“Devido ao aumento das tarefas, do trabalho e da diminuição do rendimento, estamos a rebentar com as pessoas e estamos a rebentar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, sustentou a historiadora, coautora do estudo, acrescentando que, no mínimo, vão ser precisos “trinta anos para corrigir a situação”, caso exista vontade política.
Raquel Varela e Renato Guedes, da Universidade Nova de Lisboa, são autores do estudo científico “Evolução do Esforço Médico no SNS depois do ‘Memorando de Entendimento’”, encomendado pelo Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos e que vai ser apresentado publicamente no dia 3 de dezembro, em Lisboa.
“Hoje, o que faz funcionar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com menos dinheiro é o facto de os médicos receberem menos e trabalharem mais. Não são modificações de gestão, melhores condições de trabalho ou controlo de gastos. O que manteve a prestação dos cuidados de saúde são os médicos que passaram a trabalhar mais por menos”, acentuou Raquel Varela.
A investigação aborda as características históricas da prestação dos serviços de saúde desde o Estado Novo e prolonga-se até ao século XXI.
Entre outros aspetos, o estudo conclui que após a aplicação do ‘Memorando de Entendimento’ da troika, a produção de cuidados de saúde (o mesmo número de consultas ou atendimentos) é mantida "com menos dinheiro e menos investimento".
De acordo com os investigadores, o atual funcionamento do SNS é feito à conta da intensificação do trabalho dos médicos e dos internos, sobretudo os médicos mais jovens; da intensificação do trabalho dos médicos de família e também dos enfermeiros e pessoal auxiliar.
A atual situação de “precariedade” foi causada pela aplicação de políticas pelo governo PSD/PP, que “não foram em nada revertidas pelo PS”, salientou Raquel Varela.
“A única maneira de acabar com estas políticas era acabar com os hospitais SA/EPE”, defendeu a investigadora, recordando que o sistema português foi um dos melhores do mundo, após 1974.
“Desde o final dos anos 1990, começamos a voltar ao sistema anterior. Por diversos fatores, já não podemos falar de um SNS para todos porque as mudanças que se deram são qualitativas. Neste momento, aqueles que têm dinheiro, têm acesso a uma saúde boa e rápida, e quem não tem dinheiro não têm esses cuidados”, acrescentou Raquel Varela.
De acordo com a historiadora, o centro de saúde já não dá respostas e "destina-se" a reformados, desempregados e à prestação de cuidados de saúde maternoinfantis.
“Os centros de saúde estão abertos a horas impossíveis para os trabalhadores. Só trinta por cento das consultas de especialidade nos hospitais é que são referenciadas pelo médico de família. O hospital é cada vez mais um centro de treino como era no Estado Novo. Os nossos números mostram que os médicos estão em treinamento, em grande número. Ficam em formação no hospital e depois saem para trabalhar fora do SNS ou então não ficam em pleno ou em regime de exclusividade”, concluiu Raquel Varela.
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