A lei estabelece que os utentes – qualquer pessoa que recebe cuidados de saúde – são os donos da informação médica e os estabelecimentos de saúde, hospitais, centros de saúde ou clínicas, são meros depositários. O prestador do serviço, público ou privado, não pode por isso "recusar, condicionar ou dificultar por qualquer forma" o acesso a esses dados.

Mas a realidade viola a lei. Só este ano, entre janeiro e dia 20 de agosto, a Entidade Reguladora da Saúde recebeu 1.241 queixas. De acordo com a ERS, o indicador que identifica estas situações, “direito de acesso ao processo clínico/informação de saúde”, pode incluir inúmeros motivos, entre os quais a recusa de acesso. Mas são sempre constrangimentos e, nos últimos cinco anos, ou seja, desde 2020 até à última terça-feira, recebeu 11.716 reclamações.

A grande maioria dos casos, que, apesar de tudo, têm vindo a diminuir, diz respeito ao sector público: 921 este ano (8.794 desde 2020) e prendem-se, sobretudo, com situações de internamento. Mas também há queixas do privado: 296 este ano (2.744 desde 2020). O sector social é o que regista menor número de queixosos: 24 este ano (178 desde 2020).

A ERS diz que "está atenta" a estas situações e, neste âmbito, emitiu em 2023 um "Alerta de Supervisão" e instaurou processos de inquérito "visando diversos prestadores de cuidados de saúde".

No alerta em causa, a ERS recorda que o pedido dos elementos do processo clínico pelos utentes não tem de ser efetuado em consulta com o médico, "nem a este compete a sua disponibilização", mas sim junto do prestador (hospital, centro de saúde ou clínica), a quem cabe a entrega, "livre e gratuita", "plena e célere", dos referidos elementos. Que, aliás, "devem estar integral e permanentemente localizáveis e acessíveis nas instalações físicas, de modo a poderem ser disponibilizados". O pedido de acesso a estes dados pode ser feito presencialmente ou por email.

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O prestador que dificulte ou crie obstáculos ao acesso do utente ao seu processo clínico está a violar a lei - o acesso pode apenas ser negado em circunstâncias muito excecionais, "devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso pode ser prejudicial" para a pessoa, explica a ERS.

Se o direito de acesso à informação de saúde for negado ou condicionado ao utente fora das circunstâncias excecionais aqui referidas, o utente pode apresentar reclamação diretamente junto da unidade do SNS em questão, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ainda na Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

A lei diz mesmo que o acesso ao processo clínico é efetuado direta e livremente pelos utentes, sem qualquer intermediação ou condicionamento, não cabendo ao prestador recusar, condicionar ou dificultar por qualquer forma o acesso à informação de saúde. Mais: "Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua retificação e atualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei”.

Acontece que dificilmente é possível ter acesso à informação clínica sem recorrer a um intermediário, seja ele físico (por exemplo, um hospital) ou digital, como é o caso da App SNS 24, que permite consultar boletim de vacinas, receitas, guias de tratamento ou exames, entre outros.

No entanto, no que diz respeito a exames, a verdade é que nem todos estão disponíveis. O utente poderá ter acesso a relatórios, mas não a Raio-X, TAC (Tomografia Computorizada) ou RM (Ressonância Magnética), uma vez que o sistema não comporta o peso daquilo que seriam milhões de imagens a ocupar espaço numa base de dados.

O que leva a outro problema que o SNS terá de enfrentar. É que no dia 24 de abril deste ano, o Parlamento Europeu aprovou o regulamento que vai permitir que médicos e hospitais dos 27 Estados-membros tenham acesso à ficha clínica de qualquer cidadão europeu. A medida entra em vigor dentro de dois anos.

O SAPO24 perguntou à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, como será feita esta partilha alargada com os restantes países da União Europeia, quando o acesso a esta informação em Portugal se revela ainda tão difícil. Até à hora de publicação desta notícia não obteve qualquer resposta.