o processo de doação em vida.

Cristina Jorge esclarece que, no caso dos dadores que morrem nos hospitais em Portugal, apenas é possível doarem órgãos quando estes estão em morte cerebral, ou seja, "mesmo que esteja num estado vegetativo, mas não em morte cerebral, não se pode colher órgãos. Tem de ter as provas de morte cerebral”. Acrescenta ainda que só se colhem órgãos de pessoas que estão em paragem cardiocirculatória não controlada. Estas são pessoas “que estão na sua vida quotidiana normal e que sofrem uma paragem cardíaca súbita, são reanimadas, entram no hospital em reanimação, as manobras de reanimação são continuadas”, e estas não são bem sucedidas.

Sublinha ainda que “se uma pessoa estiver num hospital, e estiver numa situação de fim de vida, não se podem colher os órgãos dela, porque isso não está estipulado. Só quando entrar em morte cerebral. E há muitos doentes que não entram mesmo em morte cerebral, mas acabam por morrer. Como têm estas provas de morte cerebral positivas, não podem ser considerados dadores".

Sobre possíveis mudanças desta lei, refere que nos últimos anos existe vontade de mudar a lei de recolha de órgãos. "Estão a ser envidados esforços para isso, mas aqui as coisas são sempre mais lentas do que gostaríamos e do que a sociedade precisa. Isto seria benéfico para a sociedade. O que mais limita a transplantação atualmente é a escassez dos órgãos. Nós não transplantamos mais pessoas porque não temos mais órgãos disponíveis para transplantar".

É difícil ser dador?

Sobre a aprovação de um processo de doação, a responsável esclarece que é algo que "demora algum tempo".

"Normalmente, demora várias semanas a vários meses. Até porque se tem que ter a certeza que aquela pessoa quer mesmo doar e que está em condições para doar. Tivemos um dador altruísta que não quis dar a ninguém em particular, deu a um desconhecido, e também foi avaliado e passou pelos processos todos. Podemos dar a pessoas que conhecemos, a pessoas a que estamos ligadas por laços familiares (com consanguinidade ou não), podendo portanto ser irmãos, irmãs, de pais para filhos, entre outros. Ou marido e mulher. Ou até o amigo ou a amiga. Ou até a pessoas desconhecidas que não sabemos quem são", refere.

"Pode candidatar-se a ser nomeado, e depois logo se decide. É um processo em que a pessoa é estudada, é acompanhada, passa por várias verificações. Não é 'Amanhã vou ser dador de rim', não é nada disso. Isto demora tempo, tem que se fazer exames, tem que se fazer um acompanhamento por uma equipa, normalmente existe um Assistente Social, um Psicólogo… Não é só o médico sozinho. Existe uma equipa que está a acompanhar o possível dador e depois há uma Comissão de Ética que vai verificar se aquele par dador-recetor pode avançar", explica a presidente da SPT.

Que órgãos e tecidos podem ser doados?

Em Portugal, os órgãos que podem ser doados após a morte são rins, fígado, coração, pâncreas e pulmões. Podem também ser doados tecidos osteotendinosos (osso, tendão e outras estruturas osteotendinosas), córneas, válvulas cardíacas, segmentos vasculares e pele. O dador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado ou parte dos pulmões.

Pode definir-se que órgãos ou tecidos doar?

Segundo o IPST, tendo em conta a escassez de órgãos para transplantação, todas as oportunidades de doação devem ser otimizadas. Habitualmente é contemplada a possibilidade de doação sem restrições (de todos os órgãos). No entanto, se uma pessoa não quiser doar algum órgão ou tecido, deve expressá-lo no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA). Quando este registo é consultado, são referidos quais os órgãos ou tecidos que não podem ser utilizados.

É necessário consentimento para a doação?

De acordo com a legislação portuguesa, todos somos considerados potenciais dadores, desde que não expressemos oposição à dádiva no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA).

O que é o Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA)?

O Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA) foi criado com o objetivo de viabilizar um eficaz direito de oposição à dádiva, assegurando e dando consistência ao primado da vontade e da consciência individual nesta matéria.

A inscrição é realizada através da apresentação, pelo interessado ou por quem o represente, em qualquer centro de saúde ou extensão, de um impresso do Ministério da Saúde, aprovado pelo Despacho Normativo n.º 700/94, de 1 de outubro.

O preenchimento do impresso é controlado, no momento da sua apresentação, pelo funcionário, mediante apresentação da identificação.

A receção do impresso é confirmada pela entrega imediata de uma cópia que atesta a entrada do formulário nos serviços, assinada de modo legível pelo funcionário ou agente responsável.

A inscrição no RENNDA produz efeitos decorridos quatro dias úteis após a receção do impresso.

A todos os cidadãos que se tenham inscrito no RENNDA é fornecido um cartão individual de não dador. Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde emitem e enviam ao destinatário o cartão individual de não dador no prazo máximo de 30 dias contados da receção do impresso de oposição à dádiva.

Depois disso, os estabelecimentos hospitalares públicos ou privados que procedem à colheita post-mortem (depois de morto) de tecidos ou órgãos devem, antes de iniciada a colheita, verificar, através dos gabinetes coordenadores de colheita e transplantação e dos centros de histocompatibilidade, a existência de oposição ou de restrições à dádiva constantes do RENNDA. Para tal, estão diretamente ligados ao ficheiro automatizado.

A colheita de tecidos pelos institutos de medicina legal só pode ser realizada após verificação da não oposição à mesma, através de consulta do RENNDA.

Quem pode ser transplantado?

Os doentes que sofram uma lesão irreversível num dos seus órgãos, sem que outro tipo de tratamento médico se adeque, têm no transplante a única solução possível para evitar a sua morte ou para melhorar a sua qualidade de vida. Cada doente é incluído em lista de espera e é avaliado individualmente pela equipa de transplante.

Qual o período de espera?

Segundo o IPST, o período de espera é variável e geralmente um pouco demorado, tendo em conta a pouca disponibilidade de órgãos para transplante.

Quando um órgão fica disponível, o doente é contactado para que num espaço de tempo muito reduzido a intervenção se realize. Os órgãos, regra geral, não sobrevivem muito tempo fora do corpo humano, pelo que se um doente não estiver contactável perde a vez para outro.

"Em Portugal, o que está mais desenvolvido é a doação a partir de dador cadáver. A doação em vida em Portugal não está muito desenvolvida. Constitui 10 a 12% dos nossos transplantes renais, por exemplo. Há países em que é o contrário, em que está muito mais desenvolvida a transplantação de dador vivo, e está menos desenvolvida a transplantação a partir de cadáver. Para o transplante de dador vivo, também é importante que a população esteja informada que esta possibilidade existe, que esta doação também é útil para as pessoas, e que só se tira um rim a um dador se se achar que o dador tem condições para ser dador.”, sublinha Cristina Jorge.

Segundo a responsável, a doação em vida tem forte potencial para ser mais utilizada no nosso país. “É uma área em que nós temos muito espaço para aumentar em Portugal. Acho que é importante fazer campanhas de sensibilização e estarmos a falar sobre este assunto, e as pessoas que recebem rins e outras que são dadoras de rins também darem o seu testemunho", reforça Cristina Jorge.

O que acontece depois do transplante?

Depois do transplante efetuam-se consultas de acompanhamento periódicas, normalmente de seis em seis meses.

Adicionalmente, o IPST destaca que, apesar da "compatibilidade entre dador e recetor ser testada antes de um transplante, a prescrição de medicamentos imunossupressores é obrigatória de forma permanente, exceto nos transplantes de medula óssea".

Em casos de rejeição, poderá ser oferecido ao doente um novo transplante.

Quanto custa um transplante?

Os custos deste processo são assegurados pelo sistema de saúde ao qual pertence o doente. O órgão doado é transplantado gratuitamente, independentemente da condição social e económica do doente que o recebe. Toda a terapêutica associada ao transplante é suportada pelo Serviço Nacional de Saúde, e respetivos hospitais onde são efetuados os transplantes.

Quais os critérios de distribuição dos órgãos?

De modo a garantir os princípios de igualdade e equidade, os critérios são definidos tendo em conta dois aspetos fundamentais: aspetos regionais e aspetos clínicos.

Os critérios regionais permitem que os órgãos de dadores de uma determinada região sejam transplantados na mesma região, para diminuir ao máximo o tempo de isquemia (tempo máximo que pode decorrer entre a colheita do órgão e o seu transplante no recetor).

Os critérios clínicos definem a compatibilidade entre dador/recetor e a gravidade do doente. Existe um critério clínico que está acima dos critérios regionais, que consiste na urgência/emergência da necessidade do doente relativamente ao transplante. Um pedido superurgente ou emergente tem prioridade absoluta em todo o território nacional.

Para pedidos de outras naturezas, os órgãos são atribuídos de acordo com os critérios territoriais. A equipa de transplante decide, consultando a lista de espera, qual o doente mais indicado para receber o órgão, seguindo os critérios clínicos: compatibilidade do grupo sanguíneo, características antropométricas, gravidade do doente, entre outros critérios, e informa o IPST.

Existe limite de idade para a doação de órgãos?

Não há limite de idade para a doação de órgãos. É a qualidade e funcionalidade dos órgãos que determinam a possibilidade de serem usados para transplantação.

Qual é a realidade da transplantação em Portugal?

De acordo com os dados divulgados pelo IPST relativamente ao ano passado, o número de transplantes de órgãos atingiu os 814 em 2022, mais 15 do que em 2021. Destaca-se ainda que foi alcançado no ano transato o maior número de sempre de pulmões transplantados.

Cristina Jorge reforça que "Portugal tem, apesar de tudo, um bom desempenho a nível internacional, e isto é de louvar porque isto é conseguido com muito mais esforço do que noutros países que são até mais desenvolvidos do que nós. Isto é um orgulho enorme para nós todos. Em 2022, os números da transplantação em Portugal aumentaram em relação a 2021".

Diz ainda que estes números não se encontram "ao nível da pré-pandemia na maioria dos órgãos. Embora, por exemplo, foi o ano em que mais transplantes pulmonares se fizeram, e portanto isso é também muito bom. Não é algo generalizado em todos os órgãos. O rim ainda não está ao nível dos anos anteriores".

Sobre o número de pacientes em lista de espera, sublinha diz que os órgãos disponíveis "não chegam para as necessidades". E acrescenta que "nós temos agora atualmente cerca de 1800 doentes em lista de espera para transplante de rim, e o ano passado foram transplantados 495 doentes, por exemplo. Foram um bocadinho mais do que no ano anterior, mas estão sempre doentes a entrar para a lista e, portanto, esta lista de espera ainda lá está. Há doentes que continuam à espera de um rim”, informa.

Cristina Jorge aborda ainda outras situações mais problemáticas, contextualizando que “um rim não é um órgão completamente vital porque nós temos terapêuticas substitutivas da função renal, através da diálise, mas há órgãos como o fígado, o coração ou o pulmão que não têm substitutos, e a pessoa precisa mesmo desse órgão. Não existem substitutos de longo prazo a não ser um órgão. A pessoa precisa deles para viver".

Sublinha-se que, de acordo com os dados do IPST relativamente às oscilações do transplante em 2022 comparativamente a 2021, o transplante pulmonar se encontra em rampa ascendente desde 2016, atingindo em 2022 o maior número de pulmões transplantados até hoje, com 76 órgãos em 39 doentes (incremento de 18,8%), não tendo a pandemia tido impacto na atividade

Quanto ao transplante do pâncreas, que normalmente se realiza em contexto de transplante duplo rim-pâncreas, os dados assinalam que teve um pico importante em 2018, mas em 2022 manteve a estabilidade de outros anos, tendo registado um ligeiro aumento de 3 intervenções comparativamente a 2021, com 25 transplantes.

Já o transplante cardíaco teve um decréscimo significativo de 24,5% relativamente a 2021, ano que se registou um pico significativo da atividade, enquanto o renal é o transplante de maior volume em Portugal, tendo vindo a recuperar após a pandemia, embora de uma forma muito estável.

Em 2022, o transplante renal representou 53,2% de todos os órgãos transplantados, tendo aumentado em 25 transplantes (5,5%), com uma significativa expressão do transplante de dador vivo.

Sublinha-se ainda a existência do Programa Internacional de Doação Renal Cruzada (PIDRC), com um protocolo celebrado entre Portugal, Itália e Espanha, que é dirigido a doentes com grandes incompatibilidades imunológicas, e que permitiu em 2022 a realização de cinco transplantes de dador vivo em dois ciclos, com um primeiro ciclo de dois transplantes e um segundo de três transplantes (desencadeado por um dador altruísta), salienta a autoridade.

"A doação renal cruzada é uma doação que ocorre entre pares de dadores vivos. Nós estamos a falar da doação de rim. E quando o par dador-recetor não é compatível entre si, pode entrar num grupo em que estão outras pessoas nas mesmas circunstâncias e em que, em vez do dador dar àquela pessoa, dá a outra pessoa, e o seu par recebe o órgão de outro dador que seja mais compatível. Aumenta, portanto, a probabilidade das compatibilidades entre os diferentes dadores e recetores. A globalização permite que os critérios todos sejam semelhantes, estandardizados e padronizados na avaliação dos dadores, e permite que estas transplantações se deem", refere a presidente da SPT.

Com este sistema, os doentes candidatos a transplante renal dispõem da possibilidade de transplante mediante troca de rins entre dois ou mais pares dador-recetor portugueses, como também entre pares de outros países com os quais Portugal tenha um protocolo de cooperação neste domínio.

Portugal ocupou, em 2021, o 4.º lugar no ranking mundial da doação de órgãos de dador falecido, com 29,6 dadores por milhão de habitantes (pmh), apenas ultrapassado pelos Estados Unidos da América, que lideram, seguidos de Espanha e Irlanda.

Em 2022, o país registou 30,8 dadores pmh, mais 1,6 dadores pmh do que em 2021, e a doação de órgãos de dador falecido (318 dadores) manteve a sua tendência ascendente, com uma subida de 5,3% em relação ao ano anterior.

As causas de morte, no dador falecido, foram em 75,9% dos casos por doença médica e, destas, 67% por acidente vascular cerebral.

Já no primeiro semestre de 2023, e comparando com o período homólogo de 2022, registou-se em Portugal um crescimento de 36,4% no número de órgãos transplantados. Regista-se também um aumento de 22% no número de dadores falecidos, com uma taxa de 18 dadores/pmh, segundo informação do IPST.

Que diferença pode fazer a globalização na realidade da transplantação de órgãos?

Sendo o poder da globalização e da digitalização o tema escolhido pelas autoridades para trazer à discussão neste dia em 2023, questionamos de que forma é que este efeito pode afetar a recolha de órgãos e facilitar a vida de quem necessita de um transplante.

"Estes temas parecem-nos temas pertinentes porque a digitalização permite termos a informação de uma forma sistematizada e disponível entre todos, e a globalização também se refere não só a essa partilha de informação, mas também à adoção de critérios e de regras comuns aos diferentes países que estão envolvidos nesta atividade", referiu Cristina Jorge.

Além do Programa Internacional de Doação Renal Cruzada (PIDRC), já referido anteriormente, outro exemplo da ajuda da globalização é o combate ao tráfico de órgãos. "Existem orientações europeias sobre este assunto, Portugal ratificou essas orientações do Conselho da Europa, e vários países estão alinhados no combate ao tráfico de órgãos da mesma forma, que é uma situação que deve ser criminalizada. Nós ao funcionarmos todos sobre as mesmas regras cooperamos melhor uns com os outros", sublinha a responsável.

"A globalização e a digitalização permitem também que a informação viaje mais rapidamente e sejam adotados novos medicamentos e novas maneiras de funcionar por todos ao mesmo tempo. Estamos a viver num mundo global. Outra maneira de ver as coisas é, por exemplo, os dadores que em Portugal não são aproveitados, e que noutros países já se colhem órgãos dessas pessoas, que são os dadores em paragem cardiocirculatória controlada. Há países em que o número de órgãos disponíveis para transplantação aumentou porque se passaram a aproveitar os órgãos das pessoas que estavam nas Unidades de Cuidados Intensivos sem nenhuma esperança de vida, que estavam já só dependentes das máquinas e monitores que os mantinham ‘vivos’ e sem esperança de dar a volta à situação nestes casos. As pessoas não estão realmente em morte cerebral, mas têm uma situação de fim de vida. Em Portugal, nós ainda não temos este tipo de doação em vigor. Isto implica alterações da lei e também estarmos todos de acordo".

Que inovações se podem esperar do ponto de vista científico?

No que diz respeito a inovações científicas que podem chegar nos próximos anos neste tipo de procedimentos, a responsável sublinha que estas "podem vir ou podem não vir".

Todavia, destaca que "existe a xenotransplantação, que é a transplantação a partir de órgãos animais. Nós todos vivemos o ano passado as experiências que se fizeram com um humano que recebeu um coração de um porco, e que ainda viveu cerca de mais dois meses. Mas isto ainda está tudo em desenvolvimento, ainda está tudo na fase experimental".

Já no futuro, aquilo que se avizinha é a regeneração dos órgãos e a criação de órgãos artificiais a partir das células humanas. "Isto seria espetacular, se fosse até a partir das próprias células da pessoa, com as pessoas a não terem que fazer imunossupressão. Porque para se manter os órgãos a funcionar as pessoas hoje em dia têm que tomar imunossupressão, portanto medicamentos que diminuem o seu sistema imunológico, que os predispõem a ter infeções, podendo também desenvolver cancros e ter outras complicações. Estes medicamentos têm infelizmente vários efeitos secundários. Têm, no entanto, o grande benefício de permitir recebermos um órgão e mantermos esse órgão. Isto é o benefício versus o risco. E o ideal era que nós conseguíssemos fazer transplantes sem esse tipo de medicação. Seria maravilhoso, mas ainda não estamos lá", aponta.

Acrescenta ainda que também há outros avanços tecnológicos como o uso de máquinas de perfusão. "Neste momento, para a grande maioria dos órgãos, nós tiramos os órgãos à pessoa falecida e eles são mantidos em gelo. Mas é possível manter estes órgãos com uma circulação artificial, e isto vai mantendo o órgão em melhores condições e até pode ajudar a regenerar um pouco o órgão antes de ser colocado no recetor. O órgão pode melhorar as suas condições enquanto está naquela perfusão. Está demonstrado que este tipo de procedimento melhora o resultado final da transplantação, e isso é bom também. Ainda não temos isso implementado de uma forma generalizada em Portugal, ainda que já se faça em algumas unidades com alguns tipos de órgãos. Ainda não é feito em todo o mundo, mas nós também queremos ter acesso a estes métodos inovadores que parecem ser benéficos", sublinha.

O que falta em Portugal do ponto de vista da transplantação?

Para a presidente da SPT, a resposta foi perentória: "nós trabalhamos num Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não é preciso dizer muito mais. Temos estas limitações".

Acrescentou ainda: "Trabalhamos muito, com muitas equipas desfalcadas, e tentamos dar o nosso melhor em prol dos nossos doentes, mas é à custa de muito esforço".

Sobre os desafios dos doentes, referiu que estes "mantêm-se a ser seguidos nas unidades de transplante. Depois para fazerem análises e para fazerem os exames estes têm de vir sempre à unidade de transplante. Muitos destes doentes viajam longas distâncias para serem vistos em consultas. Há aqui várias coisas que poderiam melhorar do nosso ponto de vista, de forma a tornar toda esta atividade mais sustentável, mais amiga do ambiente e mais conveniente tanto para os doentes como para os profissionais de saúde que os seguem".

Termina dizendo que "há vários aspetos que podem ser melhorados, e temos que trabalhar todos neste sentido", sendo que considera que este "é um dia no qual podemos alertar para estas coisas. Nós estamos relativamente bem mas poderíamos estar muito melhor, e os nossos doentes merecem isso, e os nossos profissionais de saúde também".