O PT ganhou as últimas quatro eleições presidenciais no Brasil — duas vezes com Lula, outras duas com Dilma —  mas, desta vez, as polémicas judiciais e o afastamento do líder histórico, Lula da Silva, colocam a escolha do partido, Haddad, em segundo lugar nas sondagens.

O nome de Haddad já vinha a ser avançado há meses como possível substituto de Lula da Silva. A cumprir uma pena de 12 anos por corrupção no âmbito da Operação Lava-Jato, a candidatura do ex-presidente (2003-2011) foi vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na lei que proíbe alguém condenado em duas instâncias de concorrer a qualquer cargo eleitoral.

O até então candidato a vice pelo PT recebeu "uma missão do ex-presidente” no dia 11 de setembro, último dia dado pelo TSE ao Partido dos Trabalhadores para apresentar um substituto de Lula da Silva.

Com Haddad de número dois a cabeça de lista, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aliado histórico do PT em eleições presidenciais, apontou a deputada estadual gaúcha Manuela D’Ávila como vice. Manuela D’Ávila retirou a sua candidatura à Presidência no início de agosto e desde então, refere a imprensa brasileira, aguardou pela definição da situação eleitoral de Lula.

Com 61 páginas, o programa de Fernando Haddad segue a mesma linha da proposta apresentada pelo seu antecessor. É isso que diz a Gazeta do Povo, jornal oriundo de Curitiba, a mesma cidade onde Lula da Silva cumpre pena de prisão. A coligação dos dois partidos - quase impronunciável em siglas - PT-PCdoB-PROS - assumiu para efeitos de boletim de voto uma designação bem mais simples: O Povo Feliz de Novo. E, não será por acaso, a foto de capa do programa entregue no TSE mostra um Haddad sorridente ladeado por Manuela e Lula.

No primeiro discurso como candidato a presidente, Fernando Haddad falou em dor pela proibição da candidatura de Lula. “Eu sinto a dor de muitos brasileiros e brasileiras que vão receber hoje a notícia de que não vão poder votar em quem queriam ver subir a rampa do Planalto [sede da Presidência do Brasil]", disse o candidato. O discurso tem semelhanças, no conteúdo e no tom, ao da primeira propaganda eleitoral transmitida na televisão brasileira: “Infelizmente, insistem em tirar o Lula, contrariando a ONU e a vontade do povo brasileiro. Lula pediu. Vamos continuar juntos, unidos, vamos todos votar no 13, para vencer as injustiças e fazer o Brasil feliz de novo”.

Ainda sobre este tempo de antena, salienta a revista Época no último parágrafo de um perfil do candidato: “Durante menos de três minutos, o que se viu foi um libelo à libertação de Lula com Haddad dizendo que o ex-presidente não seria abandonado.  (…) A sigla PT nem sequer foi mencionada. Apenas o símbolo petista permanecia na tela e a musiquinha que repetia que 'Haddad é Lula e Lula é Haddad'”.

No entanto, Haddad não podia ser mais diferente de Lula, como refere num texto de opinião o correspondente do El País Brasil, Juan Arias, que sublinha a ideia de um PT — em crise — que tem nesta candidatura a oportunidade de “passar da política do grito à da reflexão”. De um lado o sindicalista, ativista, líder carismático e popular "sem outra formação senão a da vida"; do outro, o intelectual, académico, especialista em marxismo e “com uma visão mais europeia que tropical da política”.

Licenciado em Direito pela Universidade de São Paulo, Fernando Haddad é mestre em Economia (1990), com especialização em economia política, e fez o doutoramento em Filosofia (1996), tendo ficado a dar aulas como professor de Ciência Política na instituição de ensino superior onde obteve os três graus académicos — já depois de ter desempenhado funções de analista de investimentos no Unibanco.

O professor estrela, especialista em Marx

Escreve o El País Brasil que Haddad tinha um estatuto de “professor estrela”. Na cadeira de que era regente, Teoria Política Moderna, lecionava de Montesquieu a Karl Marx — este último considerado a sua especialidade. As suas aulas eram disputadas pelos estudantes no início do milénio; e os que não conseguiam matricular-se chegavam a pedir-lhe pessoalmente para assistir às aulas, refere a publicação.

Além de político, advogado e professor, Haddad é também escritor, tendo já publicado cinco títulos. São eles: "O Sistema Soviético e sua decadência" (1992), "Em defesa do socialismo" (1998), "Desorganizando o consenso" (1998), "Sindicatos, cooperativas e socialismo" (2003) e "Trabalho e Linguagem para a Renovação do Socialismo" (2004).

Fernando Haddad nasceu em São Paulo há 55 anos, segundo de três irmãos. Filho de libaneses que emigraram para o Brasil, assume ter como grande influência o avô, Cury Habib Haddad, que não chegou a conhecer — faleceu dois anos antes de Haddad nascer — mas que até aos dias de hoje o acompanha numa fotografia que guarda na sua carteira. "Na minha família, o meu avô é hors concours. Manda em toda a gente, mesmo tendo morrido há 50 anos. Os seus valores éticos, culturais, políticos são referências”, contava em 2012 ao Estadão. Casado com Ana Estela Haddad, dessa união nasceram dois filhos, Carolina e Frederico.

Acusado de ser “inexperiente” por alguns candidatos às presidenciais —  Ciro Gomes é um deles —, Haddad deu os seus primeiros passos na política aos 20, quando se filiou no PT.

Em 2001 foi nomeado subsecretário das Finanças e Desenvolvimento Económico da cidade de São Paulo, sob chefia de Marta Suplicy, cargo que ocupou até 2003. Nesse ano foi chamado para trabalhar em Brasília como assessor especial do Ministério do Planeamento e Finanças.

Um ano depois começou a ganhar protagonismo político quando, sob o governo de Lula da Silva, aceitou o convite do então ministro da Educação, Tarso Genro, e assumiu o cargo de secretário-executivo da pasta.

Em 2005 Haddad assumiu o Ministério da Educação, ficando neste cargo até 2012, já no governo de Dilma Rousseff.

Deixou então o lugar para disputar as eleições municipais de São Paulo, que ganhou. Prometeu uma revolução urbanística e social, mas apenas metade das propostas (54,5%) foram totalmente concluídas. Refere a Folha de São Paulo que a sua gestão ficou marcada por obras de mobilidade, como ciclovias e corredores de autocarros; mas também, em junho de 2013, pelos protestos contra o aumento de tarifas do transporte público, que se estenderiam pelo mês seguinte. Quatro anos depois não conseguiu o mesmo feito, perdendo, na primeira volta, para João Dória, que se candidatou pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

E é referente ao período em que liderou o executivo da Câmara de São Paulo que a 4 de setembro deste ano foi acusado pelo Ministério Público pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha por ter recebido 2,6 milhões de reais (cerca 521 mil euros) de um empresário dono de uma construtora, Ricardo Pessoa, durante a campanha de 2012. O então número dois de Lula da Silva defendeu-se, afirmando existir uma componente eleitoral por trás das ações do Ministério Público.

Dias antes, a 27 de agosto, o Ministério Público de São Paulo já tinha movido uma ação na qual acusava o agora candidato a presidente  do Brasil de enriquecimento ilícito e requeria a perda judicial de direitos políticos.

Numa segunda volta, que todas as sondagens apontam será disputada por Haddad e Bolsonaro, o petista terá pela frente a missão de convencer o eleitorado que discorda do radicalismo do militar reformado, mas que, ao mesmo tempo, não quer o PT de Lula. E será simultaneamente o maior desafio da sua vida política e da vida política do PT.