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Num tempo em que a desinformação circula com velocidade e confiança, distinguir ciência de pseudociência tornou-se uma competência essencial. Para David Marçal — doutorado em Bioquímica pela Universidade Nova de Lisboa, divulgador de ciência e autor do livro "Pseudociência" — o ponto de partida é simples: perceber que nem tudo o que tem "ar científico" é realmente ciência.

"A pseudociência é tudo o que se faz passar por ciência, mas não é. É um produto, serviço ou teoria que diz ter um fundamento científico, mas que não resulta da aplicação válida de métodos científicos", explica ao 24notícias. "De certa forma, imita a estética da ciência".

Para o bioquímico, a homeopatia é um dos melhores exemplos para ilustrar este conceito. À semelhança de muitas terapias alternativas, apresenta-se como medicina, mas não assenta em métodos científicos válidos. Baseia-se em alegações que não correspondem ao que a evidência demonstra sobre eficácia e segurança.

Mas está longe de ser o único caso. O negacionismo das alterações climáticas é outro dos exemplos que funciona com argumentos de natureza pseudocientífica.

"Podemos ter algumas dúvidas sobre o que vai acontecer, e temos. Como disse o físico Niels Bohr, 'é sempre difícil fazer previsões, especialmente acerca do futuro'. Mas, no que toca aos factos essenciais, não existe uma segunda corrente científica a contrariar a conclusão de que o planeta está a aquecer devido às emissões de gases com efeito de estufa resultantes da atividade humana", afirma.

Outro caso particularmente grave, com impacto direto na saúde pública, é a crença de que as vacinas causam autismo: "É completamente pseudocientífica e é um excelente exemplo de desinformação".

A estratégia da credibilidade

Para ganhar credibilidade, as pseudociências recorrem quase sempre aos mesmos truques. Segundo David Marçal, o primeiro é a invocação de figuras de autoridade — falsos especialistas, gurus ou “cientistas” autoproclamados que garantem a eficácia de um método apenas com o peso do seu nome. É exatamente o oposto do que acontece na ciência.

"A ciência não se baseia na palavra de ninguém e não se baseia em figuras de autoridade. Baseia-se em provas".

O segundo truque é o vocabulário. Muitas pseudociências vestem-se com termos científicos usados fora de contexto para impressionar — palavras da física quântica, genética ou neurociências.

"No fundo, é pegar em alguma área da ciência que pareça suficientemente poderosa e misteriosa para tentar explicar o inexplicável", diz.

O papel da internet

Questionado sobre o papel das redes sociais na amplificação da pseudociência, David Marçal admite que estas plataformas podem ter aumentado o alcance dessas vozes.

“As redes sociais criam estrelas, mas não têm curadoria”, explica. “O único critério é a popularidade, o que significa que não existe qualquer filtro editorial. Quem se destaca é apenas quem consegue gerar interações, subscrições e partilhas.”

Os meios digitais facilitam o surgimento e a projeção de figuras que antes se faziam ouvir através de meios mais competitivos, como a televisão e os livros. O bioquímico sublinha, contudo, que essas figuras sempre existiram, mas agora os mecanismos online permitem que ganhem notoriedade de forma muito mais rápida e abrangente.

No entanto, o desafio de limitar a desinformação sem restringir a liberdade de expressão é talvez um dos maiores do século. Nesse campo, David Marçal defende cautela.

“Tudo o que significa limitar a liberdade de expressão tem que ser feito com cuidado”, alerta, lembrando o risco de que, em nome do combate à desinformação, se acabe por censurar vozes com as quais se discorda.

"Diria que será legítimo quando há interesses públicos muito relevantes em causa, como por exemplo, a saúde.  Acho que há alguma legitimidade se estivermos a falar de uma crise sanitária, como as vacinas da Covid-19. Estamos a falar de salvar vidas humanas, de proteger os mais frágeis e de facto, limitar a propagação de desinformação".

Ainda assim, ressalva, é preciso encontrar um equilíbrio, para que a limitação não se torne censura injustificada, preservando sempre o valor da liberdade de expressão.

A resposta está na cultura científica

Para David Marçal, a melhor forma de combater a pseudociência é fortalecer a cultura científica. Esta não consiste numa crença cega na ciência, nem em acreditar que ela resolve todos os problemas por si só, mas sim em ter uma relação de proximidade e compreensão do método científico.

Cultura científica significa conhecer como o conhecimento científico é gerado, perceber que ele não depende de figuras de autoridade, e conseguir relacioná-lo com outros saberes, avaliando o seu papel na sociedade, na economia, na saúde e no bem-estar.

"É ter alguma relação de proximidade com a ciência. Não significa ser especialista em todas as áreas da ciência, ninguém é", afirma.

A escola também falha

Também as escolas em Portugal têm um longo caminho a percorrer na formação de uma verdadeira cultura científica, de acordo com David Marçal.

O ensino experimental, fundamental para compreender que a ciência se baseia em provas e não em opiniões de autoridades, recebe pouco peso nas salas de aula. A maior parte dos alunos tem acesso limitado a experiências práticas, e a comunicação da ciência tende a focar-se mais em factos e conhecimentos atuais do que no processo de construção do saber científico.

O cientista dá um exemplo prático: a teoria da evolução das espécies, proposta por Charles Darwin, só é abordada de forma completa muito tarde no ensino, geralmente no 11º ano e apenas para turmas de ciências.

"Como é que é possível mencionar biologia sem perceber a teoria fundamental de toda a biologia?", questiona. "É incompreensível e demonstra alguma desvalorização da cultura científica pelos programas curriculares".

Sinais de alerta

Questionado sobre critérios simples para identificar uma afirmação pseudocientífica, David Marçal alerta que não existe um atalho: é preciso alguma cultura científica para distinguir o que realmente resulta da aplicação válida do método científico. Ainda assim, há sinais de alerta que ajudam a desconfiar.

"Tudo aquilo que se baseia numa pessoa ou no nome de uma pessoa tem uma grande probabilidade de ser pseudociência", afirma.

Ao contrário das grandes descobertas científicas, desenvolvidas por equipas de investigadores muitas vezes desconhecidas do público, a pseudociência tende em apoiar-se em figuras de autoridade como garantia.

Outro sinal é o uso de linguagem científica fora do contexto. Palavras da física quântica ou termos como "energia" no plural aparecem frequentemente em pseudociências para impressionar, sem qualquer fundamento real.

A ciência não se baseia em gurus ou nomes reconhecidos, mas em provas e métodos verificáveis. O resultado é um discurso que parece sofisticado e convincente, mas cuja validade se apoia apenas na reputação de quem o promove.

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