Em entrevista à Lusa no âmbito da "Climate Change Leadership Porto Summit 2018", o ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês) das Nações Unidas, e membro da equipa que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2007, revelou as diferenças de temperatura verificadas em quatro décadas para sustentar a sua afirmação.

"Entre 1967 e 2010, a temperatura mínima aumentou 2,6 graus e a máxima 1,4 graus", sendo que entre 2020 e 2100 irá crescer gradualmente, podendo aumentar até seis graus", alertou o também presidente da Comissão de Peritos sobre a Visão Sustentável do Sri Lanka 2030.

Relacionando o "aumento da temperatura do ar com a crescente escassez de água nos vinhedos", Mohan Munasinghe prevê danos na "quantidade e qualidade do vinho".

"A mudança climática é uma séria ameaça à indústria do vinho, porque o clima é o aspeto mais crítico no amadurecimento dos frutos a um nível ideal para produzir um determinado estilo de vinho", disse.

Numa entrevista por email, o especialista do Sri Lanka lembrou que nos "últimos 150 anos, a temperatura média aumentou um grau e o nível do mar cresceu 18 centímetros", alertando para o facto de que, a manter-se o cenário, "os danos serão irreversíveis" e que serão os "pobres os mais afetados".

Para mitigar este problema, Mohan Munasinghe defende "o financiamento permanente" das "medidas de adaptação disponíveis", argumentando que "o desenvolvimento sustentável é a maneira mais eficaz de limitar as mudanças climáticas e construir um futuro seguro".

Neste cenário, considera que a "cimeira do Porto e a indústria do vinho podem mostrar a liderança que ajudará a criar novos valores e comportamentos para a Eco-Civilização Global do século XXI".

Argumentando que as cimeiras mundiais "estão a perder eficácia", pois a "maioria das promessas nunca são cumpridas" o que deixa as "pessoas céticas", deu como exemplo, a Declaração dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), de 1947, "que contém todos os elementos que estão nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2015, quase 70 anos depois, ainda por cumprir".

Neste cenário, para Mohan Munasinghe, os ODS, a Agenda 2030 e os Acordos Climáticos de Paris "são a última oportunidade para se acertar as coisas", olhando para o facto de "haver hoje líderes de nível médio como presidentes de câmara, de empresas ou líderes comunitários a dar melhor exemplo que os principais líderes mundiais".

E se a saída dos Estados Unidos foi "um retrocesso para alcançar os Acordos Climáticos de Paris", para o especialista asiático a posição assumida pela China e pela Europa ao concordarem em continuar "são motivos de esperança".

Atento aos fenómenos de populismo, lê-os como "uma resposta a outros motivadores subjacentes", alertando que quando se "manifesta como nacionalismo focado em interesses próprios, aumenta o risco das ameaças globais", numa correlação entre a "fraca liderança e a erosão dos valores sociais".

Mohan Munasinghe afirmou "não saber o suficiente para comentar detalhadamente o desempenho ambiental português", mas elogiou a organização da cimeira no Porto como exemplo do "tipo de liderança portuguesa necessária para avançar no caminho do crescimento verde equilibrado e inclusivo para a sustentabilidade global".

"A minha sincera esperança e expectativa é que a cimeira seja acompanhada por outras indústrias e partes interessadas para se tornar uma iniciativa mais universal de ação para combater as mudanças climáticas", expressou o especialista, saudando ainda Lisboa por ter "ganho o prémio Capital Verde da Europa 2020".

Sobre a próxima Cimeira do Clima que vai decorrer na Polónia no final de 2018, revelou ter "poucas expectativas", baseando-se no facto de "as promessas de mitigação serem insuficientes para se manter a meta de aquecimento global de dois graus, quanto mais de 1,5 graus".

O Coliseu do Porto recebe hoje a cimeira “Climate Change Leadership”, um evento para debater as alterações climáticas que, além de Mohan Munasinghe, contará com personalidades internacionais como o ex-presidente norte americano Barack Obama, a ex-diretora geral da UNESCO Irina Bokova e o presidente da Advanced Leadership Foundation (ALF), Juan Verde.

Juan Verde classifica Portugal como "referência" no combate às alterações climáticas

O presidente da Advanced Leadership Foundation (ALF) Juan Verde, que hoje participa na conferência sobre alterações climáticas no Porto, classificou Portugal como “uma referência” na área do ambiente e elogiou a aposta do país nas energias renováveis.

Em entrevista à Lusa, o presidente da ALF, uma das entidades organizadores da “Climate Change Leadership Porto Summit 2018”, falou sobre o seu trabalho na administração de Barack Obama, o Acordo de Paris e a mensagem que traz aos empresários portugueses, enaltecendo a política ambiental de Portugal.

“Estou familiarizado com os esforços de Portugal. O país é uma referência no que toca a fazer o que é correto. Atravessou uma profunda crise económica recentemente e continuaram os esforços para combater as alterações climáticas, fazendo uma aposta muito clara na eficiência energética, energias renováveis, para que as companhias se tornassem mais experientes em avanços tecnológicos”, enalteceu.

Quando subir ao palco do Coliseu do Porto, vai passar uma mensagem “muito simples”, escusando-se a falar sobre “ética, ou mudanças climáticas enquanto preocupação”, mas como oportunidade económica para a comunidade empresarial, porque “o setor privado pode ser um catalisador de mudança”.

“As mudanças climáticas são reais, então temos de viver numa economia de baixas emissões. Estamos no meio de uma enorme transição económica para um mundo mais sustentável e eu vou provar que já aí estamos. Quando essa transição estiver concluída, a inovação tecnológica e o empreendedorismo vão ser a chave. É aí que as oportunidades empresariais e económicas vão estar”, insistiu.

Nos últimos 20 anos, antes de presidir à ALF, trabalhou nos vários níveis governamentais nos Estados Unidos da América (EUA), começando no Estado de Massachusetts, passando pela administração Clinton, o Departamento de Comércio e, anos mais tarde, serviu “a administração Obama como vice-secretário adjunto do Departamento de Comércio”, estando “a cargo das trocas bilaterais e relações comerciais entre os EUA e a Europa".

“Trabalhar para o presidente Obama foi um privilégio. Senti que era um momento histórico para o mundo, em que os EUA tinham perdido a sua liderança na comunidade mundial, depois de oito anos com o presidente Bush. A chegada de Obama à Casa Branca deu uma nova esperança a toda uma geração que queria e acreditava numa significativa mudança, em assuntos como a luta às alterações climáticas e também apostar na inovação e descobertas tecnológicas, para tornar o mundo num lugar melhor”, revelou.

Disse ainda que “antes de Obama, os EUA faziam parte do problema”, por não terem assinado nenhum protocolo internacional, então tiveram que “partir desse ponto e fazer parte da solução”, aumentando de quatro para dez mil milhões de dólares, por ano, o investimento na luta às alterações climáticas, um compromisso que se manteve durante dez anos, e que totalizou "100 mil milhões de dólares".

Reconheceu que o "maior legado" de Obama foi “convencer o resto da comunidade mundial a assinar o Acordo de Paris”, e confessou-se “desapontado, triste e chateado”, quando o novo presidente, Donald Trump, rompeu o documento.

Clarificou, porém, “que as ações de Trump não refletem a demanda popular, para que haja uma mudança positiva nos EUA” e indicou uma sondagem que mostra que “74% dos americanos querem que o governo faça mais para combater as alterações climáticas”.

Relatou que agora começam a haver “mudanças positivas”, como “manifestações por todo o país”, mas também a nível governativo, visto que “23 dos 50 estados do país concordaram individualmente em cumprir o Acordo de Paris".

Declarou ainda que o Acordo de Paris “pode e deve ser melhorado”, mas compreende que os acordos globais “começam com uma base de concordância fácil de aceitar”.

“Temos muito a ganhar se trabalharmos juntos e a perder se não o fizermos. (…) Este problema só pode ser resolvido por uma abordagem global e é isso que me dá confiança que as coisas vão melhorar”, finalizou.