Hoje, há feiras para todos os gostos. E um pouco por todo o país. Das feiras da ladra às feiras da bagageira, qualquer um pode comprar um espaço e ser feirante por um dia. Ou a vida toda. Basta ter o que vender, novo ou velho, a estrear ou em segunda mão.

Um dia normal pode render à volta de 300€, um dia bom para cima de 1.000€. Para os jovens é um ordenado extra, para os mais velhos é um complemento de reforma. Mas nas feiras não se ganha só dinheiro, também se fazem amigos. A certa altura, mais do que um negócio enfeirar é um vício.

Fernando Teixeira faz todas as feiras da bagageira desde há sete anos. "As melhores para o negócio são a de Benfica e a de Carcavelos. Para as minhas coisas, pelo menos". As "minhas coisas" são, sobretudo, máquinas fotográficas, gravadores e máquinas de escrever.

Talvez por isso, Benfica (onde não entram carros) e Carcavelos sejam das feiras mais caras: 40 euros um espaço de 4x2mts, ou carro classe 2 e 25 euros 2x2mts ou ligeiro classe 1. "São zonas muito populosas, onde vai desde o pé-rapado ao endinheirado. Benfica, ao pé do Fonte Nova, é a única feira em que vejo as pessoas chegar, não discutir o preço e comprar. Mas estamos a falar de coisas caras".

E há artigos caros, embora nem sempre quem vende saiba o seu justo valor. Ou mesmo quem compra. É por isso que há quem viva destes achados, muitas vezes para revender a colecionadores ou até a leiloeiras.

A presença na Feira da Bagageira de Cascais, onde falamos, custou a Fernando Teixeira 30 euros, porque vem com uma carrinha. Fica do lado de fora do Mercado da Vila, onde a concorrência também espreita, pelo menos para aqueles que vendem roupa, colares, brincos, pulseiras e anéis. A diferença é que ali os artigos são novos.

A jornada ainda está a começar, mas "um bom dia de feira pode render 300 euros". Também há dias de azar, ir para casa sem vender nada é uma possibilidade improvável, mas que deve ser ponderada. "Uma vez fiz cinco euros", recorda Fernando, que vive em Vila Franca de Xira. "Não chegou para pagar o aluguer do espaço". Nem o gasóleo, nem a alimentação.

"Mas vale a pena, senão ficava em casa", atalha. E há grupos de amigos. "Tenho aqui oito que já fazem estas feiras há sete e há mais anos. Porque depois começamos a dar-nos com as pessoas com quem nos identificamos: "'Atão' e no domingo, como é? Vamos embora!". E lá vão todos.

Júlio Barreleiro talvez seja um desses amigos. Também na casa dos 60 anos, corre, como Fernando, todas as feiras da bagageira. Barreleiro é o apelido da mãe, que decidiu adoptar para estas lides, uma vez que Santos é muito batido. Já lhe tocou não vender nem um artigo, zero, nicles. Mas num bom dia faz 600 euros e uma vez, em Torres Vedras, chegou a fazer 1.035€.

Não é preciso ter carro para participar na feira da bagageira

Se há mais ou menos gente a comprar do que há sete anos? "Cada vez há mais feiras e, por isso, as pessoas acabam por se distribuir por mais sítios. Hoje, até as juntas de freguesia já organizam feiras. Um dia, matam a galinha", antecipa Fernando.

Para a organização a feira também é um negócio. Ao mesmo tempo que acontece a de Cascais está a decorrer outra na Quinta do Conde. No caso da bagageira, a de Corroios é a maior de todas e chega a juntar 300 veículos. Depois é preciso pagar uma percentagem à câmara municipal ou à junta de freguesia, dependendo do acordo.

Lá por se chamar Feira da Bagageira - inspirada no conceito car boot sale, com origem no Canadá e popular no Reino Unido nos anos 70 -, não é preciso ter automóvel para poder participar. Basta ter umas mesas, um charriot, ou umas mantas para pôr no chão e a coisa está feita. Dependendo da localização, um espaço pode custar entre 20 e 35 euros, tendo em conta a dimensão escolhida.

Tal como os entrevistados do sexo masculino, este não é o ganha pão de Maria Imperfeita. Mas é uma maneira de "ganhar um dinheirinho extra" e de "não pensar nos problemas". Só faz a feira Feira da Bagageira de Cascais e é no chão que expõe grande parte do seu trabalho: cães, coelhos ou ratos pintados com aguarela e retratados como se fossem pessoas, que vende a preços que variam entre 5€ e 20€, a menos que sejam personalizados.

É recente nestas lides - pós-Covid -, mas tem já uma conta profissional no Instagram. "São peças que fazem as pessoas sorrir", diz. As molduras, compra-as muitas vezes na própria feira em bancas vizinhas, para depois as recuperar e transformar - esta é outra curiosidade, muitas vezes, ainda antes de ter todos os artigos expostos, já outros feirantes se transformaram nos primeiros clientes do dia.

Madalena tem esta experiência. Está a passar o Verão em Portugal, mas a primeira feira em que participou, Sintra, teve exatamente como objetivo fazer algum dinheiro para ir estudar no estrangeiro. Ainda não eram oito e meia da manhã já tinha feito quase 100€, só entre os outros feirantes curiosos.

O dia correu tão bem que se inscreveu em mais três feiras, Telheiras, Olivais e, agora, que veio passar férias, Cascais. O que vende? Tudo o que pode, de molduras a cerâmicas, saca-rolhas a caixas de fósforos, relógios a jarras, livros a pisa-papéis.

Também lhe aconteceu fazer compras na feira; dois pares de calças novas a estrear e uma carteira dos "The Beatles" que leva para quase todo o lado. Tudo por menos de 25€.

Os organizadores pedem a todos os vendedores que cheguem ao local da feira a partir das oito da manhã e que tenham tudo pronto para começar a receber visitas à hora de abertura. As feiras da bagageira decorrem entre as dez da manhã e as cinco da tarde e o local deve estar completamente desimpedido uma hora depois, ou seja, às 18h00.

A velha Feira da Ladra para turista ver

Há outras feiras além das da bagageira. Para começar, a Feira da Ladra, no Campo de Santa Clara, a mais antiga da cidade, ex-mercado franco com raízes no século XIII, agora explorada pela Câmara Municipal de Lisboa. Por trás do Mosteiro de São Vicente de Fora, colada ao Panteão Nacional, tem lugar todas as terças-feiras e sábados, entre as 9h00 e as 18h00.

Além dos habituais feirantes, é desde sempre a feira escolhida por muitos estudantes (existe um setor reservado para eles) para venderem velharias de família e assim conseguirem algum dinheiro de bolso por uma quantia que pode variar entre os 3€ e os 6€, dependendo do números de metros quadrados ocupado.

A feira é semelhante aos famosos marchés aux puces de Paris ou de outras congéneres europeias. Ao longo dos anos, a principal diferença é ter-se tornado um ponto turístico e local de venda também para muitos jovens imigrantes.

Como em todas as feiras, tem os feirantes habituais e os ocasionais.  Já no que toca a compradores, são mais os eventuais, uma vez que a Feira da Ladra tem vindo a tornar-se num mercado cada vez mais turístico. Mas também há os clientes habituées.

Luís Silva vende sobretudo livros e gravuras e confirma esta realidade. Faz esta feira há cerca e vinte anos. Concorda que se vêem sobretudo turistas, mas garante que ainda restam muito clientes regulares. Nunca fez outras feiras: pagou uma jóia de mais de 100€ e agora paga 28€ todos os meses. Religiosamente.

O pior dia no Campo de Santa Clara "foi ter saído da feira sem nada", ri-se, talvez para espantar o mau-agouro. "É frustrante". Mas há outras condicionantes para quem não faz do carro o ponto de venda, como a dificuldade de encontrar estacionamento. "Volta e meia as pessoas são multadas". A vizinha do lado já teve esse azar, e precisou de andar a pedir emprestado aos outros feirantes para levantar o carro. "Quase duzentos euros, é ridículo".

Fora isso, e "o artesanato, que estragou isto tudo", a Feira da Ladra é muito movimentada e proporciona bons negócios. "Não se pode vender a qualquer preço, é preciso saber o que se tem em mãos", explica Luís Silva. E, nem de propósito, um espanhol regateia o preço de um lustre e, enquanto o "mira", uma parte estatela-se no chão e desfaz-se em pedaços. Quem paga?

Percalços à parte, o máximo que Luís Silva já lucrou num dia de feira ultrapassou os 4.000€, "só à base de postais ilustrados do século XVII". Há dias de sorte. Mas, note-se, muitos destes vendedores habituais têm um custo acrescido dos armazéns onde guardam todos os artigos que vão adquirindo, no caso de Luís um rombo de 400€ por mês, valor que os vendedores ocasionais não têm de suportar.

Além das bancas de rua, com ou sem carros, a feira estende-se ao interior do antigo Mercado de Santa Clara, agora transformado em Santa Clara Market, onde estão artesãos e artistas de toda a espécie e feitio, ora a servir uma limonada estupidamente gelada, ora a fazer T-shirts personalizadas, ora a pintar retratos in loco. O número de artigos que se pode vender é infindável.

O culto do vintage

Nem todas as feiras são ao ar livre. No Verão isso pode ser um problema, mas no Inverno torna-se uma mais-valia. É o caso do Anjos70, que se auto-intitula "o mercado mais alternativo de Lisboa".

Ana (vamos chamar-lhe assim), concorda. Foi aí que encontrou a sua praia. Estudante universitária, entrou no negócio dos isqueiros antigos para "fazer dinheiro extra". Foi andando por "tentativas" e, "depois de perceber como se fazia", começou a "vender peças". Já lá vai um ano.

A escolha da feira prendeu-se com vários fatores: "Achei que tinha um ambiente que se assemelhava ao meu negócio e gostei do espaço, conhecido e seguro". Hoje, tem uma página no Instagram e a marca Museu Queimado tem  já grupo fiel de seguidores loucos por isqueiros ainda mais loucos.

A feira Anjos70 realiza-se em Alvalade e em Marvila, entre as 12h00 e as 20h00, no primeiro e terceiro fim-de-semana de cada mês. Neste momento estão abertas inscrições para Marvila, dias 31 de Agosto e 1 de Setembro. Os candidatos podem escolher participar um fim-de-semana completo ou apenas no sábado ou no domingo.

A participação neste mercado pode custar entre 35€ e 45€ por dia, dependendo do espaço. O acesso a eletricidade tem um custo acrescido de 5€ e uma mesa para servir de banca mais 10€, sujeita à disponibilidade do momento.

Esta feira é um ponto de encontro para artistas, artesãos, colecionadores e entusiastas da cultura. Fundada em 2012 como Feira das Almas, perdeu o prédio original nos Anjos, mas manteve-se em diferentes pontos da cidade.

Além das feiras aqui mencionadas, existem muitas outras onde é possível "vender tudo e mais não sei o quê", como diz o outro. As condições são variáveis e por vezes é preciso garantir lugar com alguma antecedência, já que a procura é grande. Com o produto certo ao preço certo, o êxito é garantido. E o dinheiro no bolso também.