É nos semáforos, passeios ou postos de combustível do centro da capital angolana que estes menores, alguns com poucos anos e já entregues a si próprios, marcam presença, pedindo ajuda para o sustento.
Há dois anos fora do convívio familiar, Júnior Adriano, de 13 anos, conta que fugiu de casa, no município de Viana, arredores de Luanda, temendo represálias, após ter levado o dinheiro da mãe.
"Aqui na rua sobrevivemos graças a esmolas que pedimos e compramos algo para comer. Há pessoas que passam e nos oferecem roupas, cadernos", explica, em conversa com a Lusa.
Longe de casa, o pequeno Júnior Adriano tem memória dos membros que compõem a família, embora já não se recorde há quanto tempo os viu pela última vez: "Que Deus lhes ajude, à minha mãe e aos meus irmãos", desabafa.
O desejo de regressar ao convívio da família, sobretudo da mãe, é manifestado, sem rodeios, por José Alcides Manuel, de apenas 11 anos, que diz ter fugido de casa por não suportar o sofrimento da sua progenitora, na província angolana da Lunda Norte.
"Prefiro passar o Natal aqui na rua. Lá [Lunda Norte] tem muito sofrimento, aqui na rua também, não estou a aguentar", lamenta.
Distante de casa há mais de dois anos, e hoje sem conseguir explicar como chegou a Luanda, José Alcides Manuel conta como é vivido o Natal na rua, onde o aconchego é o capim ou o papelão, junto dos seus companheiros.
"Às vezes aparecem pessoas que veem buscar-nos para passeios em parques infantis e outros locais de diversão, dormimos aqui no capim, e ainda esperamos pelos irmãos da Igreja para um passeio", conta, envergonhado.
Natal sem consoada, mas com amigos
Comer é a tarefa do dia mais complicada, dependendo das moedas que recebe durante o dia: "Apanhamos comida no lixo, aquecemos e comemos. A nossa vida aqui é difícil, estamos a sofrer".
Situação semelhante enfrenta João Betinho, que desde os 10 anos tem na rua o seu abrigo, um percurso diário que faz longe do seu pai, residente na província angolana de Benguela, após ter chegado a Luanda com uma tia, que o abandonou em 2014.
"Fiquei perdido e estou aqui na rua à procura de ajuda para regressar à casa do meu pai, porque sou órfão de mãe", explica.
Agora com 13 anos, conhece apenas o Natal que é vivido na rua junto dos amigos, apesar de ainda receber brinquedos e comida de pessoas solidárias.
"Não me lembro de alguma vez ter passado um Natal em família, só mesmo na rua com os meus amigos", desabafa.
Apesar de existirem lares ou centros de acolhimento de menores em situação de risco, em situação de sobrelotação, centenas de crianças continuam a passar o dia nas ruas da capital angolana, estacionando viaturas ou engraxando sapatos, sem qualquer tipo de retaguarda.
Um desses lares é o Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen, em Luanda, que recebe atualmente 90 menores, abandonadas, órfãs e outras acusadas de feiticeiras, que ali encontram um ambiente familiar em que não falta o espírito de Natal, apesar das dificuldades financeiras.
O cenário foi descrito à agência Lusa pelo diretor-geral da instituição, João Facatino, entre os preparativos para o Natal e a habitual ronda diária que a equipa móvel realiza pelas ruas da capital angolana, com o propósito de acudir às centenas de crianças sem apoio.
"É uma equipa que vai ao encontro dos locais com acompanhamento direto, em termos de assistência médica, ajudas a partir da rua. Nesse sentido, o trabalho tem corrido bem e essa parceira tem sido bastante positiva", explicou o responsável, aludindo à parceria com a União Europeia, que tem permitido manter este apoio.
Mesmo com dificuldades, há sempre Natal
Localizado no bairro do Palanca, arredores da cidade de Luanda, o centro de acolhimento funciona há 24 anos, albergando atualmente 90 crianças com distintas histórias de vida e que ali encontram um ambiente familiar.
"Apesar das dificuldades, não vamos deixar de celebrar o Natal. E vamos celebrar com mais três grupos que vão partilhar connosco o Natal antecipado", acrescentou. Pelo menos durante esta semana, uma parte destas crianças de rua vai partilhar no centro atividades recreativas, como dança, música, jogos e, claro, uma troca de presentes.
"São crianças e em ambiente festivo é sempre uma alegria vê-las descontraídas", sublinhou Facatino, enquanto recorda os dias difíceis, em termos de contas, que o centro vive.
"A nível alimentar a situação está equilibrada, mas a nível financeiro ainda não conseguimos criar uma estrutura de autofinanciamento", explicou.
Com mais de duas décadas de atividades voltadas para o acolhimento, formação e reinserção de menores em "situação de risco", o responsável recorda que mais de 7 mil crianças passaram pelo centro.
Montar o Natal
Por entre os preparativos para o Natal no centro Arnaldo Janssen, João Facatino admite que 2017, apesar das dificuldades, foi também de alguns ganhos para a instituição.
"Agora temos já um campo multiusos, este ano conseguimos agregar mais alguns cursos internos entre eletrónica, informativa e corte e costura. E ainda conseguimos reinserir cerca de 25 jovens na sociedade e no seio familiar", explicou.
Para 2018, entre outras metas, a direção do Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen espera obter o estatuto de utilidade pública, que reclama há vários anos.
"Precisamos ainda de criar uma escola interna, apoios de criação de projetos de autossustentabilidade e precisamos de professores para acompanhar o reforço académico aqui no centro, sendo que ultimamente aproveitamos a colaboração de voluntários", concluiu.
A instituição funciona com uma área pedagógica, ainda áreas interna, de formação profissional, e a área social "que é o coração do centro", com componente administrativa, de psicologia, além da área de saúde, "responsável pela assistência médica e medicamentosa das crianças".
Em 2015, aquele centro apoiava mais de 500 menores que viviam nas ruas de Luanda, tendo então concluído que 68% tinha fugido de casa por serem acusados de feitiçaria pela própria família, por norma convencidos por seitas religiosas e seguindo rituais praticamente tribais.
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