Após o encontro com a comissão independente que recolheu os testemunhos das vítimas de abusos sexuais, os bispos, em conferência de imprensa, pediram "perdão às vítimas", prometeram de "tudo fazer para que os abusos não se voltem a repetir", anunciando depois algumas medidas que vão tomar, como o apoio às vítimas.
“As feridas infligidas às vítimas são irreparáveis. Garantimos que terão o nosso acolhimento e vamos disponibilizar o devido acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico. As estruturas já existentes, criadas em cada diocese e a nível nacional, serão o local para acolher e acompanhar, e as dioceses assumem o firme compromisso de dar todas as ajudas necessárias para que tal aconteça. Nunca enjeitaremos as nossas responsabilidades e comprometemo-nos ainda a encetar contactos com as instituições que já estão no terreno, para sermos parte da resolução desta problemática que é transversal a toda a sociedade”, começou por dizer Manuel Barbosa, porta-vos da Conferência Episcopal Portuguesa, agradecendo às vítimas as denúncias que fizeram.
“Reiteramos o nosso profundo agradecimento a todas as vítimas que deram o seu testemunho ao longo do último ano e, em muitos casos, a um silêncio guardado durante décadas. Sem vós, não teria sido possível chegar ao dia de hoje”.
Quanto aos nomes dos alegados abusadores, revelados pelas vítimas, a CEP salientou que a lista terá o seu "seguimento".
“A lista com o nome dos alegados abusadores, hoje entregue pela Comissão Independente, terá o devido seguimento por parte dos Bispos Diocesanos e Superiores Maiores segundo as normas canónicas e civis em vigor”.
Após a leitura do comunicado, D. José Ornelas, Bispo de Leiria e de Fátima, respondeu a algumas perguntas, confirmando uma nova comissão, dentro da igreja, para receber denúncias. "Está prevista uma comissão articulada com o grupo específico dentro da coordenação nacional. Terá uma independência, mas em contacto direto com a coordenação nacional”, disse, admitindo também que sem a identidade das vítimas será "difícil" investigar.
"Não é apenas aquilo que alguém pode dizer. Tem de haver uma base sólida também para julgar a moralidade e a ética das decisões que se tomam. Ninguém é acusado nem ninguém é culpado antes de isso ser transitado em juízo. Aquilo que nós temos é de encontrar esses casos e ver, realmente, a verdade dos factos. Se não há um acusador que tenha nome, a quem se possa contactar, não basta dizer que aconteceu isto. Só com a lista dos nomes, se não tivermos outros dados, sem saber quem denunciou, porque é que denunciou, é muito difícil", disse, comparando depois com o que acontece na Procuradoria-Geral da República: "Quando a PGR encontra dificuldades em tratar a maior parte dos casos que lhe chegam porque não tem elementos suficientes…”.
Pedido público de perdão
Na mesma conferência de imprensa, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou também a realização de um gesto público de pedido de perdão às vítimas de abuso sexual na Igreja em abril, em Fátima, no decorrer da próxima Assembleia Plenária do episcopado.
“Como sinal visível deste compromisso, será realizado um memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude e perpetuado, posteriormente, num espaço exterior da Conferência Episcopal Portuguesa” acrescenta o episcopado em comunicado lido pelo secretário da CEP no final da reunião.
O documento sublinha a necessidade de “ir ao encontro daqueles que foram vítimas desta situação dramática”, às quais a Igreja diz quer “continuar a dar voz para que o seu sofrimento não fique calado”.
Sem grandes medidas concretas para fazer face aos abusos, a CEP adianta que “o processo de reflexão e discernimento iniciado vai continuar, nomeadamente na próxima reunião do Conselho Permanente e na Assembleia Plenária”, em abril.
“Reconhecemos o trabalho imprescindível das Comissões Diocesanas e da Equipa de Coordenação Nacional e propomos que sejam constituídas apenas por leigos competentes nas mais diversas áreas de atuação, podendo ter um assistente eclesiástico. São valiosas estruturas da Igreja em Portugal, agora mais aptas a responder à problemática dos abusos de menores, nomeadamente no que respeita à prevenção, formação e acompanhamento, contribuindo assim para um ambiente seguro nos espaços eclesiais”, acrescenta a nota da CEP.
Para o episcopado, “as conclusões e sugestões apresentadas [no relatório da Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht] estão a ser tidas em conta” e será feito “tudo o que for necessário, com firmeza, clareza e determinação, para uma cultura de cuidado e proteção dos menores e adultos vulneráveis”.
“Entre outras resoluções, procederemos à revisão das diretrizes da Conferência Episcopal e dos planos de formação dos seminários e de outras instituições, bem como a conveniente preparação de todos os agentes pastorais”, asseguram os bispos.
Quanto às vítimas de abusos, a hierarquia da Igreja Católica deixa “uma palavra de coragem” às “que ainda guardam a dor no íntimo do seu coração para que possam ‘dar voz ao silêncio’”.
“Estamos disponíveis para acolher a vossa escuta através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, acrescenta.
Os bispos manifestam, ainda, “’tolerância zero’ para com todos os abusadores e para com aqueles que, de alguma forma, ocultaram os abusos praticados dentro da Igreja Católica” e reconhecem “a necessidade de estruturas concretas para o seu acompanhamento espiritual, pastoral e terapêutico”.
No comunicado, é também deixado um agradecimento pelo “trabalho da Comissão Independente pedido pela Conferência Episcopal Portuguesa, que tinha desde o início objetivos e prazos definidos” e, a todos os fiéis e sacerdotes “que servem a Igreja e que neste momento sofrem com os impactos deste estudo”, é manifestada “proximidade e encorajamento, na esperança de que estas circunstâncias (…) estimulem à renovação da própria Igreja”.
Refira-se que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815, alertou desde logo que os dados “devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg'”.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período compreendido entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.
Hoje de manhã, a comissão entregou à CEP a lista dos alegados abusadores.
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