“O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, situação familiar, situação económica [...], devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.”
Começa assim o artigo 24.º do Código do Trabalho. Versa sobre a igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, precisamente a área de atuação da CITE, Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, desde 1979.
Os dados recolhidos por este organismo público, todavia, mostram que ainda há muito a fazer para que a legislação seja cumprida em pleno nos artigos que se debruçam sobre a desigualdade e a discriminação.
Até 30 de setembro do ano passado deram entrada 58 queixas na CITE. Uma grande diminuição, se olharmos para os anos anteriores. É que em 2014 esse número chegou às 210 queixas e em 2015 ainda andava nas 159. Surge, então, a pergunta: de que se queixam os portugueses e portuguesas?
Os números a que o SAPO24 teve acesso mostram que a larga maioria das queixas remetidas à CITE falam da conciliação da vida profissional com a privada, sobretudo no que toca à flexibilidade dos empregadores.
Em segundo lugar surgem as queixas relacionadas com a igualdade e não discriminação em função do sexo (79). É aqui que se inclui o assédio sexual (duas queixas nos últimos dois anos) e o assédio moral (17 queixas entre 2014 e 30 de setembro do ano passado). Porém, a maior fatia das queixas ligadas à igualdade e não discriminação em função do sexo tem por base as condições de trabalho, tendo sido registadas 52 denúncias no período em análise.
Mas o facto de as mulheres serem a maioria entre a população desempregada com habilitações académicas de nível superior é prova das "grandes dificuldades" que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho. Mais ainda, mantém-se uma "acentuada discrepância" na partilha entre homens e mulheres do trabalho doméstico: é que, apesar de trabalharem maioritariamente a tempo inteiro, continuam a assegurar as outras tarefas não remuneradas, denuncia Joana Gíria.
As mulheres acabam pois, por ser quem "mais condiciona o seu horário de trabalho diário, a sua atividade profissional e a sua carreira por razões familiares", salientou a responsável. Isto leva a que sejam as mulheres quem mais recorre às medidas de conciliação entre a vida profissional e familiar.
Joana Gíria acrescenta ainda que, independentemente do número de contratos de trabalho precários celebrados com homens ou com mulheres, a CITE sabe que "a não renovação de contratos a termo celebrados com mulheres é mais frequente e, não parcas as vezes, o motivo ficará a dever-se ao exercício dos direitos da parentalidade pelas mães trabalhadoras".
Já no que toca às desigualdades salariais, apenas três pessoas fizeram queixa nos últimos dois anos, o que contrasta com as estatísticas que dizem que as mulheres portuguesas ganham, em média, menos 16,7% que os homens. Por outras palavras: são menos 61 dias de trabalho remunerado por ano.
“Podemos aferir, de modo ilustrativo, que o que sucede no nosso país é que a partir de 1 de novembro as mulheres deixam de ser remuneradas pelo seu trabalho, enquanto os homens continuam a receber o seu salário até ao final do ano”, explica Joana Rabaça Gíria, presidente da CITE, ao SAPO24.
Todavia, os números do Eurostat parecem colocar Portugal numa situação diferente. Os dados disponibilizados pelo órgão de estatísticas da União Europeia colocavam Portugal, em 2014, no grupo de países com valores de desigualdade inferiores à média da União Europeia a 28. Se em Portugal a diferença entre aquilo que ganham os homens e mulheres é de 14,9%, a média europeia vai até aos 16,9%. Porquê a discrepância?
Joana Gíria explica: “a diferença percentual, face aos valores nacionais que são apurados a partir dos Quadros de Pessoal, justifica-se pela utilização de distinta metodologia quer na recolha quer no tratamento dos dados, pois para o Eurostat são apenas tidas em consideração empresas com 10 ou mais empregados/as e o cálculo é baseado na diferença entre a remuneração horária média bruta dos homens e das mulheres como uma percentagem da remuneração horária média bruta dos homens.”
Mas há mais: "O diferencial salarial é proporcional aos níveis de qualificação", ou seja, "quanto mais elevado o nível de qualificação, maior o diferencial salarial, sendo especialmente elevado entre os quadros superiores".
"Embora, em Portugal as mulheres detenham, na atualidade, mais qualificações (licenciatura, mestrado, doutoramento) e, consequentemente, a qualificação adequada para o exercício de cargos de chefia e de topo, continuam a ser os homens a ocupar predominantemente tais cargos", conta a presidente do CITE.
"Em Portugal há mais mulheres licenciadas, mestrandas e doutorandas do que homens em igualdade de circunstâncias. Está na hora de não desperdiçar capital humano e escolher pelo mérito e é tempo de o mundo do trabalho espelhar a realidade social", defendeu.
"A opção pelos pares, em detrimento das mulheres", diz Joana Gíria, "corresponde em muito à inadequada e teimosa persistência do estereótipo socialmente enraizado: mulher/cuidadora da família vs. homem/provedor do agregado familiar".
O relatório do organismo público mostrava, em 2014, que não havia mulheres a liderar as 17 maiores empresas em Portugal. Todavia, mesmo quando chegam a cargos de topo, a maior parte das mulheres entende ser sua a responsabilidade das tarefas domésticas e familiares, nota Joana Gíria à Lusa.
A verdade é que as mulheres em Portugal (e um pouco por todo o mundo) continuam a receber, em média, menos que homens. Se há quem, como o eurodeputado polaco Janusz Korwin-Mikke, ache que as mulheres devem ganhar menos que os homens pois são “mais fracas, mais pequenas e menos inteligentes”, a lei portuguesa não faz qualquer distinção entre sexos no valor dos salários.
“Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter qualquer discriminação fundada no sexo.”, pode ler-se no número 1 do artigo 31.º do Código do Trabalho.
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