Apesar de ainda serem 50,2% os portugueses que dizem não necessitar de cuidados de saúde oral, este valor reduziu 20,1 pontos percentuais face a 2021, refere a 7.ª edição do barómetro promovido pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) e que inquiriu 1.102 pessoas maiores de 15 anos.
Por sua vez, aumentou o número de portugueses que não tem dinheiro para ir dentista (29,5%) em 7,4 pontos percentuais, mostrando “já os efeitos da crise atual”.
Para o bastonário da OMD, Miguel Pavão, a primeira razão apontada pelas pessoas é uma ideia que precisa de ser combatida através da literacia.
“É uma necessidade de todos desfazermos este preconceito de as pessoas dizerem que não necessitam, porque um dos papéis fundamentais [da saúde oral] é uma abordagem preventiva, de manutenção, em que a consulta no médico dentista de rotina é essencial”, defendeu à agência Lusa.
Miguel Pavão considerou também preocupante o número de pessoas que não vão ao dentista por razões económicas.
“Há aqui um apelo a fazer à população que é, independentemente de estarmos todos mais sobrecarregados relativamente à questão da inflação, do aumento dos custos de vida, é fundamental e imprescindível termos uma abordagem preventiva que também é muito menos custosa” e pode prevenir problemas maiores, defendeu.
Este é um dos temas que vai estar em debate no congresso da OMD, cujo mote principal é a inter-relação da medicina dentária com a saúde geral e com as outras especialidades médicas, que decorre de hoje até sábado em Lisboa e tem mais de 4.800 inscritos.
Segundo o estudo, apenas 44,1% da população sabe que o Serviço Nacional de Saúde tem dentistas e destes só 6,9% recorreu ao SNS no último ano.
Miguel Pavão disse que estes dados são “o espelho de ausência de políticas durante 40 anos”, período em que a população sabia que se fosse ao hospital ou a um centro de saúde não tinham gabinetes de medicina dentária nem resposta de saúde oral.
“Hoje em dia ainda tem de uma maneira muito parca”, criticou, considerando que ainda “há muito trabalho” para fazer no setor público, onde há cerca de 140 dentistas.
Advertiu que o Ministério da Saúde “não pode ser o ministério de tratamento da doença nem da assistência paliativa médica”: “Tem que ser um ministério que promova uma mudança de comportamentos, consultas de rotina e de estabilização das doenças numa fase inicial. E nesse sentido eu diria que está tudo por fazer”.
Mas considerou que “há uma mudança de paradigma importantíssima” com a criação da Secretaria de Estado da Promoção da Saúde.
“A vertente multidisciplinar que a medicina dentária acarreta não pode ser descurada. Nós não podemos tratar a boca como um órgão separado do resto do corpo. E a evidência cada vez mais nos demonstra que a saúde oral está ligada à saúde sistémica”, salientou.
Para Miguel Pavão, isto é “um fator muito importante” para mostrar que nas políticas que vão ser assumidas de prevenção, a medicina dentária tem que estar ligada no sistema nacional de saúde, não só o SNS.
“Tudo o que for a introdução do setor público da medicina dentária tem que acautelar uma coisa que até à data não está, que é a integração dos médicos dentistas” e “uma interligação” com as equipas que existem nos cuidados de saúde primários e nos hospitais.
“É muito importante mostrarmos à tutela e ao Governo que realmente o setor da medicina dentária é robusto e que tem condições para atenuar os problemas que estão criados (…), mas precisa realmente de uma estratégia do ponto de vista da pasta da Saúde, mas também do ponto de vista de planeamento daquilo que são os seus recursos”, defendeu.
Apesar de haver “um número muito excessivo” de dentistas, não se consegue atenuar os problemas do acesso da população a estes cuidados, lamentou.
Utilização do cheque dentista diminui nos mais jovens
A maioria das crianças e jovens que vão a uma consulta de medicina dentária usam o cheque dentista, mas a sua utilização tem vindo a diminuir, sobretudo nas idades entre os 10 e os 15 anos.
Os dados revelam também que 65,2% das crianças até aos seis anos nunca foram ao dentista, uma percentagem que reduziu face a 2021 (73,4%) e que inverteu a tendência que se verificava desde o barómetro de 2016.
Segundo o estudo da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), 51,8% dos menores utilizam o cheque dentista quando recorrem a uma consulta, menos 8,5 pontos percentuais relativamente a 2021.
A redução nota-se sobretudo junto das crianças com idades entre os 10 e os 15 anos, refere o estudo, assinalando que ainda existe “uma fatia considerável” da população que não conhece o cheque dentista.
Para o bastonário da OMD, estes dados “não favorecem” o programa: “Nós já tínhamos noção do desinteresse que o cheque dentista tem causado e que tem vindo paulatinamente a crescer”, comentou.
No seu entender, deve ser encetado “um processo de reforma” do cheque dentista, para dar um novo impulso ao programa.
“O programa tem 12 anos e nunca foi melhorado e, nesse sentido, o novo ministro da Saúde - que foi também um dos criadores do cheque dentista -, está, diria, disponível para pegar nesta matéria, porque até à data os seus antecessores não o fizeram”, disse.
O Barómetro da Saúde Oral, que envolveu 1.102 entrevistas a maiores de 15 anos, apresenta também dados relativamente à dentição dos portugueses, que “não apresentam diferenças significativas” face às edições anteriores.
De acordo com o estudo, apenas 32,3% dos portugueses têm a dentição completa e 28,5% tem falta de seis ou mais dentes, excetuando os do siso, o que representa uma “ligeira melhoria [1 p.p.] face a 2021, mantendo a tendência positiva verificada desde 2018.
Entre os portugueses que têm falta de seis ou mais dentes, 18,9% não têm substitutos, um valor que melhorou num curto espaço de tempo: em 2017 atingia os 36,6%. Há ainda 6.4% que tem falta dos dentes todos, um valor que melhorou comparativamente a 2021 (8.7%).
Relativamente aos hábitos de higiene oral dos portugueses, o estudo conclui que melhorou o nível do hábito de usar fio dentário e elixir, mas reduziu mais uma vez a percentagem de portugueses que escova os dentes pelo menos duas vezes ao dia.
Analisando os dados, Miguel Pavão afirmou que “a melhor notícia” é que não houve um agravamento da situação: “Isso é um fator importante até porque houve um período pandémico que levou a um distanciamento da população dos consultórios médicos dentários”.
Mas, considerou, a pandemia demonstrou à população que a promoção da saúde e os cuidados de rotina da saúde são essenciais.
“Acho que o barómetro reflete exatamente isso porque as melhorias não são significativas, mas são pelo menos ligeiras melhorias e isso é um sinal animador para a população e para a saúde oral dos portugueses”, disse Miguel Pavão.
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