Numa conversa com o jornalista e apresentador Pedro Bial, transmitida nesta segunda-feira à noite, Marcelo Rebelo de Sousa volta a admitir que Portugal venha a ter "défice zero ou superavit" em 2019 e considera que, para conseguir isso, o executivo do PS optou por "cortar nalgum investimento público".
Nesta edição do programa da rede de televisão brasileira Globo "Conversa com Bial", o Presidente da República fala da sua convivência com a chamada "geringonça", expressão que se escusa a usar, preferindo antes a designação "fórmula governativa", por sentido de Estado.
"É uma coabitação especial", afirma.
Questionado se é graças a si que a social-democracia subsiste em Portugal, responde: "Bom, eu não direi graças a mim. Direi que houve uma combinação única em Portugal de um Governo socialista apoiado por forças mais à esquerda - comunistas e Bloco de Esquerda - e, portanto, um Governo minoritário, tendo de negociar permanentemente o orçamento para ir durando a legislatura, e um Presidente que vem do centro-direita".
Esta solução "verdadeiramente obriga a um equilíbrio constante entre o Governo e a base de apoio parlamentar, e um equilíbrio entre o Governo e o Presidente da República", acrescenta.
Interrogado se a austeridade terminou ou continua de outra forma em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que o atual executivo do PS tem cumprido as exigências europeias de controlo orçamental "fazendo subir rendimento, mas cortando nalgum investimento público", contendo gastos "em infraestruturas", em "despesas de soberania" ou em "reforma no sistema social".
"Este ano, penso que podemos ter défice zero ou superavit. Para fazer isso, onde vai cortar [o Governo]? Vai cortar nalgum investimento público", refere.
Passando em revista o seu mandato, o chefe de Estado aponta a morte de mais de cem pessoas nos incêndios de 2017 como "certamente o pior momento" da sua vida, não só política, como pessoal: "Nem o desgosto da morte do pai e da mãe, três meses depois, nem outro tipo de desgosto é comparável a esse choque".
Sobre o modo como tem exercido funções, admite que "fisicamente é um desgaste brutal" a escolha de "todo o dia estar em toda a parte", mas alega que "houve presidentes mais ativos", como Mário Soares, que classifica como "um Presidente superativo".
E enquadra assim a sua intervenção: "Meu estilo é estar próximo das pessoas e, nesse sentido, eu interfiro, porque há um evento, há um drama, há uma tragédia, eu estou lá. E isso às vezes é um pouco incómodo para outros protagonistas políticos, é verdade".
Marcelo Rebelo de Sousa defende, porém, que tem atuado "respeitando sempre os limites dos poderes presidenciais" e diz que tem vetado "muito pouco" do total de diplomas que lhe chegam às mãos, sem pedir ao Tribunal Constitucional "o controlo preventivo, nunca", um dado que realça.
Nesta entrevista, reitera a sua posição a favor de um afastamento entre o cargo unipessoal de Presidente da República e a sua família. "Tenho irmãos que nunca almoçaram nem jantaram em Belém, três anos depois, porque Presidente é Presidente, família é família. E o mesmo com os netos", assinala.
Contudo, ressalva que os seus antecessores "tiveram primeiras-damas excecionais, todos", mas defende que no seu estilo isso não faz sentido. "Eu tento, além da função de Presidente, em muitos momentos, suprir a falta de primeira-dama", adianta.
Nesta conversa gravada há cerca de dois meses e meio, no Palácio de Belém, em Lisboa, o Presidente da República fala pausadamente, com um leve sotaque brasileiro, e recorda o seu breve encontro com o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em janeiro, em Brasília, à saída do qual "até disse que tinha sido um encontro entre irmãos".
"Não imagina, a esquerda portuguesa me ia comendo vivo", relata, explicando que utilizou essa expressão não por os dois pensarem o mesmo, mas porque brasileiros e portugueses são "povos irmãos".
Marcelo Rebelo de Sousa escusa-se a falar sobre a política brasileira, mas perante uma comparação entre o seu estilo e o de líderes como Bolsonaro ou o Presidente norte-americano, Donald Trump, traça diferenças face aos "chamados populistas" que "querem mais rutura do que reforma", definindo-se como "um reformista" que não quer destruir o sistema.
"Uma coisa é estar próximo do povo, mas estar mesmo - não é falar que se ama o povo, é ir passar a noite com sem-abrigo, é estar com o idoso, é estar com o pobre, não é falar no pobre", acrescenta.
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