A 24 horas da abertura dos portões para a 44.ª edição do evento, a azáfama de furgonetas e outros veículos de carga, assim como de dezenas de militantes e funcionários do PCP, é grande, entre pinturas, retoques, colocação de cadeiras e instalação das diversas infraestruturas, com vista panorâmica para Lisboa, na baía do Seixal.

Cá fora, pelas ruas da Amora, a esmagadora maioria dos comerciantes e moradores defendem o cancelamento do certame este ano, por causa da covid-19, mas recusaram gravar depoimentos, queixando-se de estarem fartos da atenção mediática dos últimos dias.

Um cartaz crítico para com a festa, colocado pela Juventude Popular, organização juvenil do CDS-PP, a cerca de 200 metros do recinto comunista, estava hoje vandalizado e a mensagem original ficou impercetível.

“É um hábito vir ajudar a construir a festa. Agora, nesta fase final, estamos a colocar as cadeiras para garantir a distância necessária. Vai ser uma festa diferente do habitual, mas que vai poder afirmar que é possível continuar a vida, garantindo as medidas de saúde pública. Claro que preferíamos os moldes habituais, mas temos de cumprir todas as medidas de segurança. Pela sua importância, pelo convívio, vai ser uma festa muito positiva até para a afirmação da democracia”, disse o deputado Duarte Alves.

O deputado do PCP trocou o casaco e calças mais formais de São Bento por um polo de manga curta e calções, ajudando os restantes “camaradas” nas medições para a colocação de cadeiras no maior palco do recinto – o 25 de Abril -, um espaço de 16 mil m2 para plateias animadas e saltitantes, na ordem das 20 mil pessoas, mas agora limitado a 2.000 cadeiras, com metro e meio de distância.

Mais em baixo, junto ao estuário do rio Tejo, o palco 1.º de Maio já tem as suas 600 cadeiras colocadas, numa área de cinco mil m2.

“Vou-me divertir, com conta, peso e medida, com as devidas cautelas”, disse Rui Aldeano, de 37 anos e que colabora e desfruta do evento desde 2002, de tronco nu e calções, em cima de um escadote, mas de máscara colocada, a instalar um projetor de luz, numa das barracas.

O atual técnico de higiene e segurança, mas com 20 anos de experiência como eletricista, considera que “vai ser uma festa diferente”, sem noção do “número de pessoas que vêm ou não vêm, pode ser uma surpresa...”

“Vai ser um grito de confiança e de esperança de que é possível viver com esta pandemia, tendo os devidos cuidados, e, já agora, lutar por direitos e melhoria das condições de vida, por exemplo, os salários”, afirmou.

Os trabalhos decorrem ao som de cantautores como Zeca Afonso, reproduzidos pela instalação sonora das quintas da Atalaia e do Cabo da Marinha - um total de 30 campos de futebol, comprados pelo PCP ao longo dos anos através de campanhas de angariação de fundos -, enquanto vários mariscadores recolhem bivalves das areias lamacentas, aproveitando a maré baixa, sob sol abrasador.

De volta ao palco principal, Cândida Vinagre, 49 anos e assistente operacional e ex-auxiliar da ação educativa, ajuda também na medição dos corredores de circulação. Em todo o recinto, feitas as contas, há 18 metros quadrados disponíveis para cada pessoa.

“Por norma, a organização é um ponto de honra para nós militantes do PCP. Os visitantes também referem sempre isso. Este ano, com as normas da Direção-Geral da Saúde, acima das normas dos outros espetáculos, iremos respeitá-las e cá estamos a cumprir mais uma tarefa”, disse.

A Festa do “Avante!”, inspirada pelo modelo comunista francês também relacionado com o então jornal oficial do partido (L’Humanité), acontece desde 1976, tendo ocupado diversos espaços na região de Lisboa: antiga Feira Internacional de Lisboa, Vale do Jamor, Alto da Ajuda, Loures e, finalmente, Seixal, onde se realiza desde 1990.

Só em 1987, devido a desentendimentos com o presidente da autarquia lisboeta, o democrata-cristão Kruz Abecassis, e com o Governo minoritário do social-democrata Cavaco Silva, o certame não foi “Avante!” – algo classificado pelos comunistas como uma “decisão reacionária do Governo PSD" em conluio com o então edil da capital.

A História repetiu-se nas últimas semanas, com os responsáveis do PCP a queixarem-se de uma “campanha reacionária” contra o seu evento, face às críticas de PSD, CDS-PP, Chega, entre outros, bem como personalidades públicas, por causa da realização da festa no contexto da pandemia da covid-19.

Por: Hugo P. Godinho da agência Lusa