Publicado pela primeira vez em Portugal, o ensaio, editado por Joana Vieira da Silva e Bernardo Amaral, é considerado o mais representativo do seu trabalho em arquitetura, e vai ser também apresentado a 25 de março em Newcastle, no Reino Unido, e a 09 de abril em Lisboa, indicou fonte da Dafne Editora à Lusa.

A obra foi publicada pela primeira vez em 1976, em duas partes, na revista brasileira Almanaque, reeditada em livro em São Paulo, em 1979, e em 2005, e também nesse ano publicada a versão francesa nas Éditions de La Villette, sob o título "Dessin/Chantier".

Escrito há cerca de 50 anos, “´O Canteiro e o Desenho´ mantém ainda a sua força, originalidade e lucidez", apontam os editores na introdução da publicação portuguesa, acrescentando que se trata de “um ensaio denso e hermético, inscrito num plano conceptual que integra várias áreas disciplinares”.

Em 2006, o texto integrou a antologia "Arquitetura e Trabalho Livre", editada por Pedro Arantes e publicada pela Cosac Naify, uma editora brasileira fundada por Charles Cosac e Michael Naify.

Apesar de ter sido originalmente escrito em português, "´O Canteiro e o Desenho´ foi, durante muito tempo, desconhecido em Portugal”, refere a editora, que tem por objetivo agora "abrir a possibilidade de reatar conexões atlânticas, e tornar presente um debate cujo alcance na prática profissional já demonstrou o seu potencial para os desafios do presente".

"Se, no Brasil, a obra de Sérgio Ferro foi fundamental para desenvolver soluções operativas de acesso à habitação, a sua leitura contemporânea traz uma voz importante para considerar o trabalho e os processos de produção do ambiente construído. Nela, o desenho emerge como uma ferramenta de mediação para a participação pública, de organização dos sistemas produtivos e de gestão de processos complexos", sublinham Joana Vieira da Silva e Bernardo Amaral.

Nascido em 1938, em Curitiba, Sérgio Ferro formou-se em arquitetura e urbanismo em 1962 na Universidade de São Paulo, foi professor nessa faculdade e noutras escolas de arte e arquitetura em Santos, São Paulo e Brasília. Nesse período, juntamente com os arquitetos Rodrigo Lefèvre e Flávio Império constituiu o grupo Arquitetura Nova.

A força repressiva da ditadura militar, que se instalou no Brasil em 1964, acabou por impor a separação do grupo, devido à prisão de Ferro e de Lefèvre, que tinham integrado a resistência armada.

Ao obter a liberdade condicional, Sérgio Ferro viajou para França em 1972, onde se exilou, e lecionou na École Nationale Supérieure d’Architecture de Grenoble até 2003.

Aí fundou o laboratório de investigação em arquitetura e construção Dessin/Chantier, que funcionou sob sua direção entre1982 e 1997, e quando deixou de projetar, dedicou-se à docência, à pintura e à investigação, continuando sempre a escrever e a publicar sobre arquitetura e artes plásticas.

Para publicar o livro em Portugal, Joana Vieira da Silva e Bernardo Amaral viajaram para o sul da França para visitar e entrevistar o arquiteto, atualmente com 85 anos. Em França, teve um importante papel no ensino da arquitetura, história e construção.

"À chegada, e antes de nos sentarmos a conversar, Sérgio Ferro fez-nos uma visita guiada à casa, um antigo estábulo que tem vindo a reabilitar com um pedreiro local. As paredes em alvenaria de pedra aparente, o pavimento em cimento queimado, a nova estrutura em aço, os espaços amplos e luminosos, refletiam a ´poética da economia´, um dos princípios que modelam a sua obra. As marcas do trabalho manual, evidentes na obra final, são fruto de uma colaboração horizontal entre arquiteto e construtor, um princípio que o autor sempre reclamou na sua obra prática e teórica", relatam, na introdução do livro.

Nos últimos anos, "a obra de Sérgio Ferro tem vindo a ser progressivamente reconhecida e valorizada, com várias iniciativas internacionais de divulgação e de promoção do debate em torno do seu trabalho".

Dois álbuns das casas Boris Fausto e Dino Zammataro, fotografadas em 2020 por Fernando Stankuns, acompanham o texto de "O Canteiro e o Desenho", que teve o apoio da Editora 34 que publica as obras de Ferro no Brasil, e da Casa da Arquitectura, em Matosinhos.

O ensaio será apresentado ao público no sábado, numa conversa entre os editores Joana Vieira da Silva e Bernardo Amaral e os arquitetos Mariana Correia e Samuel Gonçalves, na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, pelas 18:00.