Candidatou-se a um lugar no Parlamento Europeu e conseguiu 7,14% dos votos pelo Partido da Terra, que, pela primeira vez em trinta anos, elegeu deputados. Quatro anos depois, pelo PDR, não chega sequer aos 0,50%, com 15.789 votos. Cai quase 15 vezes. Marinho e Pinto garante que é o mesmo de sempre, e pergunta-se se os eleitores se enganaram a seu respeito em 2019, ou logo em 2014. Estas são as segundas legislativas a que concorre e serão, muito provavelmente, as últimas. Diz que já não devia estar na política e que não é profissional da mentira, como outros. Por isso quer alterar o sistema eleitoral português ou a forma como são financiados os partidos, acabando de vez com as subvenções públicas.
Mas nesta conversa com o SAPO24, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados fala de muito mais, do seguidismo de Portugal em relação aos grandes da União Europeia, à necessidade de estabelecer uma aliança estratégica com o Brasil, país onde viveu, passando pela reforma da Justiça, até à sua experiência com drogas.
Infelizmente, em Portugal só os partidos podem apresentar candidaturas, quer à Assembleia da República, quer ao Parlamento Europeu
Candidatou-se pela primeira vez pelo Partido da Terra, depois fez o PDR - Partido Democrático Republicano. Pode explicar a mudança?
Deixei de ser bastonário em meados de janeiro de 2014, e a primeira eleição que se deparou foi justamente para o Parlamento Europeu. Não havia tempo para formar um partido e procurei um que, de alguma forma, se aproximasse dos meus ideais, que não estivesse contaminado por aquilo que eu combatia como bastonário, como advogado, como ex-]jornalista e como cidadão. Aquele que me pareceu assim pelo seu programa foi o partido do Gonçalo Ribeiro Telles, monárquico, mas grande figura da nossa democracia. E contactei o presidente desse partido, John Rosas Baker, filho de uma portuguesa com um inglês. Gostei dele, e acertámos as coisas: fizemos um contrato político mediante o qual eu me candidataria na lista do MPT. Porque, infelizmente, em Portugal só os partidos podem apresentar candidaturas, quer à Assembleia da República, quer ao Parlamento Europeu. Sempre combati isso, acho que a participação política deve estar aberta aos cidadãos e não deve ser exclusivo de ninguém, como acontece na generalidade dos países europeus.
O que quero saber é o que correu mal...
Avançámos, fizemos um contrato que eu chamo de união de facto - era da conveniência de ambos, minha e dele. Mas, como eu disse durante a campanha, as uniões de facto terminam de duas maneiras, pelo casamento ou pela separação. De repente, aparece na lista, em segundo lugar, uma pessoa que eu nunca tinha visto e com quem nunca tinha falado, e que foi eleita deputado com os meus votos. Deu no que deu. Era um homem completamente diferente daquele com quem eu tinha falado, diferente de outras pessoas que eu conhecia no MPT...
Não sabia disso antes?
Nunca me disseram quem era - mas podiam até ter dito, não conhecia, aceitava quem quer que eles propusessem. E foi o que aconteceu. Não esperava uma votação tão elevada, mas também tinha curiosidade em saber se a notoriedade que eu tinha, até uma certa popularidade, como advogado, como presidente da Comissão dos Direitos Humanos, como jornalista, como cidadão - porque já venho de muito longe - tinha correspondência em votos. E teve.
Teve. Foi um desperdício de votos, de capital político? Acredita que alguma vez voltará a ter aquele resultado?
Seguramente que não, porque, como venho dizendo há muito, já devia ter acabado a minha intervenção política. Não sou político, muito menos profissional - fiz combates, políticos e cívicos, antes do 25 de Abril, mas nunca fiz política como a que é feita aqui por profissionais da mentira, profissionais do voto, profissionais de tudo o que é de mau. Portanto, não pertenço a esse mundo, estou por empréstimo. Tenho pensado muito nisso: o que aconteceu para haver tamanha diferença de votos.
E chegou a uma conclusão?
Não sei o que as pessoas pensam, não entro na cabeça delas - foram mais de duas centenas de milhar de pessoas que votaram [no MPT]. Mas não me arrependo de absolutamente nada daquilo que disse sobre o Parlamento Europeu, porque tudo o que disse é verdade. E se peca por alguma coisa, se tem algum defeito, é não ter dito ainda mais verdades que na altura até a mim se afiguravam inverosímeis.
Chamam-lhe Parlamento Europeu, constroem à sua volta um grande mito, dão ideia de que é uma coisa muito importante... Não é.
Qual foi a pior realidade que encontrou no Parlamento Europeu?
As mesmas encenações que encontro aqui, um Parlamento sem iniciativa política para nada, sujeito a discutir apenas aquilo que a Comissão [Europeia] lhe manda. As propostas do PE são as que a Comissão lhe remete. Não é um Parlamento. Chamam-lhe Parlamento Europeu, constroem à sua volta um grande mito, dão ideia de que é uma coisa muito importante... Não é. Só tem importância na medida em que pode bloquear iniciativas legislativas da Comissão, mas não pode tomar iniciativa para resolver qualquer problema dos povos europeus. Será sempre um parlamento reativo.
Dizer que não tem importância não é exagero?
A Comissão apresenta uma proposta, essa proposta vai ao Parlamento, que a leva à comissão respetiva, onde se designa uma pessoa que vai fazer um relatório. E fazem-se os relatórios que a Comissão Europeia quer, senão não são aprovados. A maioria das proposta do BE e do PCP não são aprovadas porque são absolutamente irreais, não são deste mundo, são do século XIX ou do início do século XX. Esta é outra grande mentira, porque os deputados europeus não fazem nada porque não têm nada para fazer. Não conheci nada que fosse aprovado contra a Comissão Europeia, porque é lá que está o poder, na Comissão e no Conselho [Europeu].
O Parlamento nem sequer pode escolher a sua sede, é obrigado a ir de malas e bagagens para Estrasburgo, uma semana todos os meses, por imposição da França
O Parlamento Europeu não serve para nada?
O Parlamento Europeu é para o folclore, para a pirotecnia mediática. Veja quais são as notícias que aparecem do Parlamento; não há. Não há, porque não há trabalho que justifique o labor noticioso da nossa comunicação social. É um mito que se construiu. O Parlamento nem sequer pode escolher a sua sede, é obrigado a ir de malas e bagagens para Estrasburgo, uma semana todos os meses, por imposição da França - porque isso é muito lucrativo para aos comerciantes de Estrasburgo, que nessa semana duplicam ou triplicam os preços dos hotéis e dos restaurantes. E a França não abdica disso, é o eleitoralismo interno dos presidentes, o nacionalismo francês.
Já que fala de França, e porque viveu no Brasil até aos 14 anos - e julgo saber que vai lá muitas vezes - como olha para toda esta discussão sobre a Amazónia, para a situação em que se encontra hoje o Brasil?
Vou lá praticamente todos os anos. Olho com muita preocupação; o Brasil estará provavelmente a desfazer-se como Estado. A classe política está corrompida até à medula - acham normal um político cobrar milhões pelos atos políticos que pratica, praticamente todos os políticos enriqueceram - e agora foram prender aquele que talvez tenha sido o que deu menos causa para ser preso, Lula da Silva. A eleição de Bolsonaro é a cereja no topo do bolo da descredibilização global do Brasil, e é uma pena, porque o povo brasileiro é um povo extraordinário. É um povo de várias proveniências, mas sobretudo portuguesa, indígena, africana, italiana, polaca, espanhola, japonesa... Um povo com capacidades espantosas e que, no entanto, não consegue dar a volta, varrer o lixo político que descredibiliza o Brasil.
E agora a questão da Amazónia...
Que tem aspectos contraditórios e conflituantes. Primeiro: a Amazónia é brasileira. Não a totalidade, porque também é do Peru, da Bolívia, da Venezuela, mas a grande Amazónia é brasileira. E aí, Bolsonaro tem razão, é uma questão de soberania. Então, os Estados Unidos fizeram desaparecer a sua floresta, utilizaram-na como quiseram, a Europa fez o mesmo às suas, a África está como está, e o Brasil não pode porque nós precisamos do oxigénio que ela gera? Os brasileiros interrogam-se porque é que tantos países não preservaram as suas florestas e agora vem com esta chantagem de que a Amazónia é do mundo. É do mundo o tanas; é brasileira.
A Amazónia é brasileira, metam isso na cabeça (...) E deixem-se de macacadas um pouco por todo o mundo, como se a Amazónia fosse nossa. Respeitem o Brasil, respeitem os brasileiros
Isso quer dizer o quê?
É preciso negociar com o Brasil, adotar medidas que convençam o Brasil a realizar a política que é do interesse ambiental, do interesse mundial e da comunidade humana do planeta. Mas não é impondo ou fazendo chantagem. A Amazónia é brasileira, metam isso na cabeça. E negoceiem com as autoridade legítimas do Brasil. Bolsonaro é o melhor? Não, é o pior. É uma peste que atacou o Brasil, mas é com ele que têm de negociar, porque ele é o presidente que os brasileiros escolheram. E deixem-se de macacadas um pouco por todo o mundo, como se a Amazónia fosse nossa. Respeitem o Brasil, respeitem os brasileiros.
A relação entre Portugal e o Brasil já teve melhores dias?
Penso que de ambas as partes há sinais no sentido de melhorar. Mas há das autoridade portuguesas uma espécie de complexo de superioridade em relação ao Brasil, como em relação a África, às antigas colónias. As autoridades portuguesas deviam ter a lucidez de estabelecer uma aliança estratégica privilegiada com o Brasil, do género da que o Reino Unido tem com os Estados Unidos da América. O Brasil é dezenas de vezes maior que Portugal, tem dezenas de vezes a população que portuguesa, tem milhares de vezes a riqueza natural que nós temos e seria uma opção estratégica para Portugal. Portugal está na União Europeia, mas tem uma vocação atlântica: Brasil, Angola, Moçambique, Guiné e São Tomé.
Existe esta postura da UE em relação ao Reino Unido, não fazer a separação com elevação e dignidade, mas criar o máximo de dificuldades para que o Reino Unido não fique melhor do que estava. Se ficar melhor ou igual, é um mau exemplo para outros
A saída do Reino Unido da União Europeia vai prejudicar a uma visão atlântica da Europa?
Não vai favorecer. A saída do Reino Unido está a levantar problemas gravíssimos, porque há da parte de algumas instâncias europeias aquela ideia que alguns cônjuges têm quando se divorciam: tu não podes ficar melhor do que quando estavas comigo, tens de ficar pior, para saberes o valor que eu tenho. Existe esta postura da UE em relação ao Reino Unido, não fazer a separação com elevação e dignidade, mas criar o máximo de dificuldades para que o Reino Unido não fique melhor do que estava. Se ficar melhor ou igual, é um mau exemplo para outros. E isto é mau, disse-o várias no PE em intervenções que não eram muito do agrado de europeístas de meia-tigela, sempre prontos a ampliar os slogans e soundbites que a nomenclatura cria em favor da Europa.
Como deveria agir Portugal neste caso?
Portugal anda muito a reboque de certos interesses na União Europeia e ainda não foi capaz de definir um interesse próprio estratégico. Neste momento, devia olhar para o Reino Unido não com o palavreado ofensivo, belicoso, hostil de certos burocratas e de certos políticos medíocres da UE, mas definir os seus interesses. É do interesse de Portugal não haver ruturas com o Reino Unido, quer este saia quer fique na UE. E se sair, deve ter em relação ao RU a compreensão e a atitude proativa que o nosso interesse e o futuro dos portugueses que lá trabalham e dos que queiram ir para lá trabalhar merecem. Desde a entrada na Comunidade Económica Europeia, Portugal alienou o interesse nacional em benefício das conveniências eleitoralistas de quem estava no governo. A Portugal interessava receber dinheiro, e a Europa mandava dinheiro. Com uma condição: vota-se aqui como nós quisermos. E Portugal sempre votou mais em favor dos interesses de certas potências europeias do que dos seus interesses: destruiu uma frota pesqueira, destruiu uma agricultura tradicional familiar. As pessoas do interior eram pobres mas não eram miseráveis; abandonaram as terras, vieram para os grandes centros urbanos, seduzidos pelas televisões e pelas telenovelas, para a miséria. Tudo isto se fez com um país enebriado, embriagado com os euros, um país prostrado numa adoração enlouquecida aos bezerros de ouro que a União Europeia mandou. E continuam, o senhor António Costa continua a oferecer os seus bezerros e o povo a adorar os bezerros de ouro.
Deixe-me recuar: disse já não devia estar na política... O que acontecerá ao PDR?
O partido continuará. O partido não sou eu, ao contrário do que dizem. Posso ser a pessoa que tem mais visibilidade, mas o PDR tem muitas pessoas, concorreu em todos os círculos eleitorais.
Tem Pardal Henriques. Porquê Pardal Henriques?
Sabe, há muitos anos digo uma coisa que emerge de uma certa experiência de vida: a maior invenção da humanidade depois da roda foi o voto secreto. É por isso que os não democratas odeiam o voto, sobretudo o voto secreto. É por isso que nos partidos não democratas não há voto secreto, é braço no ar, que é para se poder pressionar os votantes, para os votantes não votarem em liberdade. O voto em consciência tem de ser um voto secreto, um voto que é introduzido numa urna e ninguém sabe de quem é.
Estou a falar de um candidato, convém que o eleitor saiba em quem está a votar.
Isso é outra história, vamos cair nos tais bezerros de ouro. Vai ver os candidatos todos a prometer tudo e o seu contrário aos eleitores. Na noite das eleições esquecem completamente os eleitores e passam a obedecer cegamente às direcções dos partidos, ou nas próximas eleições não voltam a ser candidatos. A partir daí, quem manda é um diretório.
Quem ou quais são os bezerros de ouro de António Costa?
Essas mentiras todas... Sabe, António Costa fez agora a geringonça à esquerda... Lembra-se de quem foi o mandatário do senhor António Costa quando ele se candidatou a presidente da câmara de Lisboa? José Miguel Júdice, um homem que vem da extrema-direita coimbrã e do MDLP [Movimento Democrático de Libertação de Portugal, Maio de 1975]. O senhor António Costa é o tipo de político que começou aos 14 anos, conforme ele disse, e possivelmente não sabe o que é pagar uma conta de telemóvel ou pagar um almoço, porque isso aparece sempre pago e é sempre pago com o dinheiro dos contribuintes. O senhor António Costa é o tipo de político profissional: não tem princípios, tem fins. E adopta aquela máxima muito socialista de que em política feio, feio é perder. Assaltou o poder dentro do partido Socialista, atacou, a meio do mandato, António José Seguro, porque ganhou por poucochinho. E a seguir perde as eleições. Mas nós não temos, infelizmente, comunicação social em Portugal. Temos uma comunicação social que abdicou de ser contrapoder com a ilusão de que ia ser uma parte do poder, mas que se transformou num instrumento do poder. Passa a vida a noticiar o que os políticos dizem, e não o que os políticos fazem - e, sobretudo, o que não fazem. E António Costa está bem assim, tem horas de televisão todos os dias.
O que fez António Costa que nunca faria?
Nunca faria um acordo interpartidário com o PCP e com o Bloco de Esquerda, sobretudo com o PCP, que era um partido contra o qual o PS formou a sua identidade política e ideológica em Portugal. Um acordo dessa natureza teria de ter sido objecto de um amplo debate entre as bases de ambos os partidos, mas não.
O que o senhor António Costa fez foi destruir o Serviço Nacional de Saúde, os hospitais... E depois aumenta cada vez mais a propaganda
Isso prejudicou o país? Em quê?
Sim. Vamos ver: Portugal estava à mercê de uma política de terra queimada do anterior governo, estava numa situação em que era possível dar às pessoas coisas que, aliás, lhes tinham sido tiradas, mas sem perder o lastro da economia. O que o senhor António Costa fez foi destruir o Serviço Nacional de Saúde, os hospitais... E depois aumenta cada vez mais a propaganda.
Hoje há 25 partidos políticos em Portugal, 21 candidatos às eleições legislativas...
... Esse é outro aspeto. Na verdade, todos querem chegar a um lugarzinho ao sol.
O que é um lugarzinho ao sol?
É as generosas subvenções que o cartel de partidos políticos portugueses parlamentares criou para si próprio: de repente os partidos decidiram que o Estado devia subvencionar a sua actividade. Isto devia ser objecto de um debate na sociedade portuguesa. Mas não; no maior dos segredos os partidos passaram a ser financiados pelo Estado, no maior dos segredos isentam-se de impostos, no maior dos segredos alteram as regras. Mas todos, do Bloco de Esquerda ao CDS. Os partidos políticos em Portugal não são verdadeiramente partidos políticos - pelo menos os cinco partidos com assento parlamentar - são máquinas de guerra eleitoral. São partidos feitos para ganhar eleições. E que ganham as eleições e nessa guerra eleitoral repartem os despojos pelas suas clientelas, pelas suas tropas.
Quais são os despojos?
Milhares de cargos públicos, desde a Assembleia da República à junta de freguesia, a porteiro da junta - todos vão passar a receber um ordenado pago pelos portugueses. Não pelo mérito das pessoas, mas é o prémio por o partido ter ganho.
Os partidos políticos devem ser suportados pelos seus filiados, não pelo dinheiro dos contribuintes portugueses
Em que é que o PDR é diferente?
Denunciei isto, combati isto e queria mudar isto. Se tivéssemos uma maioria absoluta na Assembleia da República, a primeira medida que o PDR tomava era reduzir para metade a subvenção pública, porque não se pode eliminar de uma só vez. Em duas legislaturas eliminava a subvenção. Os partidos políticos devem ser suportados pelos seus filiados, não pelo dinheiro dos contribuintes portugueses, daqueles que votam e não votam. Ou então por aqueles que declarem que uma parte do seu IRS é para os partidos políticos, porque eu, com os meus impostos, quero saúde pública, ensino público, auto-estradas, um conjunto de equipamentos públicos que o Estado deve garantir a todos.
O financiamento privado não é menos transparente?
Isso é uma questão de aperfeiçoar os mecanismos de combate à corrupção. Porque isso é uma chantagem sobre os portugueses: ou vocês nos pagam, ou somos financiados pela corrupção. Quando podem fazê-lo na mesma, só que antes do financiamento público cobravam dois envelopes, um para o partido, outro para quem o arranjava. Veja aí os secretários-gerais de alguns partidos que enriqueceram... Se calhar, agora só pedem um envelope. A corrupção acontece pela falta de controlo. E depois, há esta panpartidarização da vida pública, em qualquer estão representantes dos partidos: vai-se à CNE, são os representantes do partidos, vai-se ao Tribunal Constitucional, são os representantes dos partidos... É a ditadura, o totalitarismo partidário. Noutro contexto, um político falou em claustrofobia democrática. Eu falo em asfixia da democracia, da cidadania, estamos a asfixiar a cidadania em Portugal pela imposição desta lógica partidária, destas organizações que nalguns casos até parecem refúgio de alguns dos piores malfeitores da sociedade portuguesa, que é para ver o manancial de virtudes dos políticos portugueses. Isto tem consequências gravíssimas, metade dos eleitores já não vota e dois terços já não vota nas europeias.
É preciso responsabilizar os políticos e para isso o político tem e depender de quem o elege e não de quem o escolhe para candidato
O que defende o PDR para Portugal, quais são as prioridades do partido?
Em primeiro lugar a reforma do sistema político-partidário. O sistema político funciona com base num sistema eleitoral que é o chamado método proporcional, por contraposição ao método maioritário. O método proporcional, o método de Hondt, é muito injusto - por exemplo, o PAN elegeu um deputado com mas de 70 mil votos, mas o PSD ou o PS elegeram deputados com menos de 20 mil. É preciso responsabilizar os políticos e para isso o político tem e depender de quem o elege e não de quem o escolhe para candidato. Não há democracia sem partidos políticos, mas os partidos políticos não esgotam a democracia.
E qual a sua proposta?
Proponho que metade dos deputados, 115, fosse eleita num círculo único nacional em listas apresentadas pelos partidos, pelo método de Hondt, e que a outra metade fosse eleita através de um sistema maioritário, com segundas voltas. Num círculo nacional, o PDR teria direito a dois ou três deputados, o PAN teria eleito três ou quatro. Por outro lado, teríamos uma parte da Assembleia da República por sistema maioritário, quem ganha as eleições é eleito. Concorreram 20 partidos, nenhum teve maioria absoluta, vai haver segunda volta entre os dois candidatos mais votados. Isto faria com que os deputados se levantassem não para obedecer ao semáforo do partido que está na primeira fila, mas para defender o que prometeram aos eleitores. Em Portugal há uma obediência cega, porque a política está profissionalizada. Segunda medida: o Parlamento devia ter duas câmaras, uma câmara alta e uma câmara baixa, um senado e uma assembleia de representantes. E justificava-se que se reduzisse talvez até metade o número de deputados à Assembleia da República.
Ainda que o entrave à reforma do sistema eleitoral seja geralmente a possibilidade de redução do número de deputados, os partidos não querem isso.
Porque é muito bom ser deputado em Portugal (e noutros países). A redução seria sempre como consequência da outra câmara, um senado eleito a meio do mandato dos deputados, em contraciclo, e uma parte constituída por pessoas com reconhecido mérito político e cívico. Porque é que o Dr. Jorge Sampaio ou o general Eanes não estariam neste órgão, se hoje há um grupo de onze pessoas escolhidas por partidos políticos que pode dizer que uma lei feita por 230 deputados eleitos pelo povo não interessa? E teríamos um Tribunal Constitucional unicamente voltado para a fiscalização concreta das leis em processo judicial. E por fim haveria ainda uma medida importante como higienização: a limitação de mandatos. A proposta do PDR é de dois mandatos nos órgãos unipessoais - presidente da República, presidente da AR, presidentes das câmaras - e três mandatos nos órgãos colegiais. Seria também uma forma de libertar a política do domínio às vezes quase mafioso que existe dentro dos partidos.
Não temos comunicação social em Portugal. António Costa é um bom trapezista e é um bom prestidigitador, mas a prestidigitação em política é fraude
António Costa passou por diversas adversidades: incêndios como não há memória, caso Tancos, laços familiares, greves... Todas as sondagens dão-lhe vitória nas próximas eleições. Tem uma explicação para isso?
Que responsabilidade teve ele nos incêndios? Não teve nenhuma. Porque haveria de estar a ser julgado pelos incêndios? Teve tanta responsabilidade como os partidos que estiveram no governo. Isso é a propaganda de enaltecimento, quase de culto, que se faz a certos líderes: resistiu a tudo no mar tormentoso, agarrado ao leme, sobreviveu às vagas alterosas... Isso é propaganda, litanias da propaganda política medíocre. Porque sobreviveu? Atirou com dinheiro para cima das pessoas, tanto dinheiro que começaram a construir casas de pessoas que não tinham sido afetadas pelos incêndios. Sobre Tancos nunca se provou verdadeiramente nada. Porque sobreviveu? Foi o ministro Azeredo Lopes. E nisso, o senhor António Costa, apesar do seu palavreado, não deve ter conhecido no trajecto político-partidário o contributo ético da palavra solidariedade. A comunicação social noticia o que senhor António Costa diz, mas não vai checar... Se o ministro [Azeredo Lopes] sabia, o senhor António Costa sabia, porque é impensável que um ministro soubesse uma coisa e não tivesse informado o primeiro-ministro. Não temos comunicação social em Portugal. António Costa é um bom trapezista e é um bom prestidigitador, mas a prestidigitação em política é fraude.
A comunicação social tem as costas largas.
Não tem a culpa de tudo, mas de muito do que de pior acontece na política e passa incólume e impune, no desporto e nas finanças. Um jornalista almoça com o ministro e fica logo a pensar que é rei e senhor, almoça com um secretário de Estado e começa logo a fazer aquilo que o seu código deontológico lhe proibia fazer, a aviar recados, a fazer obséquios, fretes. Quando foi nomeada a filha de Vieira da Silva para o mesmo conselho de ministros do pai, ainda a questão não estava completamente no debate público, já havia jornalistas a dizer que era uma medida muito justa, que a senhora [Mariana Vieira da Silva] era muito competente... Uma senhora que não sabe o que é a vida, não sabe o que é pagar uma conta, porque andou sempre nos gabinetes, tinha sempre cartão de crédito dos gabinetes. Não é possível ter a governar pessoas que não sabem o que é ter a dificuldade em arranjar dinheiro par pagar salários, pagar impostos, para pagar a renda da casa, a conta da água, o colégio dos filhos.
Portugal está melhor ou pior do que há quatro anos?
Portugal podia estar muito melhor se tivesse outro tipo de pessoas à frente do seus destinos, pessoas sérias.
Em muitos aspectos da sua acção, o presidente da República parece mais uma libelinha a saltitar freneticamente de flor em flor mediática
E como olha para o papel que o presidente da República tem desempenhado ao longo deste mandato do governo?
Sempre fui conta o marcelismo, o outro e este também. Não é um presidente da República em que eu me reveja como cidadão, não já como político. Não me revejo nesses métodos, nessa postura política. Em muitos aspectos da sua acção, o presidente da República parece mais uma libelinha a saltitar freneticamente de flor em flor mediática. Onde houver possibilidade de aparecer, onde esteja um holofote, ele vai lá tirar uma selfie, fazer uma proclamação daquelas estéreis para marcar o ponto.
Qual deve ser para si a relação entre um presente a República e um governo?
A relação que teve o Dr. Jorge Sampaio. Um presidente da República tem funções definidas na Constituição, diferentes do governo, não tem de se pronunciar publicamente aos órgãos da comunicação social a todo o momento sobre a acção do governo. Deve respeitar a acção do governo, a autonomia do governo. Este presidente da República anda aí a mandar palpites sobre tudo como se fosse ele o primeiro-ministro. É um presidente da República que presta um mau serviço à democracia, ao prestígio da democracia, ao prestígio da República. Como pessoa é excelente, todos o conhecemos, todos lhe perdoamos as suas diatribes, mas como presidente da República é um mau politico. É um telepresidente, chegou lá, se calhar, pelas mesmas coisas que o Bolsonaro.
O que se passa com os 25 partidos que não conseguem levar os eleitores abstencionistas a votar?
Em primeiro lugar, a formação de um partido nem sempre corresponde a uma necessidade da sociedade. Se não há essa necessidade, o partido fica nas margens constantemente. Em segundo lugar, a maior parte desses partidos são fundados por interesse pessoal dos seus dirigentes, sobretudo para chegar à almejada subvenção, que é generosissíma, milhões de euros que o Estado dá dos impostos dos portugueses - daqueles que pagam impostos - e distribui gratuitamente pelos partidos para que eles andem em carros, sem impostos - não pagam impostos sobre nada, pode ver o nível de privilégios obscenos que os partidos se atribuíram a si próprios. A maioria desses partidos são autênticas fraudes na sua génese, não tem uma proposta séria, limitam-se a palrar um discurso estéril construído de esteriótipos, que foram construindo por ver nas televisões. Pronto, são 25.
Volto a perguntar-lhe porque acha que perdeu tantos votos entre 2015 e 2019?
Não lhe sei dizer porque os perdi, porque também não lhe sei dizer porque os obtive. Sou exatamente igual, saí do Parlamento Europeu com mais conhecimento, vi uma Europa que ignorava e um Europa de rigor. O primeiro grande embate foi numa reunião em que vi logo a clivagem: uns estavam já a propor o presidente, o vice-presidente, os cargos. Às tantas levanta-se um e diz: "Sim, muito bem, mas quem vai pagar, de onde vem o dinheiro para isso?" Esta faz a diferença entre a chamada Europa do sul, que faz e alguém há-de pagar, e a Europa do norte, que pergunta de onde vem o dinheiro para fazer e, sem dinheiro, não faz. É por isso que estamos atulhados em dívidas e eles não. Mas oiço aqui um discurso estereotipado, mórbido, doentio contra o liberalismo... Quais são os países liberais da Europa? A Áustria, a Holanda, a Dinamarca, o Reino Unido, a Suécia, a Finlândia são o protótipo do liberalismo e têm os melhores sistemas de saúde, os melhores sistemas de ensino - gratuitos desde a primária até à universidade - os melhores serviços públicos. E aqui os profissionais das várias profissões parecem manadas ao serviço dos dirigentes partidários transformados em dirigentes sindicais.
Além da alteração do sistema eleitoral, o que propõe o PDR?
Um programa político sério de combate à pobreza. É inadmissível que o crescimento de que temos beneficiado exclua um parte significativa da população. Os pobres tem de acabar. A riqueza produzida, se for bem distribuída - e sem confiscar nada a ninguém - dá para acabar com a pobreza. Acabar com a pobreza não pode estar à espera de um programa de desenvolvimento económico.
Um cidadão vai a um tribunal e tem de se dirigir a um magistrado como na antiguidade um servo se dirigia ao seu senhor
Está a falar em justiça social, e gostaria de lhe perguntar por uma área que lhe deve ser especialmente cara, a Justiça.
É igual às outras, mas não possível termos um sistema judicial a funcionar da maneira que temos, em que os tribunais, em vez de servir os cidadão e as empresas que necessitam de decisões, são palácios onde se exibe poder, majestades. Um cidadão vai a um tribunal e tem de se dirigir a um magistrado como na antiguidade um servo se dirigia ao seu senhor. Por amor de Deus, decidam. Já nem quero saber se bem ou mal, que se estiver mal eu recorro, mas decidam. Mas todo o pretexto é bom para adiar, para exibir poderes... Além da promiscuidade entre um juiz e um acusador, no direito penal, que é chocante: ver procuradores a actuar como se fossem juízes e juízes de direito a actuarem como se fossem criados de procuradores, a fazer tudo o que os procuradores querem.
E a ameaça de greve por parte dos juízes?
Essa é outra singularidade da nossa democracia. O único que quis fazer alguma coisa, foi o governo da maioria absoluta do PS do primeiro-ministro José Sócrates. Então um juiz titular de um órgão de soberania ameaça com greve?
O que fazia? E se decidirem mesmo fazer greve, vão prendê-los, vão ensinar a PSP e a GNR a fazer julgamentos?
Já há uma consciência no seio dos juizes. Há talvez uma maioria que utiliza isso como forma de instrumento de benefício corporativo: querem ter mais poder, querem ganhar mais e querem trabalhar menos.
O senhor António Costa dá-lhes tudo, o dinheiro não é dele, não lhe custa a ganhar, nem lhe custa a cobrar, tem a máquina fiscal a cobrar, às vezes com métodos quase terroristas: primeiro penhora e só depois discute se a dívida existe.
Bom, e vão ganhar mais.
Vão ganhar mais e, provavelmente... O senhor António Costa dá-lhes tudo, o dinheiro não é dele, não lhe custa a ganhar, nem lhe custa a cobrar, tem a máquina fiscal a cobrar, às vezes com métodos quase terroristas: primeiro penhora e só depois discute se a dívida existe. O dinheiro não é dele, pode dar os aumentos que quiser. Para mim, o mal do país não é o senhor António Costa, o mal do pais é as pessoas que votam António Costa. Vão votar, são os tais bezerros de ouro. Mas querem adorar, gostam disto, querem a ilusão. O que não querem é que o partido do vizinho ganhe, é a futebolização da política. O símbolo da justiça é a balança, o fiel da balança e dois pratos: a acusação e a defesa. Nos países democratas, onde a justiça não é perfeita, mas funciona muito melhor do que em Portugal, o procurador está ao nível da defesa. Mas não, aqui o procurador está ao nível do juiz, do julgador. Já assisti a julgamentos em que o procurador está a cochichar com o juiz, a rirem-se os dois, na galhofa, num julgamento em que uma pessoa, ou várias, podem ir para a cadeia.
Para mim, o mal do país não é o senhor António Costa, o mal do pais é as pessoas que votam António Costa
E os tribunais administrativos, onde os processo ficam parados anos e anos? Como resolve a questão?
Ninguém fala nisso. Ficam parados porque favorece o Estado, normalmente funcionam com ações contra o Estado. É um escândalo, é uma ignomínia nacional. Devia haver só uma ordem jurídica e, acima de todas, a ordem constitucional. E os interesses das corporações que se apropriaram do sistema judicial impedem que se faça a reforma, e os políticos não querem mexer no vespeiro, porque aqueles que o tentaram, pagaram caro. Estamos mais próximos de África do que da União Europeia em matéria de justiça. Estamos mais próximo da América do Sul, e não é só na justiça, é em muitas outras áreas.
Onde vê Portugal daqui a quatro anos?
Gosto muito de citar Mark Twain, que diz que é muito complicado fazer profecias, sobretudo quando elas se referem ao futuro. Nem sei se estarei cá, mas já vi muita coisa, já fiz muitas previsões, já tive muitas expetativas, já fiz muitas profecias e raramente acertei. Todas as semanas jogo no Euromilhões e nunca me sai nada.
Usou várias vezes a expressão "por amor de Deus". É católico?
Olhe, eu não acredito muito em Deus, mas acredito também que ele não acredite muito em mim. Temos uma relação... Penso que Deus não existe, mas por outro lado confronto-me com evidências. A minha mãe toda a vida acreditou em Deus. Porque é que eu hei de estar certo e não ela? Estou já numa fase da vida em que me questiono, sobretudo tenho medo das minhas certezas, tenho dúvidas das minha certezas. A minha mãe tentava convencer-me da sua existência e convenceu-me até aos 18 ou 19 anos, a partir daí deixou de me conseguir convencer - eu também não consegui convencê-la do contrário, nem nunca fiz grande esforço. Se ele não existir, estarei certo, não haverá nada além da morte. Se existir, estou totalmente preparado para o julgamento final. Há muitas coisas da Igreja que respeito, não só no plano social - a obra social da Igreja é muito importante. Gosto muito do Papa Francisco, gosto tanto dele como não gostava do Papa João Paulo II.
No vídeo que fizemos fala de overdoses de vida, de drogas. Alguma vez teve experiência com drogas ou alguma dependência?
Não vou dizer como o Bill Clinton, que fumei sem inalar, mas quando era jovem fumei uns charros. Nunca me injetei nem nunca meti aqueles comprimidos que abundavam nos círculos que eu frequentava, em Coimbra, os LSD, essas coisas. Fumava, fumei uns charros de liamba, sobretudo quando apareceram em Coimbra pessoas de fora, como os retornados, que traziam caixas de sapatos cheias de liamba e de marijuana. Mas, em primeiro lugar, não me fazia efeito; os meus colegas fumavam, começam-se a rir e eu perguntava: mas estás a rir de quê? Depois, dava-me taquicardia, atirava-me para as 120, 130 pulsações, de forma que parei. Fumei algumas vezes, mais para não desfazer o convívio, mas não encontrei naquilo as virtudes para a saúde que o Bloco de Esquerda tanto apregoa agora.
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