O novo patriarca de Lisboa, D. Rui Valério, tomou hoje posse na Sé Patriarcal, com um discurso com um discurso que se centrou nas vítimas de abusos.
Começando por agradecer ao antecessor, Manuel Clemente, com quem trabalhou vários anos, a primeira intervenção como novo Patriarca da capital centrou-se nas vítimas de abusos na igreja.
Inicialmente, fez questão de saudar as vítimas "de todo o tipo de abusos", e depois prometeu: "Convosco carregarei o fardo do vosso sofrimento".
Disse ainda que tenciona dedicar atenção a vítimas de abusos sexuais, pedindo que estas sejam colocadas no centro das preocupações por toda a sociedade.
“O primeiro passo é uma solidariedade e compreensão”, assumiu já em declarações aos jornalistas, no exterior da Sé de Lisboa.
“Temos de proceder a uma conversão para com as vítimas. O que é que isso significa? Significa que elas verdadeiramente devem estar no centro. Só a partir da centralidade das vítimas é que podemos ter o discernimento de saber os passos a fazer”, respondeu.
Recorde-se que os portugueses tiveram conhecimento dos abusos sexuais na Igreja Católica no contexto da criação da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa.
Esta comissão iniciou o seu trabalho no dia 11 de janeiro de 2022 e apresentou resultados em forma de relatório em fevereiro deste ano, anunciando, na altura, a validação de 512 testemunhos de alegados casos de abuso em Portugal, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas.
Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.
No relatório, aquela comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais “devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’” deste fenómeno.
Na sequência destes resultados, algumas dioceses afastaram cautelarmente sacerdotes do ministério.
No dia 26 de abril, foi apresentado o Grupo Vita, criado pela Igreja Católica, para acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis.
Sublinha-se ainda que este tema esteve também na agenda da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), com o Papa Francisco a referir, a bordo do avião que o transportou de Lisboa para Roma, que: “Os pastores que, de alguma forma, não assumiram essa responsabilidade, têm de assumir essa irresponsabilidade. Depois ver-se-á de que modo, em cada um deles, mas é muito duro o mundo dos abusos”.
Um jornalista português perguntou a Francisco se tinha conhecimento do relatório da Comissão Independente, e o que deve acontecer com os bispos que sabiam de casos de abuso e não os comunicaram às autoridades.
Na resposta, o chefe da Igreja Católica lembrou que cerca de “42% dos abusos acontecem nas famílias”, sustentando que “ainda é preciso amadurecer e ajudar, para que se descubram essas coisas”.
Francisco pediu depois ajuda aos jornalistas para que “todos os tipos de abusos sejam resolvidos”, notando que o abuso sexual de menores não é o único.
O trabalho infantil e o abuso das mulheres são outros exemplos que apontou, referindo, neste último caso, a mutilação genital feminina.
“Dentro do abuso sexual, que é grave, há uma cultura do abuso que a humanidade tem de rever e converter-se”, defendeu.
Lembra-se ainda que durante a estadia do Papa em Portugal, Francisco recebeu um grupo de 13 vítimas de abusos na Igreja portuguesa, que segundo a sala de imprensa da Santa Sé, foram "acompanhados por alguns representantes de instituições da Igreja portuguesa, responsáveis pela proteção dos menores", alguns dos quais disseram depois, publicamente, que o Papa lhes pediu perdão.
Segundo o comunicado, o encontro, que aconteceu no primeiro dia da visita do Papa a Portugal para presidir à JMJ, "decorreu num clima de intensa escuta e durou mais de uma hora".
Ainda no dia de hoje, D. Rui Valério, padre há mais de 30 anos, revelou que acompanhou duas pessoas que foram vítimas de familiares e destacou a situação de uma jovem que ainda hoje apresenta dificuldades de concentração, até mesmo numa conversa comum.
Questionado sobre a formação dos sacerdotes a este respeito, respondeu que já existe. “Existe desde o princípio”, referiu, citando palavras do Evangelho, atribuídas a Jesus: “Deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino de Deus”.
“Nós aprendemos e somos formados para proporcionar a todas as pessoas vulneráveis o reino de Deus, não um reino de terror”, sublinhou.
“Acredito na cura integral, envolvendo todos os aspetos possíveis”, acrescentou, prometendo dar à igreja de Lisboa o que sempre deu como padre: presença e proximidade.
“Vou ser um bispo da estrada, um bispo da rua. Um bispo junto das pessoas. É nessa ótica que vou alinhar a minha direção”, declarou.
O novo Patriarca foi nomeado pelo Papa Francisco no dia 10 de agosto, ocupando até então a posição de bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança.
Rui Valério, que trabalhou durante vários anos como padre no Patriarcado, sucede a Manuel Clemente, que pediu a resignação por limite de idade.
O novo Patriarca tem 58 anos e é natural de Urqueira, no concelho de Ourém. Foi ordenado padre em 1991, em Fátima. Torna-se agora o 18.º Patriarca de Lisboa.
Pertencente aos Missionários Monfortinos, foi o primeiro padre português daquela congregação a ser ordenado bispo.
D. Manuel Clemente, que esteve à frente do Patriarcado de Lisboa nos últimos 10 anos, completou 75 anos no dia 16 de julho, idade prevista para a apresentação da renúncia ao lugar de titular da diocese.
*com Lusa
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