A embarcação, que recebeu o nome de "Louise Michel", em homenagem a uma anarquista francesa do século XIX, e que foi decorada pelo artista britânico, resgatou esta sexta-feira 130 migrantes que estavam à deriva num bote de borracha que começou a meter água, escreveram no Twitter os organizadores da campanha na conta criada para a ocasião.

Após um primeiro salvamento na quinta-feira, o navio tem agora 219 náufragos a bordo, para apenas dez tripulantes.

"Nós precisamos de assistência imediata", pediram, exortando a União Europeia e as autoridades italianas a agirem.

"Já há uma pessoa morta no navio. As outras apresentam queimaduras por combustível, passaram dias no mar", acrescentaram.

O navio zarpou a 18 de agosto do porto espanhol de Borriana, perto de Valência, revelou o jornal britânico The Guardian.

Fretado em segredo, o navio resgatou na quinta-feira 89 pessoas, incluindo 14 mulheres e duas crianças, no Mediterrâneo central, de acordo com o jornal.

"Agora procura um porto seguro para desembarcar os passageiros ou transferi-los para uma embarcação da Guarda Costeira europeia".

Segundo o site Marinetraffic, o Louise Michel encontrava-se na manhã deste sábado parado no mar a uma centena de quilómetros a sudeste da ilha italiana de Lampedusa, a sul da Sicília.

O The Guardian publicou com exclusividade várias fotografias do Louise Michel, pintado de rosa e branco, com um desenho de Banksy que mostra uma jovem com um colete salva-vidas e uma boia em forma de coração.

A tripulação é formada por uma dezena de pessoas, "ativistas europeus com uma longa experiência em busca e resgates no mar". A sua capitã é Pia Klemp, uma militante alemã dos direitos humanos conhecida por ter pilotado outros navios de resgate, como o "Sea-Watch 3".

Pia Klemp é objeto de investigação pela justiça italiana por "ajuda à imigração ilegal", entre outras acusações.

A embarcação é um antigo navio da Alfândega francesa. Com 31 metros de comprimento, o "Louise Michel" é menor que outros barcos humanitários, porém muito mais rápido, o que permite escapar da Guarda Costeira líbia.

A operação foi organizada entre Londres, Berlim e Borriana, e Banksy - um artista que aborda regularmente a questão migratória nas suas obras - não estaria a bordo, segundo o jornal The Guardian.

Um porta-voz do porto espanhol de Borriana, consultado pela AFP, confirmou que o navio esteve no porto entre 23 de junho e 18 de agosto. "Eles próprios consertaram e prepararam o navio, sem recorrer aos serviços portuários".

A história do Louise Michel

Banksy, cuja identidade é um grande mistério, entrou em contacto com Pia Klemp em setembro de 2019 por e-mail. De acordo com o The Gardian, a capitã teria pensado que estavam a pregar-lhe uma partida.

"Bom dia, Pia. Eu li a tua história nos jornais. Pareces ser um osso duro de roer", teria escrito o artista no seu e-mail à capitã.

"Sou um artista do Reino Unido que trabalha na crise dos migrantes e, evidentemente, não posso ficar com o dinheiro. Poderias utilizá-lo para comprar um barco novo ou algo parecido?", perguntava a mensagem assinada por "Banksy".

Pia Klemp acredita que o artista a procurou pelo seu engajamento político: "Não vejo o resgate no mar como uma ação humanitária, e sim como parte do combate antifascista", declarou ela ao Guardian.

Os dez tripulantes do "Louise Michel" declaram-se todos "ativistas antirracistas e antifascistas partidários de mudanças políticas radicais", segundo o jornal britânico.

De acordo com Lea Reisner, uma enfermeira a bordo responsável por operações de resgate, o projeto é "antes de mais nada anarquista, pois pretende defender a convergência de lutas pela justiça social, os direitos das mulheres e dos LGBTIQ, a igualdade racial, os direitos dos migrantes, a defesa do meio ambiente e os direitos dos animais".

E "por se tratar de um projeto feminista, apenas as tripulantes mulheres são autorizadas a expressarem-se em nome do Louise Michel", destacou o The Guardian.

O ano de 2020 tem sido marcado por um aumento de embarcações no Mediterrâneo central, a rota migratória mais letal do mundo para os que sonham com o refúgio na Europa, na sua maioria procedentes da Líbia e da vizinha Tunísia.

Mais de 300 migrantes morreram este ano ao tentar a travessia, mas o número pode ser muito mais elevado, segundo a Organização Internacional para as Migrações (IOM).

Várias embarcações pequenas de migrantes, essencialmente tunisianos, aportaram durante todo o verão na ilha italiana de Lampedusa.

O último navio vindo do Mediterrâneo central, o Ocean Viking, fretado pela ONG SOS Méditerranée - está imobilizado desde julho pelas autoridades italianas "por razões técnicas" após ter desembarcado na Sicília 180 migrantes.