“Estamos à frente da presidência da Câmara de Almada porque a nossa intenção não é sensibilizar pessoas. Viemos para o sítio onde se tomam as decisões relativas às políticas públicas”, disse à Lusa o ator Henrique Frazão, que organizou a vigília no concelho e defende que a cultura “devia ser encarada como um bem essencial”.

Pelas 11:00, encontravam-se quatro profissionais em frente ao município, que, tal como noutros concelhos do país, questionavam através de cartazes: “E se tivéssemos ficado sem cultura?”.

“Percebemos que muitos dos problemas de hoje em dia, incluindo a emergência climática, a forma como as pessoas estão completamente alienadas da realidade, dos valores, da ética, tudo isso tem raízes e uma delas é a falta de cultura e a falta de apoio a essa cultura”, apontou Henrique Frazão.

Segundo o ator, este movimento está hoje a acontecer noutras 15 cidades portuguesas, com o objetivo que se tomem “decisões estruturais”, porque a precariedade que se vive nesta área “não permite a sobrevivência apenas com remendos”.

“A precariedade dos artistas e da cultura em geral no nosso país é evidente e sempre se foi agudizando. Não é uma questão pontual, é uma questão estrutural e este vírus meteu a nu precisamente essas lacunas de apoio tanto ao nível das autarquias, como da estratégia pública que existe”, referiu.

Mesmo ao lado, mas com máscara e com a distância que se exige, a atriz Ana Sampaio alertou para as dificuldades que vários colegas passaram durante o estado de emergência, devido à pandemia da covid-19.

“Esta área já é um bocadinho mais restrita e não tem tanta saída, mas tem sido doloroso ver colegas meus a procurarem trabalho em supermercados e ‘call centers’, porque de facto não há resposta para nada e precisam de pagar as contas, muitos têm filhos”, relatou.

Também o ator de teatro César Melo indicou que tem colegas que trabalham há anos nesta área, mas que “agora ficaram sem nada, sem projetos e iniciativas, e não têm qualquer tipo de sustento”.

“Nós não queremos nada a mais do que os outros, não queremos regalias diferentes dos outros, só queremos que percebam que estamos numa situação precária e que queremos ser ouvidos”, frisou.

Nesta concentração esteve também o presidente da Associação Gandaia, Jorge Torres, que criticou a Câmara de Almada por “não fazer nada pela cultura nestes tempos”.

“Há uma ausência da câmara, não responde e parece que desapareceu. Ainda ontem [quarta-feira] houve uma reunião de 25 associações e todos estamos na mesma situação: a câmara não responde”, lamentou.

Segundo o responsável, há vários espetáculos que este ano a autarquia não vai poder realizar, poupando “centenas de milhares de euros”, mas até agora não existe qualquer apoio para as associações culturais.

Em 07 de maio, a Câmara de Almada aprovou “a manutenção de todos os contratos, protocolos e apoios de âmbito cultural, desportivo e familiar, no valor de 800 mil euros”.

Além disso, em comunicado, adiantou que já está a decorrer a 1.ª fase de candidaturas aos apoios no âmbito do Regulamento Municipal ao Movimento Associativo “que totalizam, até ao final de 2020, 600 mil euros, ao qual acrescem os 200 mil euros previstos como medida complementar”.

No entanto, Jorge Torres criticou o município que faz “afirmações públicas, mas depois não acontece nada”.

“É por causa disso que estou aqui. Não estamos à espera de mais, esperamos é tão simplesmente o que sempre aconteceu”, disse.

Além de Almada, também estão a ocorrer vigílias semelhantes em Lisboa, Funchal, Faro, Caldas da Rainha, Setúbal, Almada, Porto, Aveiro, Évora, Vila do Conde, Coimbra e Santa Maria da Feira.

Segundo a organização, o objetivo é mostrar que os trabalhadores das artes “continuam a existir” apesar de os espaços culturais estarem encerrados e com a programação suspensa desde meados de março.