Em entrevista à Lusa, o investigador português disse que é ainda cedo para se considerar que o Presidente de Angola, João Lourenço, está a fazer uma "limpeza estrutural da corrupção" no país.
“Por enquanto não se pode afirmar que isto seja uma limpeza estrutural da corrupção em Angola; dizê-lo não elimina a possibilidade futura do Presidente Lourenço ir atrás de outros indivíduos com fortunas adquiridas de modo ilícito, mas por ora, o alvo tem sido a família dos Santos e uns poucos mais; o facto de alguns indivíduos se manterem incólumes pode criar um certo cinismo em Angola”, afirmou.
Os argumentos que dizem que "esses indivíduos têm ajudado na luta contra a família dos Santos, ou de que o Presidente pura e simplesmente não pode ir atrás de toda a gente ao mesmo tempo não mudam a análise de que isto é um conflito intensamente político e não apenas o funcionamento impessoal do Estado de direito", sustentou o professor catedrático de Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Na entrevista à Lusa através de correio eletrónico, Soares de Oliveira afirmou que "a investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) tem um impacto tremendo no estatuto internacional de Isabel dos Santos e, indiretamente, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos", vincando que "já não se trata da sua marginalização em Angola, mas de uma verdadeira ofensiva em todas as frentes com implicações legais consideráveis para Isabel dos Santos e os seus próximos".
Questionado sobre a ligação entre a Procuradoria-Geral da República e a divulgação dos documentos, uma das questões criticadas pela empresária Isabel dos Santos, o professor universitário respondeu: "Não temos informação concreta sobre a fonte deste documentos, mas não há duvida que a fuga foi conveniente para a PGR e para o poder em Luanda, já que avança de forma decisiva o ataque a família dos Santos".
No entanto, acrescentou: "Há uma diferença entre dizer isto e sugerir que é tudo uma ficção, já que as revelações são bem substanciadas através de uma impressionante documentação e trabalho investigativo, e põem em causa as origens da sua fortuna”.
Sobre o futuro da empresária, o autor do livro "Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil" considerou que isso depende das consequências legais das revelações.
"Há sempre a possibilidade de Dubai, da sua nacionalidade russa, e de contextos em que ela poderá beneficiar de alguma proteção, mas o esforço de se tornar um membro respeitável da elite internacional parece ter sofrido um grande revés", escreveu, rematando: "Mas nunca se sabe, a vida dá muitas voltas".
Concretamente sobre as contas e empresas domiciliadas em jurisdições com condições mais vantajosas (‘offshores’), Ricardo Soares de Oliveira lembrou que "toda a gente sabe que as ‘offshores’ são opacas", mas salientou que "o escândalo não é ‘offshore’, e ‘onshore’, principalmente nas grandes capitais europeias, incluindo Lisboa".
“Não é só a banca, e toda uma classe de prestadores de serviço de consultoria, contabilidade, advocacia etc. E os políticos e reguladores que deixaram tudo isto acontecer ao longo de anos, apesar de toda a gente saber o que a casa gasta há muito tempo – bastava ler as investigações que Rafael Marques foi publicando através do Maka Angola -; houve pouca curiosidade, até por parte da nossa imprensa, com raras exceções", concluiu.
O ICIJ revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
De acordo com a investigação deste conjunto de órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única acionista declarada a portuguesa Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da operadora NOS.
Os dados divulgados envolvem também o advogado pessoal da empresária, o português Jorge Brito Pereira (sócio da Uría Menéndez, o escritório de Proença de Carvalho), o presidente do conselho de administração da Efacec, Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), e Sarju Raikundalia (ex-administrador financeiro da Sonangol).
A investigação revela ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera angolana.
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