“A aprovação deste projeto de lei ameaça os nossos direitos. Todos nós, povos indígenas do Brasil, não o aceitamos”, disse o cacique Raoni, de 90 anos, em entrevista à agência AFP em Paris.

“Isso é genocídio aprovado pela Câmara dos Deputados. Isso tira-nos o direito de viver, acaba com o futuro de nossas crianças, povos indígenas e florestas”, lamentou Watatakalu Yawalapiti, líder do movimento de mulheres indígenas do Xingu.

Na terça-feira, a Câmara dos Deputados do Brasil, dominada pelo Partido Liberal do ex-chefe de Estado Jair Bolsonaro, aprovou um projeto de lei limitando a demarcação de terras indígenas. Um revés para o líder esquerdista e Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha relançado a política de proteção aos povos indígenas e à Amazónia.

Esse texto, que deve ser submetido ao Senado, estabelece que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição de 1988.

A Câmara aprovou uma tese jurídica patrocinada por fazendeiros, conhecida como “marco temporal”, perante a rejeição dos indígenas, que argumentam que não ocuparam certas terras em 1988 porque foram expulsos ao longo dos séculos, principalmente durante a ditadura militar (1964-1985).

O Brasil tem um total de 764 territórios indígenas, mas cerca de um terço deles ainda não foi demarcado, segundo dados da Fundação Nacional do Índio.

Em abril, o Governo de Lula da Silva — que se comprometeu a priorizar a preservação ambiental, após quatro anos marcados pelo forte aumento do desflorestamento no Governo Jair Bolsonaro — reconheceu seis novos territórios.

“Matar os direitos dos índios é também matar a vida do planeta, porque estamos a cuidar das florestas”, argumentou Watatakalu Yawalapiti, convocando Lula da Silva a “opor-se” a esse projeto.

Enquanto o mundo procura limitar o aquecimento global, a demarcação de terras indígenas é um grande obstáculo para um maior desflorestamento na Amazónia, a maior floresta tropical do mundo, dizem os cientistas.

Em 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal também deve emitir seu veredicto sobre o “marco temporal”, no que é descrito como o julgamento do século para os povos indígenas e as suas terras.

“Peço a união de todos para salvar a floresta. (…) Estamos a proteger a floresta para todo o mundo”, instou o chef Tapi Yawalapiti, atualmente num périplo europeu com o cacique Raoni e Watatakalu Yawalapiti para promover a consciênca da opinião pública e arrecadar fundos para a Amazónia.

O objetivo do projeto de lei, apoiado principalmente por deputados ligados ao agronegócios, é “permitir maior desflorestamento, autorizar a construção de ferrovias, maiores plantações de soja” e “produzir mais carne”, criticou Watatakalu Yawalapiti.

“Tudo o que acontece é feito em nome de gente de fora”, para produzir para a Europa e China, denunciou.

O indígena pediu um boicote a esses produtos se a situação não mudar.

“De que adianta falar em mudança climática se compramos produtos que matam povos indígenas e destroem a floresta tropical?”, concluiu.