“Tudo o que está sendo revelado (pela Lava Jato) é muito sério. A ideia que determinadas medidas económicas foram aprovadas por conta de pagamentos (…), isso significa a alienação do Estado”, declarou o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil.

A operação Lava Jato, tida como a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil, investigava inicialmente a atuação de ‘doleiros’ (pessoas que vendem dólares no mercado paralelo), mas, posteriormente, passou a investigar também a corrupção na petrolífera estatal Petrobras, envolvendo políticos e outras empresas.

O juiz brasileiro fez estas declarações à Lusa, em Lisboa, à margem do V Seminário Luso-Brasileiro de Direito, que se realiza entre hoje e quinta-feira.

Mendes referiu-se a pagamentos que teriam sido feitos a políticos para a aprovação de medidas provisórias, que beneficiaram determinados grupos ou empresas.

“É algo muito grave e, se isso for provado, isso foi uma mudança do regime democrático por dentro, a alienação do Estado para a Odebrecht, para as próprias companhias. Isso é extremamente sério e é algo que foge à nossa conceção”, referiu Gilmar Mendes, que é o atual presidente do Superior Tribunal Eleitoral (STE).

Uma das principais empresas envolvidas no escândalo de corrupção é a construtora Odebrecht e o antigo presidente da empresa, Marcelo Odebrecht – condenado a 19 anos de prisão – e os seus executivos forneceram informações as autoridades, nomeadamente sobre os subornos/corrupção que a empresa realizava entre políticos.

“Tenho a impressão que esta operação está provocando todo um debate no ambiente político, mas é algo positivo. É notório que se instalou no Brasil um quadro de corrupção sistémica e penso que a Lava Jato está contribuindo para a discussão sobre isso e para furar todo este tumor”, sublinhou o presidente do STE.

Quanto à expansão dos nomes investigados pela justiça brasileira, Gilmar Mendes disse que “há muita discussão sobre a justeza, sobre a justiça e sobre a qualidade da própria opção feita pela procuradoria”.

“Há um dado positivo, no momento em que isso se judicializa, que se coloca sob a justiça, dá a oportunidade às pessoas de fazerem a sua defesa, o contraditório, dentro de um devido processo legal e, a partir daí, as coisas esclarecem-se”, disse.

Na semana passada, com base nos depoimentos dos executivos da Odebrecht, o juiz do STF Edson Fachin mandou abrir inquéritos para investigar 98 pessoas. Entre elas, estão 39 deputados federais, 24 senadores, oito ministros, um ministro do Tribunal de Contas da União e três governadores.

Os acusados, que são possíveis candidatos presidenciais, como o senador Aécio Neves, serão investigados sobretudo por corrupção, branqueamento de capitais e falsidade ideológica (fraude) eleitoral.

“Não acredito que deste numeroso elenco de nomes muitos vão subsistir como acusados, de qualquer forma, é um ato que tem um grande impacto na vida política. Quem pode ser candidato, quem não pode candidato, quem é viável ou não para as próximas eleições (presidenciais) de 2018″, avaliou Mendes.

Gilmar Mendes também sublinhou a importância de se fazer uma reforma política e eleitoral no Brasil, que considerou “uma emergência”.

“Os partidos no Brasil são muito débeis, são pouco representativos e os artificialismos que fomos engendrando ao longo dos anos permitiram que chegássemos a 28 partidos no Congresso (Nacional). A base do Governo tem 18 partidos”, declarou.

“Eu sou uma das vozes, tenho tido um outro apoio, para que se faça, ainda que gradualmente, uma reforma política, para que não cheguemos a 2018 com o atual sistema, que agora proíbe a doação das empresas privadas, apenas pessoas físicas podem fazer doações, e com dinheiro público insuficiente”, afirmou.

Segundo o juiz, se não for feita esta reforma política/eleitoral, o Brasil estará condenado a ter eleições “com um modelo irregular de financiamento”.