“A vantagem de Timor-Leste é que o país tem uma população pequena, e é possível responder de imediato. Mas estamos perante uma situação de tempestade perfeita, com todo o contexto, e os riscos são elevados”, disse à Lusa a chefe da missão do Programa Alimentar Mundial (PAM) em Díli, Cecília Garzon.
“Mas já estamos até com algum atraso na implementação. Se é para avançar e encomendarmos comida agora, só chegará em dezembro. O custo não é particularmente elevado. Mas temos que agir agora. Temos um plano que vamos apresentar ao Governo. Se não atuarem, já poderemos ter problemas graves nos próximos meses”, vincou Garzon.
O PAM nota que o impacto do El Niño já se começou a fazer sentir, com os efeitos a prolongarem-se até ao início de 2024, o que pode levar a que se somem mais 100 mil pessoas às mais de 260 mil já com insegurança alimentar em Timor-Leste.
Além dos efeitos com o El Niño, a organização nota os impactos adicionais da crise na rede de distribuição global de alimentos e medidas como a decisão da Índia de restringir as exportações de arroz.
Uma situação complicada para Timor-Leste, que importa cerca de 60% de todos os alimentos que o país consome, e que pode ficar assim com dificuldades no acesso aos mercados ou custos mais elevados, especialmente problemáticos quando as famílias já enfrentam inflação elevada.
O PAM refere que no país, e mesmo sem contabilizar estes efeitos adicionais, o preço de um cabaz alimentar nutritivo para uma família era de cerca de 170 dólares (161 euros) por mês em 2019, sendo este ano de quase 300 dólares (284 euros).
No caso do arroz, um dos principais elementos da dieta timorense, os preços mundiais atingiram valores recorde este ano, com um aumento de mais de 16% no custo do arroz importado por Timor-Leste.
“Os preços mais altos do arroz colocam pressão adicional sobre as famílias pobres e vulneráveis, deixando pouco espaço para outros bens alimentares e bens de primeira necessidade, aprofundando a insegurança alimentar e a pobreza”, explicou um alerta do PAM.
Em fevereiro, a organização estimou que 300 mil timorenses, 22% da população, enfrentavam insegurança alimentar grave e requeriam assistência urgente e mais de 13 mil estavam numa situação de emergência que requer ação imediata.
Entre os principais fatores responsáveis pela situação, destacam-se “os elevados preços dos alimentos, a redução do poder de compra e os impactos persistentes da pandemia covid-19, bem como as inundações de 2021 e 2022”.
O estudo refere que Timor-Leste ocupa o 16.º lugar no Índice de Risco Mundial, que indica a exposição severa, vulnerabilidade e suscetibilidade do país aos choques (como desastres naturais, alterações climáticas ou outros), bem como a falta de capacidade instalada para lidar com essa situação.
Uma situação que se deve tanto a problemas estruturais e crónicos, como ao impacto de desastres naturais no país que agravou a situação para muitas famílias.
O PAM está atualmente a fazer uma atualização da Classificação Integrada da Segurança Alimentar referente a Timor-Leste, mas considera que é essencial perceber a situação real no país e identificar as famílias em maior risco.
“Estamos perante um agravamento da disponibilidade de alimentos e de agravamento dos seus preços. E a população mais vulnerável não consegue pagar produtos mais caros”, disse Cecília Garzon.
A dirigente recorda que Timor-Leste não tem sequer reservas alimentares e que mesmo os acordos atualmente existentes com países como o Vietname ou Camboja, para fornecimento de arroz, por exemplo, podem ser afetados se houver carências nesses países.
A responsável nota que o PAM tem experiência e capacidade para apoiar o Governo na definição da estratégia e implementação de medidas para responder ao problema, mas relembra que atrasos podem condicionar essa capacidade de resposta.
Importa, notou Garzon, definir os cenários claros de quantos timorenses é preciso apoiar, e o custo desse apoio alimentar, bem como definir as zonas mais urgentes, usando, por exemplo, a experiência da resposta ao El Niño em 2016.
“Cabe ao Governo decidir como vai responder, que tipo de apoio vai dar, trabalhar com o setor privado no que toca ao stock de alimentos e olhar bem para a capacidade de implementação do Estado”, referiu a dirigente.
Isso inclui, notou Garzon, aspetos como a preparação de armazéns, a forma como são geridos e como os stocks são preservados, e depois a rede de transporte e distribuição, usando, por exemplo, a rede municipal que o PAM já desenvolveu.
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