Em entrevista à agência Lusa, na estrada de Sitec, na capital guineense, Bissau, este português de 76 anos conta que a opção de emigrar para a Guiné-Bissau se deve a um pedido de alunos guineenses, a quem deu um curso de restauração depois de ter regressado do serviço militar em Timor-Leste.

Nesse curso “havia vários guineenses”, que lhe pediram para ir para a Guiné-Bissau porque o país precisava de ajuda.

“É simples, eu vim de peito aberto, numa de solidariedade, ajudar a Guiné-Bissau. E fiquei por aqui. Umas vezes as coisas a correrem bem, outras vezes a correrem mal”, diz, referindo-se a vários negócios, todos na área da restauração.

Quando chegou a Bissau, em 1990, abriu o restaurante Asa Branca, mesmo no coração da capital guineense, que depressa ficou famoso.

Além dos clientes guineenses, era visitado por muitos portugueses, que, devido à guerra civil de então em Angola e em Moçambique, procuravam na Guiné-Bissau uma “perspetiva de negócio”.

“Foram anos de grande sucesso, não só para o meu restaurante, mas para outros restaurantes também porque havia de facto uma grande movimentação de pessoas”, explica.

Com a fama e “ao fim de sete ou oito anos”, o espaço, no quintal da sua casa, depressa se tornou pequeno e Francisco Ramos comprou um terreno maior perto da avenida que liga o centro de Bissau ao aeroporto, onde abriu o restaurante Lusófono.

“Eu criei o Lusófono como um filho”, diz, mas pouco depois começou a guerra civil de 1998 na Guiné-Bissau, que “foi dramática como infelizmente a maioria das guerras” e a clientela desapareceu.

“Fui obrigado a fechar o Lusófono por falta de clientela porque a instabilidade política era muito grande naquela altura”, conta.

No entanto, recusou-se a baixar os braços e criou o Rei dos Frangos, já lá vão 24 anos, e que é hoje “um nome a respeitar” na Guiné-Bissau.

Atualmente e mesmo quando já conta os meses que lhe faltam para a reforma, além do restaurante principal, está a tentar a sorte em Quelelé, a menos de um quilómetro, “para ver se vale a pena ou não investir lá um bocado de dinheiro” porque é uma zona onde “há muita população” mas nenhum restaurante.

Hoje emprega dez pessoas e diz que a maioria dos seus clientes é guineense, ao contrário do período antes da guerra de 1998, quando havia “muitos cooperantes de vários países”.

“Com a guerra de 98, essa cooperação foi desaparecendo por um motivo ou por outro. E ficaram os guineenses e aqueles que gostam da Guiné”, diz.

Sobre as condições de vida dos guineenses, quando passaram quase 50 anos da autoproclamação da independência, Francisco Ramos ressalva que não conheceu o país antes da independência, mas assegura: “Eu estou cá desde 90 e desde 90 posso dizer que de facto não tem havido melhorias nenhumas”.

Hoje, sobretudo devdo à conjuntura internacional, os cerca de 80 por cento de guineenses que dependem do comércio da castanha de caju estão a passar por uma situação “muito grave” porque o produto “está a ser muito mal pago” e não dá para comprar arroz, a base alimentar da população.

Apesar das dificuldades, o português pretende continuar neste país onde teve os seus três filhos – “duas fêmeas e um macho”, como se diz na Guiné-Bissau – todos de mães guineenses.

“Os guineenses não gostam de ver um português aqui a trazer a mulher. Gostam que os portugueses venham e tenham filhos aqui das guineenses” para mostrar que “a pessoa não vem para aqui só à procura de dinheiro”.

As filhas estão em Inglaterra e o filho em Portugal e a família que tem no país, sobretudo na região de Ervidel, Beja, de onde é oriundo, nunca o visitou na Guiné-Bissau.

“África ainda é um mistério para muitas pessoas”, tenta explicar, referindo que além disso “fala-se que isto é mau e aquilo é mau e as pessoas têm medo mesmo”.

Mas à pergunta se pensa voltar para o país onde nasceu, Francisco Ramos não hesita na resposta: “Não, definitivamente não”. O seu futuro passa pela casa que construiu na Guiné-Bissau.

“Ir definitivamente para Portugal está fora das minhas ideias. Sabe o que é estar 33 anos em África?”, questiona, justificando que voltar agora à Europa “é muito complicado”. “Não, aquilo já não tem nada a ver comigo”, insiste.

Segundo dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estavam registados 8.902 portugueses no consulado na Guiné-Bissau em 2022, a maioria a viver em Bissau, seguindo-se Cacheu e Oio, Bafatá e Gabú.

A comunidade portuguesa dedica-se sobretudo ao comércio e retalho, construção civil, logística e distribuição, serviços de saúde, cooperação e desenvolvimento e trabalho em organizações internacionais.

Francisco Ramos emociona-se quando diz que “o povo guineense é extraordinário” e não tem dúvidas em apontar que “o problema da Guiné é político”.

À pergunta se já se sente guineense e africano, a resposta também é pronta: “Naturalmente que sim”.

“Eu costumo dizer aos guineenses que não sou só guineense, eu sou um europeu com coração africano”.

Francisco Ramos diz que gosta muito “desta terra”, mas repete o que diz sempre aos amigos: “Para aguentar esta situação da Guiné, não é só gostar da Guiné, temos de amar a Guiné”.