Foram 19 anos de espera. Ainda antes do apito inicial já era possível avistar uma multidão junto ao estádio de Alvalade, em clima de festa, com engenhos pirotécnicos em largo número (como fogo de artifício, tochas ou petardos), alguns sem máscara e sem cumprir qualquer tipo de distanciamento social. De tal forma que Direção-Geral da Saúde (DGS) alertou à tarde para "o risco acrescido" para a saúde pública dos festejos.
No entanto, a euforia fez esquecer a pandemia e, feita a festa, a opinião dos especialistas parece ser unânime: quem esteve na presente deve ter alguma prudência nos contactos com outras pessoas nos próximos dias, assim como é recomendado que não se relaxe na utilização da máscara se tal não for possível.
"Sabemos que ainda estamos num contexto pandémico. O número de novos casos é relativamente baixo, o que é obviamente um excelente indicador, mas não quer dizer que possamos abandonar todas aquelas medidas que permitem precisamente que os números continuem baixos", frisou ao SAPO24 Ricardo Mexia, médico epidemiologista e Presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.
"Para quem esteve, sugiro que reduza um pouco os contactos nos próximos dias, nomeadamente com pessoas mais vulneráveis e que se continuem a adaptar as medidas habituais de proteção que se conhece", explicou, reiterando que daqui a uma semana "se calhar vamos ficar a perceber melhor se houve ou não houve algum impacto dessa situação, que não foi apenas em Lisboa".
Também Ricardo Baptista Leite, Vice-presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, defendeu que os contactos devem ser escassos.
"Há um período de incubação do vírus que ronda os três a cinco dias, por vezes um pouco mais e, portanto, se as pessoas que participaram nos festejos evitarem contactos com outros e cumprirem com todas as normas da Direção-Geral da Saúde poderemos evitar" consequências maiores, defendeu o médico em declarações à Rádio Renascença.
"Importante agora é monitorizar o que se vai passar nos próximos dias. Felizmente temos uma incidência relativamente baixa, mas não está excluído que possa ter havido naquele contexto pessoas que estavam assintomáticas que pudessem transmitir a doença", acrescenta Ricardo Mexia.
Já Gustavo Tato Borges, da Associação Médicos de Saúde Pública, considera que deviam de ter existido bolsas de ocupação de espaço e circuitos. "[Estas medidas] serviriam para permitir que não houvesse um aglomerado descontrolado", explicou à SIC Notícias.
"É muito difícil implementar normas que fossem respeitadas por todos. [Mas] acho que há medidas que podiam ser controladas. O controlo de acesso é uma delas. Designação de áreas em que as pessoas podem ou não pode estar", indicou por sua vez Miguel Prudêncio, professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, igualmente à estação de Paço de Arcos.
O investigador também lembrou que só caso positivo pode gerar um novo surto e aumento de casos — tanto que considera que a subida dos números "é praticamente inevitável".
Por seu turno, o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Carlos Antunes considera que, face à atual prevalência de covid-19, o risco de os festejos do Sporting desencadearem um descontrolo epidemiológico é baixo, mas aconselha que se façam autotestes.
"Do ponto de vista matemático, sabendo a natureza do contágio desta doença, o risco é baixo. Por cada 10 mil que lá estiveram sairão de lá quatro pessoas infetadas", explicou à agência Lusa.
No entender do especialista, a probabilidade de terem estado pessoas infetadas nos festejos em Lisboa é baixa uma vez que a prevalência da doença na zona de Lisboa e Vale do Tejo é de 0,04 por cento.
"Temos de nos basear na taxa de incidência [de novos casos] da região. Não sabemos se eram todas de Lisboa e Vale do Tejo, mas mesmo vindo de outras regiões a incidência é baixa", disse.
Carlos Antunes considera, contudo, prudente que quem esteve nos recintos onde decorreram os festejos da vitória do Sporting reduza os seus contactos e realizem um autoteste dois a três dias depois.
"Se houver esta prudência então a situação é de menor risco ainda", frisou.
Faltou fiscalização
"Era normal haver um extravasar de emoções, é uma comemoração. Podia era ter havido uma maior cautela como a festa decorreu. Algum distanciamento físico, utilização da máscara de forma permanente", elencou Ricardo Mexia, frisando que, na sua opinião, "houve um problema de planeamento e houve um problema de fiscalização". "A própria decisão de colocar as telas perto do estádio propiciou os ajuntamentos. Não foi uma ideia particularmente boa", continuou o médico.
Apesar de notar que houve um "esforço" para que os adeptos não reunissem num só local (Marquês de Pombal) o facto de não haver paragens ajudou, mas que o percurso devia de ter sido "maior", de modo a dispersar ainda mais a multidão.
No entanto, deixa um aviso para o que aí vem: "Brevemente teremos a final da Taça de Portugal, talvez devêssemos acautelar que se repitam problemas deste género".
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