“Quando o Supremo Tribunal decidir, quem ganhar eleições ganha e governa a Guiné-Bissau. Não é os militares usurparem o poder nesta altura e fazerem aquilo que quiserem. Não podemos aceitar isso, não estamos num regime de ditadura. Queremos democracia e queremos o bem pelo nosso país”, afirmou à Lusa o guineense Gervásio Martins, de 44 anos, que vive em Portugal há 27 anos.
Cantando em crioulo pela união do país, duas centenas de guineenses percorreram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, desde a rotunda do Marquês de Pombal até ao Rossio, erguendo cartazes com frases como “Viva Guiné-Bissau — Paz, Paz, Paz”, “Justiça, Liberdade” e “Abaixo golpistas Sissoko e companhia”.
Assumindo a organização da Marcha para a Guiné-Bissau – Paz, Unidade, Reconciliação Nacional, Democracia e Liberdade, que foi promovida na rede social Facebook pela página “Marcha Bissau”, Elizabeth Spencer Embaló disse à Lusa que sentiu “o dever e a obrigação, como guineense, de fazer alguma coisa” pelo país, manifestando-se contra o “golpe de Estado”, em que “os militares invadiram as instituições da Guiné”.
Segundo a organização, a marcha contou com cerca de 200 participantes, um número confirmado pela Lusa no local.
Rejeitando associar a marcha a grupos partidários, apesar de muitas pessoas se identificarem como apoiantes de Domingos Simões Pereira, candidato do Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) às eleições presidenciais de 2019, a responsável pela organização do protesto em Lisboa referiu que a ideia foi juntar a comunidade guineense “pela legalidade do país”.
“Esta marcha tem o objetivo de fazer com que as instituições internacionais não larguem a Guiné, para se levantarem, para nos apoiarem, porque não podemos continuar na ditadura, estamos no século XXI”, afirmou Elizabeth Spencer Embaló, esperando que a comunidade internacional, nomeadamente a Organização das Nações Unidas (ONU), atue “o mais rapidamente possível” em defesa da democracia na Guiné-Bissau.
Considerando que a Guiné-Bissau está “a viver uma situação difícil”, Gervásio Martins decidiu juntar-se à marcha em Lisboa, acompanhado dos filhos, para lutar pela democracia no país, defendendo que se deve distanciar o poder legislativo do poder presidencial.
“Na Guiné-Bissau, o Presidente da República não é executivo, quem governa é o Governo”, indicou o guineense, contestando a atuação do autoproclamado Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, que demitiu o Governo, liderado por Aristides Gomes.
“É ditadura e os militares apropriaram-se de todos os serviços do Estado”, lamentou Gervásio Martins, reforçando que é preciso deixar o Supremo Tribunal de Justiça decidir quem ganhou as eleições presidenciais de 2019.
Com a esperança de “voltar um dia” a viver na Guiné-Bissau, o guineense contou que para isso é necessário existir “paz e sossego”, que permita o desenvolvimento do país.
“A maior parte dos guineenses, quando o Domingos ganhou eleições, houve muita gente que decidiu voltar. Só que voltar e, depois, houve a demissão do Governo, as pessoas começaram, outra vez, a voltar para Portugal”, revelou Gervásio Martins, acrescentando que o problema da Guiné é a instabilidade política.
A viver em Portugal há 19 anos, a guineense Elsa Costa, de 47 anos, classificou como “muito preocupante” o que se vive na Guiné-Bissau, frisando que “não se admite, em pleno século XXI, ainda existir golpe de Estado”.
Apelando à “paz e tranquilidade para todos e que vença a democracia”, Elsa Costa, que nunca mais regressou ao país natal, mas pretende um dia voltar a viver na Guiné, integrou a marcha em Lisboa para lançar “um grito de socorro” pela democracia e pelo fim da crise política.
A Guiné-Bissau vive mais um momento de tensão política, depois de Umaro Sissoco Embaló, do Movimento para a Alternância Democrática (Madem G-15) e dado como vencedor das eleições presidenciais do país pela Comissão Nacional de Eleições, ter tomado posse há uma semana como Presidente do país, quando ainda decorre um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, apresentado pela candidatura de Domingos Simões Pereira, do Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), que alega graves irregularidades no processo.
Na sequência da tomada de posse, Umaro Sissoco Embaló demitiu Aristides Gomes, que lidera o Governo que saiu das legislativas e que tem a maioria no parlamento do país, e nomeou Nuno Nabian para o cargo.
Após estas decisões, os militares guineenses ocuparam e encerraram as instituições do Estado guineense, impedindo Aristides Gomes e o seu Governo de continuar em funções.
O presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, que tinha tomado posse como Presidente interino, com base no artigo da Constituição que prevê que a segunda figura do Estado tome posse em caso de vacatura na chefia do Estado, renunciou no domingo ao cargo por razões de segurança, referindo que recebeu ameaças de morte.
Umaro Sissoco Embaló afirmou que não há nenhum golpe de Estado em curso no país e que não foi imposta nenhuma restrição aos direitos e liberdades dos cidadãos.
Mediadora da crise guineense, a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) voltou a ameaçar impor sanções a quem atente contra a ordem constitucional estabelecida na Guiné-Bissau e acusou os militares de se imiscuírem nos assuntos políticos.
As Nações Unidas, a União Europeia e a Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) apelaram ao diálogo e à resolução da crise política com base no cumprimento das leis e da Constituição do país.
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