Os principais candidatos nas eleições presidenciais da Guiné-Bissau terminaram ao final da tarde desta sexta-feira a campanha para a primeira volta (no domingo), com comícios na capital.

O atual Presidente e recandidato ao cargo (José Mário Vaz), o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC, Domingos Simões Pereira), o candidato do Movimento para a Alternância Democrática (Umaro Sissoco Embaló), o candidato da Aliança Povo Unido (APU, Nuno Nabian) e o ex-primeiro ministro Carlos Gomes Júnior realizam comícios de encerramento que vão trazer milhares de apoiantes à capital do país.

A campanha foi marcada pela nomeação, por parte do Presidente, de um novo Governo, que foi recusado pela comunidade internacional, o que exigiu a José Mário Vaz que se limitasse a uma gestão mais limitada.

A Comunidade Económica dos Estados de África Ocidental (CEDEAO) ordenou o reforço das forças internacionais destacadas num país que tem sido palco de grande instabilidade política nos últimos anos.

Mais de 760 mil eleitores escolhem no domingo o próximo Presidente entre 12 candidatos. No país estão 23 observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), 54 da União Africana, 60 da CEDEAO e 47 dos Estados Unidos da América.

A instabilidade no país e a campanha com dedos apontados à "radicalização"

A Guiné-Bissau voltou a viver um clima de tensão política no final de outubro após o Presidente José Mário Vaz ter demitido o Governo de Aristides Gomes, saído das legislativas de 10 de março, e nomeado um outro liderado por Faustino Imbali.

Grande parte da comunidade internacional opôs-se a estas decisões e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) exigiu a demissão de Imbali, sob pena de impor "pesadas sanções" aos responsáveis pela instabilidade política.

Também o Conselho de Segurança das Nações Unidas ameaçou com novas sanções “todos aqueles que minem a estabilidade” na Guiné-Bissau e apelou à “conduta ordenada” dos atores políticos”.

Neste sentido, um dos temas que tem vindo a ser discutido é a radicalização islâmica que alguns defendem fazer-se sentir no país. E tudo porque o candidato do Movimento para a Alternância Democrática (Madem G15), Umaro Sissoco Embalo, tem sido acusado de promover o radicalismo islâmico ao ter adotado como ‘imagem de marca’ o lenço muçulmano que usa sempre na cabeça e que já é usado também pelos seus apoiantes.

Contudo, numa entrevista à Lusa, o candidato recusou qualquer ligação ao fundamentalismo islâmico, justificando que usa o lenço porque gosta e para se proteger do sol e que começou a usá-lo quando trabalhou no deserto com o líder histórico líbio, Muammar Kadhafi.

Mesmo assim, as vozes fazem-se ouvir. O jornalista e poeta guineense Toni Tcheka (pseudónimo de António Soares Lopes Júnior, antigo diretor da Rádio Nacional da Guiné-Bissau) começou por alertar para a tendência “perigosíssima” de “radicalização islâmica e utilização da religião em proveito próprio”, que “deve ser encarada como uma ameaça à nação” durante a campanha eleitoral na Guiné-Bissau.

“A campanha está a mostrar-se destrutiva por parte de alguns candidatos que, na falência de ideias e de um projeto para a Guiné-Bissau, entram no populismo barato para agradar a certos setores que os financiam para fazer valer as suas ideias”, disse também à Lusa o analista político guineense João Conduto.

“É uma situação nova, com muita coisa para lá das eleições para ser encarada como uma ameaça à nação que se quer construir”, reforçou Toni Tcheka.

Num país empobrecido, já mais de 70% da população afetada pela pobreza forte, “há pessoas que, não se sabe como, nem de onde, não trabalharam ou herdaram heranças, nem ganharam nenhuma lotaria, aparecem com imenso dinheiro para esbanjar nestas eleições, chegando ao limite de comprarem cartões eleitorais de pessoas muito pobres", acusou o jornalista.

Tcheka aponta o dedo a “um grupo de políticos devidamente identificados, que tem estado a utilizar como arma para interesses próprios a religião e a diversidade étnica”.

“Há uma deriva enorme, muito por uma certa influência do radicalismo islâmico. Um dos candidatos, pela sua linguagem, pela sua forma de estar e de se apresentar, tem conotações visíveis com o que se passa em certas correntes do radicalismo islâmico que afeta a África Ocidental”, acusou.

Também João Conduto sublinha que a “Guiné-Bissau é um país laico e é preocupante que, de entre o conjunto de candidatos que professam o Islão, surja um que se apresenta de uma forma completamente estranha àquela com que os guineenses estão na vida”.

“Existe essa deriva, esse aproveitamento momentâneo de políticos que considero medíocres. Quem almeja um futuro harmonioso para a Guiné-Bissau nunca deveria recorrer ao discurso étnico ou religioso”, diz Conduto.

A Guiné-Bissau é um país pequeno com mais de trinta etnias. João Conduto diz que “deve ser o país do mundo com a maior concentração de etnias por quilómetro quadrado”.

E isto, segundo o analista, resulta numa “boa notícia”: “somos um povo muito miscigenado. A miscigenação étnica é, desde logo, uma espécie de vacina contra esse tipo de derivas, que aparecem sempre que há eleições”.

Toni Tcheka sublinha também a qualidade do sincretismo religioso na Guiné-Bissau, considerando o “mosaico multifacetado etnolinguístico e religioso guineense” como “uma ferramenta, um bem, que a Guiné-Bissau durante muitos anos capitalizou e utilizou para levar por diante o processo de país mais capaz, ao serviço dos seus filhos”, mas diz que há hoje uma realidade diferente.

De acordo com o jornalista, “há um fluxo de gente oriunda do Mali, da Nigéria, da Guiné Conacri e do próprio Senegal que traz essa nova forma de apresentar e interpretar o islão. São conhecidos, chegam a Bissau com uma capacidade financeira única, e acabam por, não só comprar propriedades, como bairros inteiros onde instalam aqueles que lhes vão prestar vassalagem”.

Tcheka assinala que “num estado fraco, debilitado, com problemas de tráfico de droga – ainda que não seja um narco-estado, como muitos dizem –, a Guiné-Bissau é um entreposto de droga que chega de fora e é depois canalizada para a Europa e para os Estados Unidos”.

“E hoje está provado através de muitos estudos publicados que há uma relação grande entre o radicalismo islâmico e o narcotráfico, a que podemos acrescentar o tráfico de armas. Acabam por conseguir transformar países debilitados, como a Guiné-Bissau, em enormes estâncias de lavagem de dinheiro”.

"A Guiné-Bissau, em termos de Estado, caiu imenso nos últimos anos. Perdeu capacidades que já tinha criado, alguns alicerces, e isto veio ajudar a penetração e a movimentação impune dessa gente, que se relaciona com elementos oportunistas locais que querem ter o poder nas mãos”, acabando esta “simbiose” por resultar numa “ameaça muito preocupante”.

Há quem defenda que não se chegou ao nível da radicalização

Por outro lado, o analista Miguel de Barros considerou que o debate político na campanha para as presidenciais de domingo na Guiné-Bissau não chegou ao nível de radicalização porque os guineenses “reagem de uma forma muito enérgica” contra esse tipo de práticas.

“Creio que o debate político não chegou ao nível de radicalização ao ponto de exacerbar essas características porque os candidatos se aperceberam de que quem explora essa dimensão cai no risco de perder a simpatia do eleitorado”, disse, considerando que o fundamentalismo “toca numa dimensão extremamente sensível”.

Em declarações à agência Lusa, o sociólogo referiu que, mais do que falar em fundamentalismo, alguns candidatos tentaram ir pela via do “populismo étnico-religioso”, mas os que o fizeram “foram perdendo votos”.

Num país onde a maior fatia da população é composta por jovens, estes estão “cada vez mais preparados para desmontar o discurso populista” e têm uma “aversão àquilo que são elementos que podem pôr em causa a unidade nacional”, considerou Miguel de Barros.

“Creio que os candidatos também fizeram essa leitura e não exacerbaram isso, embora todos os candidatos tentem evidenciar um elemento simbólico que utilizam enquanto imagem que projetam nos cartazes ou na forma como aparecem nos comícios, mas do ponto de vista da retórica eleitoral têm evitado ter esse tipo de pronunciamento”, disse o analista guineense.