"É a única forma que eu neste momento tenho de te ir dar um abraço". É assim, numa única frase, que Ruben Pardal caracteriza a iniciativa "Chamadas de Embalar" ao SAPO24. Criada por Ruben, Carolina Caldeira e Francisco Lacerda, esta página de instagram tem como objetivo diminuir a distância que o isolamento impôs, através da entrega de uma "mensagem a alguém na forma de uma música, cantada por um artista". Uma serenata, digamos assim.

O procedimento é simples. Acede-se à página de instagram "Chamadas de Embalar", liga-se para o número que se encontra na biografia (+351 913 841 430), dá-se o nosso nome e o nome e contacto do destinatário, deixa-se a mensagem que se quer passar e marca-se uma hora. As marcações das serenatas podem ser feitas entre as 12h00 e as 16h00, enquanto que as serenatas ocorrem entre as 20h00 e as 22h00.

O projeto irá decorrer entre os dias 6 e 16 deste mês, ou seja, só se pode começar a fazer marcações a partir da próxima segunda-feira. No entanto, já se estão a aceitar chamadas de todos os enfermeiros, polícias, bombeiros ou colaboradores de supermercados "que queiram fazer uma surpresa à equipa".

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É de alertar que o número de vagas será limitado, dado que ainda existem poucos músicos neste projeto. Até ao momento fazem parte do "Chamadas de Embalar" Beatriz Pessoa, Marinho, Vasco Completo e Ditch Days, mas Ruben conta que estão a tentar falar com mais artistas. "Estamos a ver se conseguimos mais músicos para aumentarmos esta entrega diária", que, feitas as contas, se resume a "30 serenatas por dia".

Para se conseguir "entregar o maior número de músicas possível", os músicos já têm uma "setlist [uma lista de canções] definida por eles", ou seja, estas não podem ser personalizadas. Mas, no início ou no fim da música, transmitirão a mensagem que lhes foi pedida — essa sim devidamente encomendada. Também por questões de logística, as chamadas telefónicas da serenata terão a duração máxima de cinco minutos. "Era mesmo muito giro que conseguíssemos que a pessoa dedicasse uma música, isso era muito importante, mas neste momento nem estamos a ponderar isso, devido à limitação da produção", confessa.

"Chamadas de Embalar" surgiu entre os três amigos depois da descoberta de uma iniciativa que também fala ao ouvido dos portugueses. Ruben, Carolina e Francisco estão sozinhos em isolamento, em regime de teletrabalho, mas sabiam que "havia espaço para acrescentar alguma coisa" e encontraram "um projeto muito giro, feito pela casa Fernando Pessoa", onde as pessoas se inscrevem numa base de dados, para receberem uma chamada de alguém a recitar um poema. Os três acharam o projeto "muito interessante" e serviu de inspiração para a criação da nova página de instagram. "As saudades já apertam (...) e já custa aqui um bocadinho esta solidão, sem poderes abraçar alguém, sem poderes dizer a essas pessoas que são muito importantes para ti. E isto vai servir para isso, para que as pessoas possam efetivamente dizer quem é que é importante para si", conclui Ruben.

Para além das serenatas, "Chamadas de Embalar" também vai ter a decorrer uma angariação de fundos para o Centro Hospitalar  Universitário de Lisboa Central e para o Centro Hospitalar Universitário de São João, onde se aceita "qualquer valor que as pessoas possam dar". No final da ação, independentemente do valor reunido, o mesmo será entregue "a algum fundo destes dois hospitais".

"Isolados, mas unidos e juntos"

Quem também está a procurar diminuir as distância do isolamento é um grupo de vizinhos do Largo Curso Silva Monteiro, no Porto, onde existem cerca de quatro prédios, cujas varandas e janelas estão viradas umas para as outras.

Depois da iniciativa de aplaudir os profissionais de saúde ter tido um "sucesso inacreditável" no largo, Leonor Cabral, juntamente com o namorado e um grupo de vizinhos dos vários prédios, tiveram a ideia de passar uma música todos os dias às dez da noite para os vizinhos. Tudo começou com uma folha de papel, que foi colocada por baixo da porta dos vizinhos, cujos apartamentos davam para o largo.

A informação no papel era clara: se os vizinhos quisessem saber qual seria a dinâmica dessa noite teriam de enviar uma mensagem para o telemóvel de Leonor com a palavra "largo". "Passado dois dias, já tínhamos 50, 60 mensagens", conta ao SAPO24. "A ideia inicial era fazermos qualquer coisa, mas depois, também como começámos a perceber que isto ia mesmo acontecer e ia durar algum tempo, a forma mais fácil era pôr uma música todos os dias e começámos logo com o 'Porto Sentido' do Rui Veloso".

Com os amigos e familiares a pedirem vídeos do que se estava a passar no largo, foi criada a página de instagram, "asdeznolargo", que, atualmente, com apenas 24 publicações, conta com quase nove mil seguidores. "Neste momento até já recebemos mensagens de todos os cantos do mundo a dizer que as pessoas ficam ansiosamente à espera das dez da noite para saber qual é que é a música, nomeadamente imigrantes portugueses, que estão lá fora e também querem beber um bocadinho de Portugal", afirma.


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O mote é simples: passa-se apenas uma música, de um artista português e tem de fazer esquecer o coronavírus. "A ideia é mesmo distrair um bocadinho do tema dentro do possível, por isso é que já tivemos de dizer que não aos próprios artistas", conta Leonor, que diz já ter recebido mensagens de alguns artistas a sugerir músicas de sua autoria. "A maior parte são muito ligadas aqui ao assunto coronavírus e não é de todo essa a ideia", confessa.

Por outro lado, já conseguiram que outros artistas "mandassem uma nota introdutória, uma mensagem de esperança para os vizinhos do largo", antes de a música começar. Entre eles, estão Pedro Arbunhosa, José Cid, António Zambujo, César Mourão ou Jorge Gabriel.

A razão para ser apenas uma música reside no facto de não se querer "quebrar" a "privacidade das pessoas". "Achámos que uma música marcava de alguma forma aquele momento do dia", explica. Assim, "são cinco minutos de união entre todos, embora isolados, mas unidos e juntos". E garante que os vizinhos estão a aderir em força. "Noite após noite, toda a gente vem à janela e arranjam formas de aprimorar o cenário", colocando nas varandas "luzinhas de natal", "bandeiras de Portugal" ou "tecidos com mensagens escritas".

O grupo de vizinhos do Largo Curso Silva Monteiro não fala de planos futuros, mas garante animar as próximas noites de isolamento, às 22h00. E, para quem quiser surpreender alguém, aceitam-se pedidos de "parabéns".

Entre as músicas em que unem toda a vizinhança ou para aqueles que preferem um momento mais intimista, as ideias destes dois projetos podem mudar este tempo de pandemia. Seja de que forma for, com os vizinhos do Largo ou com as serenatas, estas são algumas maneira de, por cinco minutos, matarmos a saudade e nos esquecermos do isolamento.

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