Desde segunda-feira, em frente ao estádio Mané Garrincha, não muito longe dos símbolos do poder do Brasil, mais de sete mil indígenas, de crianças a graúdos, de 200 povos de todo o ‘continente’ brasileiro, vestidos em trajes tradicionais, combatem dois projetos de lei que dizem ser contra o seu direito natural.

“A mineração, se entrar nos territórios indígenas, vai acabar com os rios, vai acabar com as matas, vai acabar com este ar fresco”, conta à Lusa Katiry Pataxó, uma jovem de 17 do povo Pataxó Hãhãhãe.

Katiry Pataxó refere-se ao projeto de lei, que deverá ser votado para semana, que pretende regularizar a mineração e a exploração de hidrocarbonetos em terras Indígenas, de forma a aproveitar recursos hídricos para a geração de energia elétrica.

No coração do Acampamento Terra Livre, sentada com mais duas amigas, que conheceu através do projeto Meninas na Luta (Cunhatai´ Ikha~), apoiado pelo fundo da Prémio Nobel da Paz Malala Yousafzai, Katiry afirma com um ar sério: “Se a gente não lutar contra essa mineração nos territórios indígenas vai acabar com todo o Brasil”.

Mais ponderado, mas com a mesma tónica e ambição, Ewésh Waurá, do povo Yawalapiti, que habita o estado brasileiro do Mato Grosso, explica que este projeto de lei “vai mexer com a vida dos povos indígenas, vai morrer muita gente, vai haver contaminação [das águas]”.

“Todas estas coisas ruins o Governo está proporcionando”, sublinha o advogado da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), que representa os 16 povos indígenas que vivem no Território Indígena do Xingu.

Ainda esta semana, o Governo do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, falou sobre a importância da aprovação deste projeto afirmando que a exploração mineral de terras indígenas para fertilizantes é estratégica, num país que é dos maiores exportadores agroalimentares do mundo e que depende em muito da importação de fertilizantes da Rússia.

“Fertilizante é mineral estratégico e sabemos da necessidade para alimentar o mundo. É questão de segurança alimentar”, defendeu o ministro da Agricultura, Marcos Montes.

Desde que Bolsonaro chegou ao poder em janeiro de 2019, o desflorestamento anual médio na amazónia brasileira aumentou mais de 75% face à década anterior.

O segundo projeto é referente ao chamado marco temporal, uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), que poderá ser votada em junho, que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988.

Segundo cálculos do Governo, se for imposta a visão contrária ao marco temporal, devem ser delimitadas novas reservas indígenas equivalentes a 14% do território do Brasil, percentagem igual à área já ocupada legalmente pelos povos nativos.

Esta lei, defendeu o advogado indígena, “restringe o direito de posse da terra dos povos indígenas, que é garantido pela constituição federal”.

Um projeto que, a avançar, vai também ter efeito nas terras demarcadas, “porque vai haver revisão das terras demarcadas, homologadas juridicamente”, sublinhou.

Uma terra que lhes está a ser capturada desde a chegada dos portugueses, defenderam todos os entrevistados pela Lusa.

“[A nossa história] não começou em 1500, começou muito antes de 1500. Os portugueses, os europeus, chegaram e nós já habitávamos essa terra”, justificou o advogado.

Ao se aperceber que o tema é este, Melrilly Gonçalves Pereira, interrompe a amiga Katiry Pataxó e desabafa: “[A terra] só foi registada a partir de 1500, que foi quando a gente conseguiu colocar a nossa história no papel, por causa dos brancos, dos portugueses que chegaram aqui. Eles tinham o poder de colocar a nossa história no papel”, frisou.

Para as três amigas, Melrilly, Katiry, Riane Santana, com idades entre os 17 e 18 anos, a luta também é outra: o empoderamento e o papel da mulher nos movimentos indígenas.

Princípios estes que lhes estão a ser ensinados graças ao projeto ‘Meninas na Luta’ (Cunhatai´ Ikha~), apoiado pelo fundo do Prémio Nobel da Paz Malala Yousafzai, que começou em 2018 e abrange jovens oriundas de nove povos indígenas da Bahia.

“Antes a nossa voz não era ouvida”, garante Riane Santana, mas agora, sabem mais sobre a cultura e os seus direitos.

“Podemos crescer como jovens na liderança, podemos ensinar as nossas crianças a agir contra este Governo genocida [de Jair Bolsonaro], podemos adquirir conhecimento que não tivemos na escola não indígena”, justificou a jovem de 18 anos do povo Patoxó.

Graças a este projeto, as jovens indígenas tornaram-se fãs de Malala e querem seguir o seu exemplo: única menina do seu país “que lutou pela sua voz desde criança e que vem ensinando as jovens de outros povos, de outros países, a mostrarem a força da voz feminina no planeta e no Brasil”, concluiu Riane Santana.

O acampamento termina na próxima quinta-feira, estando agendadas ainda várias atividades como comícios, apresentações de candidaturas a deputados indígenas, palestras sobre direito indígena e ainda marchas até à praça dos Três Poderes, o centro de decisão do país.

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