Palavras que foram proferidas por Jerónimo de Sousa na alocução fúnebre de Jaime Serra, que morreu na quarta-feira, com 101 anos, momentos antes do final da cerimónia de cremação no cemitério do Alto de São João em Lisboa.

Perante centenas de pessoas, entre as quais a quase totalidade dos membros do Secretariado e da Comissão Política do PCP, Jerónimo de Sousa fez sobretudo, em pouco mais de 10 minutos, uma breve síntese das décadas de luta de Jaime Serra contra o regime de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano até ao 25 de Abril de 1974.

Jaime Serra nasceu em 1921 em Alcântara, no concelho de Lisboa, e era militante do PCP desde 1936. Em 1937, com apenas 15 anos, foi preso pela primeira vez. Ao longo da sua vida, foi protagonista de algumas das mais espetaculares ações de combate à ditadura.

“Estamos aqui, hoje, para nos despedirmos de Jaime Serra, um revolucionário de corpo inteiro, combatente corajoso, firme e decidido. Um revolucionário que, em muitos momentos difíceis da vida do nosso partido e da luta do nosso povo, foi capaz de enfrentar as mais inauditas situações e os maiores perigos. Enfrentou-os sempre sem por um momento quebrar ou desistir”, declarou Jerónimo de Sousa, tendo perto de si dirigentes como Francisco Lopes, Armindo Miranda, João Oliveira, António Filipe, Paula Santos, Margarida Botelho, entre outros.

O secretário-geral do PCP destacou Jaime Serra como “um homem de ação” com “uma vida cheia”, recordando que, em virtude de circunstâncias familiares, foi forçado a abandonar os estudos e a começar a trabalhar logo aos 12 anos como servente na construção das oficinas do caminho de ferro do Barreiro.

O líder comunista referiu-se a episódios como a sua passagem pela célula do PCP no Arsenal do Alfeite, a sua participação na greve das construções navais de Lisboa em abril de 1947 e a passagem à clandestinidade nesse mesmo ano, juntamente com a mulher e com uma filha ainda pequena.

“Entre 1947 e 1958, foi preso por três vezes e por três vezes conseguiu fugir das cadeias fascistas. A quarta e última prisão ocorreu em dezembro de 1958, com a histórica posterior fuga da fortaleza de Peniche em 03 de janeiro de 1960, tendo desempenhado responsabilidades na sua preparação, organização e direção no interior da cadeia ao lado de Joaquim Gomes e de Álvaro Cunhal”, salientou Jerónimo de Sousa.

Depois de uma alusão à participação de Jaime Serra no apoio às candidaturas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado, bem como ao caráter pioneiro da sua intervenção a favor da independência das antigas colónias portuguesas, o secretário-geral do PCP procurou acentuar a vertentes de resistência física e mental e de coragem do histórico dirigente comunista.

Em junho de 1962, por via marítima, entre Lisboa e o Norte de África, participou diretamente na saída clandestina do país de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, e de Vasco Cabral, escritor e antigo vice-presidente da Guiné-Bissau.

Já entre 1971 e 1974, Jaime Serra assumiu responsabilidades na direção da ARA (Ação Revolucionária Armada) — uma organização que, de acordo com o secretário-geral do PCP, “aprofundou a crise no regime fascista e acelerou a atividade dos militares de Abril”.

“Jaime Serra foi um homem que nunca vacilou nas suas fortes convicções. O regime fascista, ao longo de décadas, não foi capaz de o vergar, apesar das contínuas e prolongadas sessões de tortura e das sucessivas prisões”, frisou Jerónimo de Sousa.

No plano partidário, além de múltiplas funções ao nível de direção antes e depois do 25 de Abril de 1974, quer no Secretariado, quer na Comissão Política do partido, Jaime Serra foi deputado à Assembleia Constituinte, esteve no parlamento até 1983 e desempenhou as funções de membro do Comité Central do PCP durante 36 anos, entre 1952 e 1988.

“A sua vida constitui um exemplo para as gerações futuras”, concluiu o secretário-geral do PCP.

Antes de Jerónimo de Sousa, José Serra, um dos seus filhos, fez um discurso que comoveu parte significativa dos presentes na cerimónia fúnebre.

“Quando o meu pai fez 74 anos, pedi-lhe uma carta em que partilhasse o seu gosto pela vida”, contou, prosseguindo:

“Pai, tu puseste mãos à obra. Aprendeste a trabalhar no computador, a processar dados e a navegar na net. Escreveste-nos várias páginas sobre a tua resistência à tortura, sobre o teu combate ao fascismo e pela liberdade. Partilhaste um século de vida plena. A liberdade é o teu legado”, declarou José Serra.

Antes da última despedida, gritou-se “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”.

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