Este evento "terá acabado no final da década de 50 [do século XX]. Foi quando mudámos de padre na freguesia. O padre que entrou era mais voltado para as questões da lógica e da ciência. Não era muito apologista das coisas mais pagãs e dos ritos que se materializavam nesta festa”, disse hoje à agência Lusa o diretor dos Gaiteiros de Bravães, Rafael Freitas.
A romaria, que a associação quer agora relançar, foi “proibida pela componente pagã e pelo conflito que gerava entre as freguesias vizinhas”. Desde então, as portas do templo foram “fechadas à chave” e a “degradação” tomou conta do imóvel, “referenciado nas memórias paroquiais do século XVIII”.
“Já nessa altura se aludia à necessidade de obras”, vincou Rafael Freitas.
Além de “retomar tradições perdidas”, o relançamento da festividade pretende alertar para a importância da recuperação daquele património “singular”.
“A estrema das duas freguesias é exatamente a meio da capela. A porta pertence à freguesia de Lavradas e o altar à freguesia de Bravães. O adro é muito pequenino. É uma coisa muito pitoresca”, adiantou o diretor do grupo Gaiteiros da Bravães.
A “prática, na hora da missa, de dar leite de mãe e filha aos bebés, para curar a gota ou outras maleitas”, está entre os rituais associados àquela romaria e que levaram o pároco da altura a pôr fim aos festejos.
“Tinham de arranjar uma mãe e filha que tivessem tido bebés e estivessem a amamentar, ou uma vaca e uma vitela, uma ovelha e a cria (…) Isso fazia-se à mesma hora da missa. Esta compatibilidade entre o pagão e o religioso não agradava ao padre que acabou por proibir a festa”, explicou.
A iniciativa de retomar a romaria, celebrada na quinta-feira da Ascensão [que celebra a subida de Jesus Cristo aos céus, 40 dias depois da ressurreição], surgiu no seio do grupo de Gaiteiros de Bravães, que, para além da componente musical, associada à gaita de foles, “está atento a manifestações culturais e tradições perdidos e ajudar à sua reativação”.
“As pessoas mais velhas ainda têm memórias das mães a porem os peitos à mostra para dar o leite. Ainda hoje, na quinta-feira da Ascensão, a minha mãe tem alguns rituais: come sempre um pão com uma moeda dentro, deixada no ano anterior, para que no ano seguinte não falte nem comida na mesa, nem dinheiro na carteira para enfrentar as adversidades que possam surgir”, explicou.
O “pão é embrulhado com uma moeda dentro e o que ninguém consegue explicar é como é que nunca ganha bolor”.
“Fica imaculado. Obviamente que fica duro, mas as pessoas desfazem-no em sopa de leite e comem na quinta-feira da Ascensão. A minha mãe e outras pessoas da comunidade fazem isto religiosamente”, frisou, referindo que se naquele dia chover é pronuncio de “um ano agrícola fértil e com abundância”.
O relançamento da festa começou a forma nas aulas de fabrico artesanal da gaita-de-foles de Bravães, para assinalar o fim do curso, na próxima quinta-feira.
Além de transmitir o ofício de construção do instrumento, desenvolvido há meio século naquela aldeia de Ponte da Barca, no distrito de Viana do Castelo, a formação ensina os alunos a tocar a gaita-de-foles típica de Bravães.
Os instrumentos construídos pelos alunos são réplicas de uma gaita produzida em 1950 por um construtor da freguesia, Emílio de Araújo.
O instrumento original integra o espólio do Museu de Etnologia de Lisboa e está documentado nas recolhas do etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira, entre anos de 60 e 63.
As réplicas construídas pelos formados vão ser benzidas na quinta-feira, a partir das 20:00, na capela de São Gregório. O programa de relançamento da festa inclui ainda um baile, animado pelas gaitas-de-foles e bombos, e um jogo de puxar à corda, envolvendo os habitantes de cada freguesia.
“Quem puxar mais vai ficar responsável por organizar a romaria de São Gregório no ano seguinte e por gerir a capela durante um ano. É uma forma de tentar chamar a atenção. Se o restauro não acontecer vai acabar por ruir”, lamentou.
A organização vai promover uma “espécie de quermesse”, com comes e bebes para angariar fundos que permitam salvaguardar aquele património que pertence à comissão fabriqueira.
“Temos a expectativa de ajudar a recuperar a igreja, mas não temos legitimidade legal para o fazer”, afirmou Rafael Freitas.
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