A 13 de janeiro o Ministério da Saúde emitiu um despacho em que autorizava a suspensão de toda a atividade cirúrgica programada. O objetivo era concentrar a resposta médica no combate à pandemia, reduzindo, assim, tal como na primeira vaga da pandemia, o trabalho dos cirurgiões ao urgente e indispensável.

Em alguns hospitais, estes médicos foram alocados a equipas de covid-19, mas noutros, foram colocados em regime de teletrabalho. Há ainda situações em que a opção sobre se se queriam ou não integrar as secções covid-19 foi dada a escolher aos próprios médicos.

Deste modo, o facto de não estar a ser seguida uma regra geral e de muitos cirurgiões estarem em casa e com trabalho reduzido numa altura de urgência sanitária está a causar desconforto na classe médica, avança o Diário de Notícias.

No Hospital Garcia de Orta, em Almada, os cirurgiões foram colocados em teletrabalho. "Houve uma proposta do diretor de serviço para que uma boa parte dos cirurgiões ficasse em teletrabalho, que foi aceite pela direção clínica", garantem, ao DN, profissionais desta unidade. "Sobra sempre para uns, outros podem ficar em casa. Somos todos médicos e todos poderíamos estar a trabalhar para o mesmo, apesar das características de cada especialidade", criticaram ainda.

Numa altura em que o hospital recebeu profissionais estrangeiros para ajudar na resposta à pandemia, a situação parece ser ainda mais "incompreensível", afirmam as mesmas fontes. Apesar de alguns cirurgiões terem integrado as equipas "porque se voluntariaram", as fontes do DN reiteram que "há muitas outras situações de teletrabalho autorizadas que não se justificam".

Confrontado pelo DN, o Hospital Garcia de Orta (HGO) afirma que a realidade "não é a descrita". "Os cirurgiões foram mobilizados para prestarem cuidados em enfermarias covid e para reforçar as escalas do serviço de urgência geral", mantendo-se a "realização de atividade cirúrgica emergente, urgente e ainda muito prioritária a doentes oncológicos", explana.

Quanto ao teletrabalho dos cirurgiões, o HGO relata que o mesmo existe, de facto, mas é realizado à semelhança do acontece com as restantes especialidade médicas, "na vertente de consultas médicas não presenciais".

Desde Lamego, Noel Carrilho, cirurgião e presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), afirma ao DN não ter conhecimento de queixas formais sobre a situação relatada pelo mesmo órgão de comunicação, explicando que no hospital onde trabalha os cirurgiões não só continuam a trabalhar como integram mesmo equipas covid-19.

"Custa-me pensar ou admitir que haja cirurgiões em casa sem fazer nada quando o seu hospital está com necessidade de mão-de-obra. No meu hospital, quando foi solicitado que as pessoas se voluntariassem para as enfermarias ou para as residências, os períodos noturnos ou de de fim de semana, a resposta foi brutal", afirmou Carlos Robalo Cordeiro, membro do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos e também diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, ao DN.

Já no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) "ainda hoje há especialidades que não operam doentes com covid", apesar de na primeira fase da pandemia ter existido uma "total solidariedade por parte de todas as especialidades", foi relatado ao DN. No entanto, refere a mesma fonte que, de maneira a fazer face a estas situações de recusa, "foi decidido que teria de haver um elemento de cirurgia geral destacado para acompanhar estes doentes em enfermarias covid".

O mesmo hospital, em resposta ao DN, afirma que está a ser dada "primazia aos doentes oncológicos e situações de trauma" e que "os cirurgiões estão a ser integrados em equipas de combate a covid-19".

Não obstante, no Porto, no Centro Hospitalar São João, o jornal avança que "os cirurgiões encontram-se em presença física, assegurando quer as atividades de assistência nos seus serviços (consulta externa, hospital de dia, urgência, bloco operatório e internamento), quer integrando equipas multidisciplinares que prestam apoio clínico nas áreas das suas especialidades aos doentes covid".

No Centro Lisboa Norte, ao Diário de Notícias, fonte da administração afirmou que os cirurgiões foram redistribuídos por outras áreas, reforçando, nomeadamente, a medicina intensiva, as urgências e as enfermarias.

Por outro lado, Jorge Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), postula, também ao DN, a tese de que esta disputa entre especialidades não é de agora.

"São querelas antigas que não alimentamos", apesar de poder ter existido "algum agravamento" com a pandemia, admite.

Dada a situação pandémica, "a medicina interna arca sempre com a maior carga de trabalho". Não obstante, Roque da Cunha afirma que, no geral, "os cirurgiões querem operar" e, por isso, "o que é preciso é que seja definida uma reorganização dos recursos tendo em conta as necessidades das unidades e dos doentes". Afinal, "o importante é perceber se os direitos e as necessidades dos doentes não covid não foram acautelados".