Carmo Belford fala ao SAPO24 à saída da apresentação feita pelo Primeiro-Ministro e Ministro da Presidência, começa por explicar que esta não foi a primeira aproximação ao Governo e o plano hoje apresentado é também o resultado de uma reunião que a JRS teve - a pedido do Governo - "há umas semanas". "Foi uma reunião em que auscultaram aquilo que é a nossa experiência, o nosso conhecimento e as nossas recomendações. Sentimos que foi um trabalho até humilde de conseguir compreender a realidade migratória e os seus desafios."
Depois da apresentação, por um lado reconhece que "este trabalho reflete este trabalho de auscultação, não só da JRS mas, seguramente, também de outras entidades." Contudo, alerta para uma exceção que a preocupa: a medida do fim das manifestações de interesse "não constava no nosso Livro Branco que publicamos anualmente". Mas não se mostra demasiado apreensiva, "uma grande parte das medidas deste plano são o reflexo destas comunicações que temos feito e que visam exatamente compilar todos os desafios acompanhados de recomendações ou caminhos."
A medida em causa permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência. Assim, a partir de agora, já não será possível a um estrangeiro com visto de turista tratar da sua regularização em Portugal, necessitando de um contrato de trabalho ou de outra solução tratada previamente na rede consular portuguesa.
Quanto a esta medida que a apanhou desprevenida diz ser "normal que o Governo queira promover os canais migratórios legais e seguros". E, inclusive, reconhece que "a manifestação de interesse atualmente era um convite à precariedade" explicando que "estávamos basicamente a dizer às pessoas para virem para cá trabalhar 12 meses sem quaisquer direitos e nós no final damos Autorização de Residência." Um problema que se agigantava uma vez que "depois estes 12 meses transformavam-se em 24, na prática. Era um hiato temporal em que as pessoas ficavam completamente destituídas de direitos."
Numa coisa Carmo Belford e o Governo concordam, "da forma como estava não poderia continuar". Mas na interpretação da JRS - e que acredita ainda ir a tempo de mudança - a solução passa por avaliar melhor a medida e a forma de a aplicar. "Tem que se ter muito cuidado com estas situações, assegurar que os consulados têm de facto resposta para emitir vistos de trabalho. Porque vai ser muito difícil que os imigrantes tenham um contrato de trabalho antes de virem para Portugal. Não é essa a realidade. E é importante complementar estas medicas com outras, como por exemplo o acesso ao IEFP".
Acerca do anúncio da criação de uma estrutura de missão para regularizar processos pendentes, estimados em 400 mil, reconhece que "vai acelerar os processos que deixam vidas em espera. Porque os direitos das pessoas são graduais conforme a fase do processo". Isto é, vão evoluindo consoante "têm autorização de residência, ou não têm autorização de residência".
E lembra que "só em 2020, pela primeira vez, o Governo concedeu direitos durante a pendência do processo, por causa da legislação adotada no âmbito da pandemia. Mas de resto, esta legislação é temporária, nem sequer é definitiva." E isso faz com que "as pessoas que têm este título de residência na mão estejam completamente desprotegidas. Não só a nível de respostas sociais, como no ensino da língua, no IEFP, na qualificação profissional, na procura de emprego e sentem-se presas durante o tempo todo". Processo que alerta "pode demorar anos".
Embora Carmo Belford não desvalorize a criação da missão porque "vai resolver essa sobrecarga das pendências", acautela que "não resolve o problema de raíz. Que é as pessoas não terem os mesmos direitos durante a pendência do processo de regularização. Sim, é preciso garantir que os processos são rápidos, mas acautelar as situações em que as pessoas estão desprotegidas dos seus direitos durante a pendência do processo."
Embora tenha encontrado algumas falhas, de modo geral está esperançosa. "Acredito que isto é um ponto de partida e que a postura do dialogo e auscultação do Governo irá permitir desenvolver ainda mais." Reconhecendo que "há algumas medidas que ainda poderão vir a ser efetuadas." Para depois alertar para a situação diária que muitos migrantes vivem: "Pouca gente sabe que uma pessoa que está em situação irregular não pode simplesmente ir à Polícia fazer queixa por algum crime de que foi vítima ou de uma situação de exploração laboral. Essas situações têm que ser acauteladas".
Para depois reiterar que está confiante na manutenção de um caminho de diálogo com o Governo porque "até agora tem sido a postura que adotou." E, por isso, volta à medida do fim das manifestações de interesse para dizer que "vamos esperar para ver como é que o Governo poderá adoptar medidas que a complementem. É a nossa principal preocupação".
No cômputo geral, e embora diga que é "preciso saber mais e mais pormenores deste plano", adianta que "tem medidas que nos parecem bastante boas." Como, por exemplo, o reconhecimento de qualificações académicas, e explica que na JRS houve "vários processos de reconhecimento de diplomas académicos e a maioria dessas pessoas está hoje a trabalhar em profissões qualificadas. Foram aproveitadas, era importante que essas pessoas pudessem reconhecer as suas qualificações profissionais e académicas para poderem ser valorizadas e integradas no mercado de trabalho".
No fim, em relação ao futuro da JRS e à relação com o Governo mostra-se otimista. "Sentimos que há uma atenção de valorizar a economia social e o terceiro setor. De trabalhar em conjunto com o terceiro setor. Essa colaboração necessita inevitavelmente de investimento, mas não nos parece que o Governo esteja a descurar essa dimensão do investimento financeiro."
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