O professor no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa referiu, em declarações à Lusa, que as áreas periféricas “estão muitas vezes concentradas longe dos recursos urbanos”, em que “os indicadores sociais revelam situações de desvantagem”.

Com o diagnóstico feito às áreas periféricas, Jorge Malheiros recordou que são locais onde há “níveis de rendimentos mais baixos, taxas de desemprego maiores e insucesso escolar”, em relação aos centros urbanos, devendo ser prioritários do “ponto de vista da intervenção”.

Jorge Malheiros também defendeu o papel de alguns programas sociais, que têm tido um trabalho essencial junto de bairros sociais e de bairros degradados.

“Há exemplos de vários programas interessantes, como o programa Escolhas e o programa BIP/ZIP, Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária, para área de Lisboa”, contou, lamentando a interrupção dos projetos, como o dos Bairros Críticos, que tinha uma intervenção socioterritorial participada com as populações.

A iniciativa Bairros Críticos foi apresentada durante o Governo liderado por José Sócrates, tendo sido desenvolvida experimentalmente em três bairros lisboetas.

O investigador de Geografia Humana adiantou também que existe ainda falta de mediação por parte das câmaras, através de assistentes sociais, das escolas, dos centros de saúde, dos técnicos autárquicos, da polícia e dos cidadãos.

“A relação entre estes grupos e os cidadãos muitas vezes tem défice de mediação. E, portanto, o diálogo e a proximidade tornam-se deficitários. E como não há esta mediação, a hipótese de conflito aumenta”, disse, recordando que em alguns destes espaços "há problemas de tráfico de droga e isso acentua os problemas existentes”.

Jorge Malheiros garantiu que “os problemas de conflito muitas vezes estão associados a um segmento muito particular, à população jovem".

"Toda esta questão tem a ver com os grupos de jovens, de grupos pares, no bairro, da sua afirmação”, contou o investigador, que culpou o “desinvestimento de certos projetos” para o foco de tensão.

O docente revelou ainda que as pessoas que vivem em bairros, considerados problemáticos, sentem-se defraudadas com certos fatores, como a interrupção dos projetos, que prometiam a requalificação das zonas e a criação de emprego.

As pessoas “sentem-se muitas vezes desapontadas com estes processos e isso leva-as à insatisfação e à revolta”, explicou.

Em relação aos acontecimentos da última semana na região da Grande Lisboa e de Setúbal, devido às acusações racistas, Jorge Malheiros afirmou que o racismo em Portugal é uma realidade e que a sociedade tem de ter consciência disso.

“A população negra, e nalguns casos a população brasileira, é tratada de forma desigual com desvantagem à população branca”, referiu, considerando que há racismo em diversas esferas sociais.

“Na habitação, na justiça e no emprego há vários sintomas de racismo”, contou o investigador de Geografia Humana.

De acordo com Jorge Malheiros, “o problema fundamental é de caráter social e de desvantagem social”, havendo “uma questão racial, sobretudo nos bairros dentro da área metropolitana de Lisboa”.

Sobre a atuação da polícia no Bairro da Jamaica em Setúbal, no sábado passado, o investigador lembrou que “não se pode dizer que há uma polícia racista”, mas considerou que há várias evidências em certas práticas das autoridades.

Por fim, Jorge Malheiros evocou a necessidade de adquirir mais informação para compreender melhor o fenómeno do racismo e haver políticas efetivas de combate à discriminação racial, defendendo uma educação intercultural.

“É essencial para que saibamos melhor o nível de discriminação a que determinados grupos estão sujeitos”, concluiu.