O estudo, que será divulgado na quarta-feira, tem por base as respostas de 109 diplomatas a um inquérito feito por investigadores do Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, e refere a existência de “um expressivo mal-estar quanto à gestão da carreira diplomática”.

De acordo com os resultados do inquérito, 55% dos diplomatas considera a dimensão do corpo diplomático português insuficiente ou muito insuficiente.

Contactado pela Lusa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou que “a rede externa também foi vítima da lógica de ‘ir além da troika, com corte de funcionários e encerramento de representações”.

No entanto, assegura o ministério de Augusto Santos Silva, “o atual Governo terminou com essa lógica”.

O estudo mostra que o número de diplomatas insatisfeitos é ainda maior no que se refere à repartição dos efetivos pelas categorias hierárquicas, às colocações e promoções na carreira, abrangendo mais de dois terços de quem respondeu.

Além disso, e segundo os investigadores Luís Moita, Luís Valença Pinto e Paula Pereira, verifica-se uma "tendência para a redução do número de embaixadas”, sobretudo na Europa.

Esta tendência é sentida sobretudo em relação às representações nos países-membros da União Europeia e, adiantam, é admitida a possibilidade de "encerrar cerca de 20 embaixadas portuguesas, metade das quais na Europa".

A justificação, de acordo com a mesma fonte, é permitir reduzir a concentração da rede diplomática e, ao mesmo tempo, abrir novas embaixadas noutros continentes, designadamente na África Subsaariana - mais concretamente, na Costa do Marfim e no Quénia - e na Ásia - por exemplo no Cazaquistão, no Vietname e no Sri Lanka.

Uma tendência que o Ministério dos Negócios Estrangeiros nega existir.

“Trata-se de uma sugestão dos autores do estudo, que só a eles responsabiliza”, referiu o ministério em declarações à Lusa, em reação ao estudo.

“Do lado do MNE, a tendência é para o aumento das representações no estrangeiro”, assegurou.

Entre os poucos diplomatas que consideram o atual número de representações bilaterais como “excessivo” (4,6%), a maior parte pensa que haveria vantagem em reduzir as representações na Europa.

A relação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros também não é vista com os melhores olhos.

Quase metade dos diplomatas diz sentir falta de instruções centrais relativas às posições a assumir na sua prática diplomática.

“Embora isso possa ser compreensível, há que reconhecer que constitui um problema, na medida em que pode proporcionar atitudes negativas como, por exemplo, improvisação por falta de domínio dos dossiers ou então seguidismo em relação às posições de outros países”, consideram os investigadores do Observatório no estudo, hoje apresentado.

Para o MNE, estas opiniões, como todas, “devem ser atentamente consideradas”.

No entanto, questiona, “teria sido possível a Portugal mudar completamente a maneira como era percecionado na União Europeia e ganhar todas as eleições internacionais a que concorreu, incluindo para secretário-geral da ONU e diretor-geral da OIM [Organização Internacional das Migrações], se não houvesse instruções claras do chefe da diplomacia?”

Por outro lado, a quase totalidade dos diplomatas considera que as embaixadas portuguesas têm falta de recursos no que diz respeito a pessoal, equipamento, comunicações e financiamento.

Para oito em cada dez inquiridos (83%), a remuneração em Portugal é o “fator mais frustrante” do trabalho, seguido das condições de exercício profissional e das dificuldades para a vida familiar.

O estudo faz uma comparação das remunerações máximas e mínimas das carreiras especiais da Administração Pública no ano 2018.

Em termos de valores máximos, os diplomatas são quem tem o limite menor, ficando nos cerca de 4.300 euros, abaixo dos 5.000 dos militares, dos 5.400 dos docentes do ensino superior e dos 6.100 dos magistrados.

Nas remunerações mínimas, apenas os militares ganham menos que os diplomatas. Os representantes do país ganham um mínimo de 1.600 euros, abaixo dos docentes do ensino superior, que não auferem menos de 1.630 euros, e muito abaixo do salário mínimo dos magistrados, que fica acima dos 2.500 euros. Os militares ganham um valor mínimo de 583 euros.

No ano passado, como lembra o estudo, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses pediu transparência dos abonos para quem está em serviço no estrangeiro e lembrou que diferentes países e diferentes cidades têm custos de vida muito díspares, defendendo ainda um abono diferenciado para quem trabalha em situações de insalubridade, isolamento ou em zonas de conflito.

Os investigadores acrescentam ainda que a última atualização dos abonos por serviço externo foi feita em 1994 e que o Ministério dos Negócios Estrangeiros representa apenas 0,6% do Orçamento de Estado.

Apesar das queixas dos diplomatas, a perceção dos portugueses verificada no inquérito é que esta profissão é demasiadamente bem paga (para quase metade dos inquiridos) ou adequadamente paga (para 22%).