Um homem e um género de música em perfeita simbiose confundiram-se num só durante mais de seis décadas. José Duarte, o Senhor Jazz, morreu esta madrugada. Para trás fica uma paixão por uma arte e uma vida dedicada à divulgação da música que tanto amou.

João Moreira dos Santos, autor, desde 2013, do Jazz a Dois (RTP/Antena 2) e colaborador na imprensa nacional e estrangeira (Expresso, Visão História, Blitz, A Capital, Jornal de Letras, Más Jazz e Allaboutjazz, recorda o divulgador do jazz ao SAPO24.

José Duarte era alguém que percebeu “como poucos” o jazz. Um género musical que não era de, nem de perto, nem de longe, de massas, mas era amado por ele “de paixão”. Ao jazz conseguiu “dar tudo e por praticamente todos os meios”, divulgando-o seja através da rádio, televisão, jornais, revistas, online, promoção de eventos, concertos e tudo o mais, relembrou.

“Contribuiu para catequizar diversas gerações para o evangelho de Parker, Coltrane e Ornette”, acrescentou Moreira dos Santos, um apaixonado também ele por jazz e autor de livros - Roteiro do Jazz, Josephine Baker em Portugal, Casa Sassetti, Jazz em Cascais e Jazz Na Terceira - 80 Anos De História, O Jazz Segundo Villas-Boas -, e curador de exposições sobre este género musical (na Assembleia da República, Biblioteca Nacional e Centro Cultural de Cascais).

“Cinco minutos de Jazz” é o emblemático legado deixado e transmitido ao longo de várias gerações. O programa, iniciado na Rádio Renascença, passou pela Rádio Comercial e vive e está no ar na Antena 1. O mais antigo programa durou e perdurará, tendo resistido a passagens do regime político e mudanças de estação radiofónicas.

“Cinco minutos radiofónicos diários lhe bastavam para levar o jazz a casa de todos os portugueses, como se orgulhava de fazer desde 1966”, detalha João Moreira dos Santos. Emitido a partir desse ano, “não sem a oposição de inúmeros ouvintes”, o programa radiofónico serviria de rampa de lançamento de um porta-aviões musical que elevaria José Duarte ao estatuto do estrelado, da fama e do master de divulgação. 300 segundos embalados pelo swing “1, 2, 3....1, 2, 3, 4, 5 minutos de jazz” e por um genérico pontuado pelo ritmo sincopado e contagiante de “Lou’s blues”, do saxofonista Lou Donaldson”, acentua.

“Mau aluno, mau filho (e) mau marido”. João Moreira dos Santos recupera a frase retirada da entrevista a Ana Sousa Dias, em 2004, e puxa da memória outras facetas de José Duarte, alguém que cobriu “em direto, a partir da base da NASA, em Houston, o regresso acidentado da nave Apolo XIII, ocorrido em 1970”.

Recorda o José Duarte “das palestras e sessões fonográficas sobre jazz”, o José Duarte “das exposições”, em especial na livraria Opinião, e o homem da “direção do Hot Clube de Portugal”.

Vira o disco e desvenda José Duarte, o ativista político e o opositor à política colonial portuguesa.

Destaca um episódio ocorrido no dia 29 de fevereiro de 1972. “Promoveu, no Monumental, em Lisboa, um concerto pelo quinteto do saxofonista norte-americano Steve Lacy. Antes da apresentação dos músicos, José Duarte, em discurso direto, deixou uma mensagem de apelo à mudança, ao ler, cita, “este concerto tem uma intenção dominante que é a de proporcionar novos sons a pessoas que há muito tempo ouvem a mesma música. Vamos sair daqui diferentes”, recua.

Moreira dos Santos recupera ainda o pedido de José Duarte feito à plateia antes de apresentar os músicos para “uma saudação às representações” das embaixadas do Chile e de Cuba, três meses após um incidente político que marcara a atuação de Ornette Coleman no Cascais Jazz de 1971, primeira edição do festival internacional que serviu de laboratório para o parto, tornado público, do posicionamento político e ideológico do senhor jazz, José Duarte, o homem nascido no Bairro Alto, a 23 junho de 1938, bem perto do Conservatório Nacional e que encontrou no jazz a sua “vocação”.