O escritor chileno Luis Sepúlveda morreu hoje, aos 70 anos, em Espanha, em consequência da doença covid-19.

A notícia foi avançada pela agência espanhola Efe, citando fontes próximas do escritor, e confirmada igualmente a Porto Editora.

Sepúlveda estava internado desde finais de fevereiro num hospital de Oviedo, em Espanha, onde foi diagnosticado com aquela doença. Os primeiros sintomas ocorreram dias antes, quando esteve no festival literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.

A confirmação de que estava infetado com a covid-19 levou, na altura, o Correntes d’Escritas a recomendar uma quarentena voluntária aos que participaram no festival e estiveram em contacto com o escritor chileno.

Tudo isto aconteceu ainda antes de as autoridades portuguesas confirmarem oficialmente qualquer registo de infeção em Portugal, o que só viria a acontecer a 02 de março.

Em comunicado, a Porto editora lamenta "manifesta o seu mais profundo pesar pelo falecimento do seu autor Luis Sepulveda. À família e aos amigos de "Lucho" (como carinhosamente era tratado) e a todos os seus leitores endereçamos as mais sinceras e sentidas condolências por tão grande perda".

"Querido Lucho". As reações à morte de Luis Sepúlveda
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Fruto de um amor em fuga — o pai da sua mãe, menor na altura, não aprovava o relacionamento desta com o seu pai; acusado de a raptar, o casal fugiu às autoridades —, Luis Sepúlveda nasceu em 1949 em Ovalle, uma pequena aldeia no Norte do Chile.

Começou a escrever ainda quando frequentava o Liceu de Santiago do Chile e aos 15 filou-se no Partido Comunista Chileno.

Em 1969, com 20 anos, publicou "Crónicas de Pedro Nadie", compilação de contos que lhe valeu o Prémio Literário da Casa das Américas.

Um ano depois conseguiu um diploma em Encenação Teatral, atividade que começou a exercer, dedicando também parte do seu tempo à política, à direção de uma cooperativa agrícola e à locução de programas de rádio. Em 1970 casou-se com Carmen Yález. O matrimónio durou pouco tempo, mas vinte anos depois retomaram o romance — até aos dias de hoje.

Depois do golpe militar que levou ao poder o ditador general Augusto Pinochet, e face à sua proximidade do Partido Socialista, do qual era militante, e com o governo de Salvador Allende, foi preso em 1973.

Dois anos depois, graças aos esforços da Amnistia Internacional, conseguiu ver a pena aliviada para prisão domiciliária. Acusado de traição e subversão, voltou a ser preso pouco tempo depois e sentenciado a prisão perpétua, primeiro, e a 28 anos de prisão, depois.

Em 1977, novamente graças à persistência da Amnistia Internacional, viu a sua pena ser comutada para oito anos de exílio na Suécia, onde deveria lecionar literatura espanhola. Na primeira escala em Buenos Aires, na Argentina, conseguiu fugiu e durante quase duas décadas não voltou ao Chile.

Nos anos seguintes viajou e trabalhou no Brasil, Uruguai, Paraguai e Peru. Viveu ainda no Equador entre os índios Shuar, participando numa missão de estudo da UNESCO. Em 1979, ingressou na Brigada Internacional Simón Bolívar, na Nicarágua. Um ano depois, veio para a Europa. Na Alemanha começou a trabalhar como jornalista e conheceu a Greenpeace, com quem colaborou e participou em várias ações.

Depois  de viver entre Hamburgo e Paris, em 1997 o escritor fixou-se em Gijon, nas Astúrias, em Espanha.

O ativismo, político ou ecológico, sempre fez parte da sua identidade. "Há coisas que têm de ser feitas. Se há alguma coisa que achamos que está mal, temos de atuar. Eu venho de uma cultura de resistência política, de combate político duro, incluso", disse em 2016 em entrevista ao Observador.

Em 1989 publicou o seu primeiro romance, "O Velho Que Lia Romances de Amor", que o confirmou como fantástico contador em língua castelhana, tendo sido traduzido para cerca de trinta e cinco línguas. Da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se ainda os romances "História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar", "Mundo do Fim do Mundo", "Patagónia Express", "Encontros de Amor num País em Guerra", "Diário de um Killer Sentimental" ou "A Sombra do que Fomos" (Prémio Primavera de Romance em 2009).

“Sempre vi a literatura como um ponto de encontro. Primeiro é um ponto de encontro do escritor com a sua própria memória, com as suas referências culturais e sociais. Depois é um ponto de encontro entre dois estados de alma: o do escritor quando estava a escrever e o do leitor no momento em que lê”, disse à Agência Lusa em 2011. Para o autor, “é muito bonito que esses dois estados de alma se juntem”, algo que torna cada leitura diferente de outra. “Não há dois leitores que leiam da mesma maneira o mesmo texto”, completou.

É exatamente nos leitores que pensa enquanto escreve: “Quando estou a escrever tenho sempre do outro lado da mesa um amigo invisível, que tem mil rostos diferentes. De homem, de mulher, de menino, de menina.” A presença dos que compram os seus livros é uma constante na escrita de Sepúlveda, que confessou que, à medida que vai escrevendo, pensa “desta parte vai gostar muito aquela jovem portuense que conheci há cinco anos, esta parte não vai agradar a esse leitor que encontrei um dia em Moscovo, e esta vai encantar aquele leitor que está à espera dos meus livros em Buenos Aires”.

Nas páginas dos seus livros, o encontro que promove é não apenas com a personagem do escritor, mas também com o homem Luis Sepúlveda. “Todas as personagens têm algo – muito – do autor e isso é o fascinante da literatura. As personagens ‘boas’ naturalmente reúnem a melhor parte de nós, porque são uma demonstração da parte boa, mas as personagens malvadas também são uma parte de nós, uma vez que ativam a nossa capacidade de ser perversos, maus, cruéis”, esclareceu à Agência Lusa.

Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço — que distingue personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica. À data Eduardo Lourenço disse que Sepúlveda era "um autor de craveira mundial".

No cinema participou, como ator, em dois filmes, “La Gabbianella e il gato” (1998) e “Vibo Per Sempre” (2000). Assinou o argumento de cinco películas e realizou outras cinco, entre as quais “Mano Armada” e “Corazón-bajo”, do que também foi diretor de fotografia e argumentista.

Sepúlveda publicou 21 títulos, entre os quais “Uma História Suja” (2004), “História de Um Gato e de Um Rato que se Tornaram Amigos” (2012), “Uma Ideia de Felicidade” (2014), “História de um Cão Chamado Leal” e "História de Um Caracol que Descobriu a Importância da Lentidão" (2015), “O Fim da História” (2016) e "Os Piores Contos dos Irmãos Grimm" (2018).

Luis Sepúlveda visitava Portugal com alguma regularidade, fosse para participar em festivais literários, como as Correntes d'Escritas, na Póvoa do Varzim, ou para estar presente na Feira do Livro.

O escritor tem toda a obra publicada em Portugal - alguns títulos estão integrados no Plano Nacional de Leitura -, e era presença regular em eventos literários no país.

Luís Sepúlveda era casado com a poetisa Carmen Yáñez, que também esteve hospitalizada e em isolamento.