Semanas depois de derrotar o seu antigo primeiro-ministro, Manuel Valls, na segunda volta das primárias do PS gaulês, Hamon veio a Portugal. Queria talvez para perceber como é que partidos tão díspares, que vão do centro à esquerda longínqua, se conseguiram entender num governo com provas de saúde.

Em Paris terá uma missão semelhante. É que depois de cinco conturbados anos no poder, o Partido Socialista francês está faccionado. Num dos lados está o grupo mais conservador, mais centrista; no outro está a esquerda possível dentro de um partido socialista. Se a "geringonça" gaulesa parece impossível (porque lhe fugiram as peças), dá para arranjar uma "caranguejola" com o que sobra?

As primárias opuseram duas visões distintas do que é ser socialista. De um lado, encabeçados por Manuel Valls, o primeiro-ministro de Hollande, que se demitiu para concorrer à presidência depois de o atual chefe de Estado anunciar a não recandidatura (motivado pelos mais baixos níveis de popularidade de qualquer presidente da Cinquième République), os que defendem o mundo dos negócios, dos mercados e da segurança, que têm estado no poder nos últimos cinco anos. Do outro, encimados por Benoît Hamon, aqueles aguerridos da esquerda firme. Ganharam estes últimos.

O confronto é entre duas visões diferentes para o PS: assumir finalmente a via neoliberal ou criar uma nova identidade de esquerda? O país virou à direita. Daí que haja quem, como Manuel Valls, procure uma aproximação mais ao centro, a construção de umas políticas que acolham os eleitores indecisos que povoam o limbo do extremos.

Esse lugar intermédio, contudo, está firmemente assumido por Emmanuel Macron, antigo ministro socialista de 39 anos, que leva a sua “Marcha” num caminho que diz não ser “nem de esquerda nem de direita” - e a quem, aliás, as sondagens dão como vencedor certo no final da corrida.

Todavia, o lugar do extremo esquerdo também já tem dono. Jean-Luc Mélenchon, que começou a carreira política com os socialistas, porém, aos 65 anos, é agora líder de um movimento autointitulado “populista”, de extrema-esquerda, que consistentemente ultrapassa o PS nas sondagens.

Com estas perspetivas, em janeiro, os socialistas franceses foram às urnas escolher o seu representante na corrida presidencial. Foram escolher um sucessor para François Hollande. Mas tiveram o cuidado de escolher alguém diametralmente oposto; alguém que pudesse ressuscitar a popularidade ao partido; alguém que pudesse vencer. Por agora, dizem as sondagens, fizeram mal a escolha e arriscam-se a ficar em quinto lugar na primeira volta, a 23 de abril, e por isso sem hipóteses de disputar a segunda volta com a já há muito certa Marine Le Pen, candidata da extrema-direita.

Antigo ministro da Educação de Valls, Benoît Hamon, de 49 anos, vem da ala mais à esquerda do PS. Nas primárias do partido, em janeiro, classificou-se em primeiro lugar nas duas voltas. Um rebelde outsider, como lhe chama o ‘The Guardian’, Hamon propõe um rendimento básico universal de 750 euros para todos os franceses, legalizar a canábis e taxar os robôs que substituam humanos.

Hamon nasceu na cidade medieval de Saint-Renan em 1967. Viveu durante algum tempo em Dakar, no Senegal, para onde o pai, François Hamon, foi trabalhar. “O Benoît conhece o mundo do trabalho muito bem”, disse François numa entrevista. “Ele sabe de onde vem e não o esqueceu”. Benoît, diz o pai, vem de uma família que “nunca viveu com opulência”. O candidato socialista tem dois filhos.

A família de classe trabalhadora (o pai era engenheiro naval) dá-lhe o currículo perfeito para ser o candidato da Esquerda. A rebeldia completa-o.

Desde cedo com um interesse pela política, Benoît Hamon licencia-se em História e em 1987 entra para o PS gaulês. A carreira política, essa, começa-a em 1991, como assistente parlamentar do veterano socialista Pierre Brana. Dois anos depois, vai ser um dos fundadores do Movimento dos Jovens Socialistas.

De julho de 2004 a julho de 2009 foi deputado no Parlamento Europeu, pertencendo ao grupo dos socialistas. Participou em comités para os assuntos económicos e monetários, para o mercado interno e a proteção dos consumidores e em delegações para as relações com os Estados Unidos e com Israel.

Em 2008, o jovem Hamon, a quem chamavam “pequeno Ben”, aparentemente por causa da baixa estatura (1,64m), torna-se porta-voz do Partido Socialista Francês. Quando François Hollande chegou à presidência, em 2012, Benoît Hamon foi nomeado ministro das Finanças, até ser conduzido para a Educação.

Benoît Hamon foi, então, ministro da Educação do presidente François Hollande durante 147 dias, em 2014. Deixou o governo depois de criticar publicamente a orientação social-liberal da dupla Hollande-Valls. Desde então, tornou-se uma das mais emblemáticas figuras do movimento dos ex-ministros que não está com a maioria socialista no poder em França. Com ele saíram Arnaud Montebourg, o ministro da Economia, e Aurelie Filippetti, da Cultura, depois de não terem conseguido convencer Hollande a terminar as políticas de austeridade.

Depois de umas primárias em que surgia como um dos menos cotados, surpreendeu vencendo. Cabe-lhe a missão de unir um partido dividido (Manuel Valls é um dos que já anunciaram apoiar o independente Emmanuel Macron em vez do candidato do partido de que fazem parte).

As sondagens condenam-no a uma derrota humilhante. Perde Hamon, perdem as suas ideias e, sobretudo, perde o Partido Socialista. Todavia, nas primárias, também ninguém acreditava nele - e a verdade é que ganhou.

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