O debate de hoje sobre a situação na província de Cabo Delgado, realizado conjuntamente nas comissões de Negócios Estrangeiros e de Desenvolvimento do Parlamento Europeu, começou com uma intervenção, desde Moçambique, do bispo de Pemba, Luís Fernando Lisboa, que deu conta da grave crise humanitária provocada pelos ataques armados na província de Cabo Delgado, que já provocaram cerca de 500 mil deslocados.

Apontando que vários distritos, que não apenas na província de Cabo Delgado, estão a receber incessantemente deslocados — pessoas que “deixaram tudo para trás, perderam familiares, as suas casas, têm filhas raptadas” e “chegam sem nada, apenas para salvar a vida” –, o bispo disse que o Governo moçambicano, organizações não-governamentais (ONG) e a igreja católica estão “a tentar unir-se para dar uma resposta”, em paralelo com iniciativas de outros atores, entre os quais Portugal, mas advertiu que a resposta atual “não chega”, pois “as necessidades são muitas”.

“Não param de chegar pessoas, e estamos a tentar atender as necessidades mais básicas”, disse, alertando que é preciso “mais apoio para ajudar condignamente” todos aqueles que estão a fugir da violência em Cabo Delgado.

De seguida, interveio a nova diretora executiva do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) para África, a embaixadora portuguesa Rita Laranjinha, que iniciou funções na passada terça-feira, e que começou por admitir ter também ficado “chocada e horrorizada com as atrocidades reportadas”, que exigem que “todos os parceiros de Moçambique, incluindo a UE e os seus Estados-membros” prestem o apoio necessário.

Observando que a situação em Cabo Delgado “é muito complexa”, pois integra “vários fatores” que exigem uma “abordagem integrada”, Rita Laranjinha fez questão de sublinhar que é necessária “uma resposta que deve ter em particular atenção os direitos humanos”, pois “não é boa estratégia nem boa governação privilegiar uma resposta securitária à frente dos restantes elementos”.

Lembrando que o alto representante Josep Borrell — que lidera o SEAE – já “disponibilizou toda a ajuda a Moçambique”, e o corpo diplomático europeu disponibilizou-se para “fazer deslocar ao local peritos de segurança”, Rita Laranjinha revelou que teve na quarta-feira uma reunião com a embaixadora de Moçambique em Bruxelas, durante a qual reiterou a “disponibilidade [da UE] para prestar apoio nesta fase” e garantiu que vai seguir atentamente esta matéria.

Por seu lado, a chefe de unidade para África da Direção-Geral de Desenvolvimento e Cooperação Internacional da Comissão Europeia, Francesca di Mauro, afirmou que “a UE já está a desempenhar um papel ativo” e em constante diálogo com as autoridades moçambicanas, garantiu que “Cabo Delgado é uma prioridade das ações humanitárias da UE”, mas concordou que “é urgente dar mais atenção a esta questão a nível internacional”.

“Urgência” foi dos termos mais utilizado pelos eurodeputados que intervieram a seguir no debate, designadamente os portugueses, caso do líder da delegação do PSD, Paulo Rangel, que comentou que “ainda hoje se fala muito dos projetos de médio prazo”, mas o que é fundamental agora é “fazer o escrutínio daquilo que o SEAE e a Comissão Europeia estão a fazer”, dada a imperativa “ajuda imediata no terreno”.

“O que nós ouvimos do bispo de Pemba é que há [no terreno] ONG, organizações da sociedade civil, mas nós não vemos no terreno a força da UE e até de países como Portugal. Aliás, eu espero que a embaixadora Rita Laranjinha chame a atenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que está totalmente inativo nesta matéria. Tem feito muito pouco. Ninguém dá visibilidade a isto, e mesmo em Portugal esta não é uma questão premente”, declarou.

Intervindo imediatamente a seguir, a eurodeputada Isabel Santos, do PS, começou logo por contestar esta crítica relativamente à atuação das autoridades portuguesas.

“Sem querer aqui entrar em discussão com o meu colega Paulo Rangel, pessoa que muito considero e estimo, quero aqui clarificar que tanto o MNE como o Ministério da Defesa têm estado em diálogo com as autoridades moçambicanas e têm-se disponibilizado a ajudar Moçambique. E mais não direi porque não quero influenciar a discussão sobre Moçambique com questões que são internas e que têm a ver com a disputa político-partidária em Portugal. E este assunto é demasiado importante neste momento para misturar com outro tipo de questões políticas”, disse.

Também a deputada socialista alertou para a urgência de apoio a Moçambique. “Nós não podemos esperar, porque o povo de Moçambique não pode esperar mais”, declarou.

O líder da delegação do PS, Carlos Zorrinho, também tomou a palavra, comentando que não se pode deixar de “exigir mais da UE, mas também das potências regionais e do próprio Governo moçambicano”.

O formato da sessão, feita a pedido do eurodeputado do PSD, Paulo Rangel, ainda está “em avaliação”, segundo a delegação social-democrata no PE, mas servirá para avaliar a deterioração da situação em Moçambique.

O debate na Comissão dos Assuntos Externos do PE, promovido por Paulo Rangel, surge após o Partido Popular Europeu (PPE), por iniciativa do eurodeputado do CDS-PP, Nuno Melo, ter pedido o agendamento de um debate na sessão plenária da semana passada sobre a mesma questão, que acabou por não acontecer.

A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2.000 mortes e cerca de 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos e concentrando-se sobretudo na área da capital provincial, Pemba.

Por outro lado, as províncias de Sofala e Manica, centro do país, são palco de ataques da autoproclamada Junta Militar, uma dissidência armada da Renamo.

O grupo rejeita a liderança do presidente da Renamo, Ossufo Momade, acusando-o de trair as posições do seu antecessor Afonso Dhlakama nas negociações que levaram à assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, a 06 de agosto.

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