A comunicação social foi hoje convocada para o Palácio de Belém com perto de uma hora de antecedência, sem que fosse revelado o tema de que o Presidente da República iria falar.

Na sua intervenção inicial, de cerca de dez minutos, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma exposição cronológica sobre correspondência encontrada no servidor da Presidência da República sobre o caso das gémeas residentes no Brasil que receberam no Hospital de Santa Maria um tratamento com um dos medicamentos mais caros do mundo.

"Há um mês, salvo erro no dia 4 de novembro, pela primeira vez me foi colocada, assim de chofre, a questão de saber se tinha tido alguma intervenção — e qual intervenção — no processo de duas gémeas num tratamento complexo no hospital Santa Maria", começou por dizer o presidente da República.

Marcelo referiu também que lhe foi perguntado se tinha tido "algum tipo de contacto com um filho meu, Dr. Nuno Rebelo de Sousa, ou qualquer outro elemento de família sobre a matéria. E a minha resposta foi que, francamente, não me recordava".

"Na sequência disso, mandei apurar, aqui na Presidência da República, tudo o que pudesse existir de registos ou arquivado sobre esse tema. Foi uma matéria laboriosa, porque implicou saber se elementos da Casa Civil tinham tido interferência ou não, depois até que ponto é que eu tinha tido alguma intervenção e qual, em que termos é que isso tinha acontecido, o mais exaustivamente possível", assegurou.

Referindo o dia em que a Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito contra desconhecidos, Marcelo adianta agora que no dia de hoje comunicou a este organismo tudo o que foi apurado.

"Hoje estou em condições de dizer aquilo que foi possível apurar exaustivamente quanto a factos que ocorreram há quatro anos e num ano particularmente intenso da vida política e da minha vida pessoal", assegurou, referindo a questão da formação e tomada de posse do Governo constitucional e de uma operação "a vasos sanguíneos" que realizou.

"Apurou-se que no dia 21 de outubro [de 2019], o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, o meu filho, me enviou um email em que dizia que um grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar que elas fossem tratadas em Portugal", conta.

Segundo o presidente da República, esse grupo de pessoas falou com o Hospital Dona Estefânia, que comunicou que o Hospital Santa Maria seria o mais indicado para responder se seria ou não possível fazer-se o tratamento das duas crianças.

"Não tinham resposta de Santa Maria e o Dr. Nuno Rebelo de Sousa dizia [no email]: 'é possível saber se há resposta possível ou não sobre a matéria?'".

"No mesmo dia, eu despachei para o chefe da Casa Civil nos seguintes termos: 'será que Maria João Ruela, que era na altura assessora para assuntos sociais, pode saber do que se trata?'", recorda.

Depois deste contacto, o chefe da Casa Civil "deu no dia 23, a seguinte resposta ao Dr. Nuno Rebelo de Sousa: 'o processo foi recebido e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo, estando a ser analisados doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é muito limitada e depende inteiramente de decisões médicas do hospital e do Infarmed'", frisou Marcelo.

O chefe da Casa Civil comunicou por escrito a Nuno Rebelo de Sousa que "a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses, daí que não tenham sido contactados, nem é previsível que o sejam rapidamente", salientando que "o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cobre em primeiro lugar a situação de pessoas que residam ou se encontrem em Portugal" e que "os portugueses residentes no estrangeiro têm direito a ser tratados pelos sistemas de saúde dos países onde residam, nos termos das convenções de Segurança Social ou, no caso da União Europeia, da legislação europeia".

Em 31 de outubro "o chefe da Casa Civil enviou, como enviava sempre, e foram centenas, se não milhares de casos, que chegavam – para o chefe de gabinete do senhor primeiro-ministro, uma vez que era aí concentrada toda a comunicação ou correspondência a Presidência com o Governo, e para o chefe de gabinete do senhor secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, atendendo a que se tratava de portugueses residentes no estrangeiro" os dados deste caso, com a indicação habitual: "para os efeitos que entender por convenientes".

O chefe da Casa Civil ainda "enviou para o pai das crianças uma carta" a comunicar-lhe que tinha acabado de enviar essa documentação, disse.

"Termina aqui a intervenção da Presidência da República. Começa no dia 21, termina no dia 31. A partir daí não há qualquer registo, qualquer intervenção sobre a sequência do processo", concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.

Segundo o chefe de Estado, o que "fica claro é que o presidente da República Portuguesa, perante uma pretensão de um cidadão como qualquer outro, dá o despacho mais neutral e igual a que deu em 'n' casos", sem que tenha havido "uma intervenção do presidente da República pelo facto de ser filho ou não ser filho".

"Perguntarão: e depois de ter ido à presidência do Conselho de Ministros? Isso não sei. Não sei, francamente, como é que foi o que se passou a seguir, não tenho a mínima das ideias", acrescentou.

"O que se passou a seguir não sei, para isso é que há a investigação da PGR. E espero, como disse há dias, que seja cabal, para se perceber o que se passou desde o momento em que saiu de Belém", reforçou.

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que encaminhou este caso, como faz sempre, perante "milhares e milhares de pedidos" que recebe, para que se apure a situação, sustentando que "a função do Presidente também é essa, servir um bocadinho de provedor, de ouvidor".

Sobre a intervenção do seu filho neste caso, considerou que "quis ser solidário, quis apresentar, mandou o caso", disse não saber se contactou alguém do Ministério da Saúde e que parte do princípio de que não invocou o seu nome nem a relação entre os dois, o que seria "totalmente inaceitável".

Uma reportagem da TVI, transmitida no início de novembro, referia que duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, - um dos mais caros do mundo – para a atrofia muscular espinhal, que totalizou no conjunto quatro milhões de euros.

Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso.

Em declaração à TVI, o presidente da República confirmou que foram enviadas duas cartas, uma para o chefe de gabinete do primeiro-ministro e outra o gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

Numa nova reportagem divulgada na quinta-feira à noite, a TVI indica que se lê na carta enviada para o gabinete do primeiro-ministro que o tratamento com este medicamento é “a única esperança de cura” para as crianças.

O caso está a ser investigado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde e pelo Ministério Público.