Durante meses, a portuguesa de 38 anos, natural de Oliveira do Bairro, isolou-se e viveu fechada "no medo, medo de sair, medo dos transportes", mas a ajuda dos psicólogos já lhe permite, por vezes, sair de casa para tomar um café numa esplanada, como aceitou fazer com a Lusa.
"Uma coisa é certa: nunca mais somos a mesma pessoa. Há muita coisa que mexe muito no interior, mas visto as terapias que sigo e o que me dizem os especialistas, quando passar a [fase da] aceitação, vou aprender a viver com isso", afirmou.
A parisiense está "um bocadinho melhor", mas ainda não se sente à vontade nos locais com muita gente e o seu "melhor amigo é o 'uber'" porque muitas vezes não consegue entrar no metro de Paris.
"Os pesadelos são mínimos agora, não é como antes. Ainda me acontece ter medo de dormir, com o medo do acordar, mas antes era todos os dias e agora só de vez em quando. Já consigo sair, (?) ir aos centros comerciais nos dias calmos, já consigo ir comer no restaurante", contou, lembrando que diminuíram os "flashes" de memória "de penas que voavam no meio de fumo que eram do casaco que explodiu".
A viver há 20 anos em França, Patrícia era gerente do bar Comptoir Voltaire e estava a trabalhar atrás do balcão, na noite de 13 de novembro de 2015, quando Brahim Abdeslam se fez explodir na esplanada, provocando um estrondo e uma nuvem de fumo que a fizeram pensar numa explosão acidental de gás.
"Estava a caminho da cozinha para ir buscar as ?côtes de boeuf', as batatas fritas e no meio do caminho oiço ?bum'! E o Philippe grita: 'O gás!' Vemos imenso fumo e um enorme silêncio. Os clientes que estavam na sala começaram a correr e a sair. Não se via nada, uma fumaça tão intensa e um cheiro a enxofre, a queimado", recorda Patrícia num relato febril e emocionado em que se misturam as línguas portuguesa e francesa.
Patrícia, que durante 17 anos trabalhou na restauração, está ansiosa por voltar à vida ativa, assim que os médicos o autorizarem e desde que não seja num restaurante porque voltou ao café depois do atentado mas "as imagens estavam todas lá" e foi obrigada a parar. Até cozinhar um frango de churrasco se tornou um problema e desde o ataque nunca mais comeu carne.
A voz ainda sai tremida e a emoção sente-se à flor da pele com as mãos a tentarem controlar os contidos tremores que irrompem com a passagem abrupta de uma ambulância junto ao café na avenida. O barulho da sirene desperta as recordações e o pânico lê-se num olhar aguado, interrompendo as palavras e impondo uma pausa.
"Estávamos assim, 24 sobre 24 [horas]. Sempre a tremer. Não se controla, é uma coisa que não se pode controlar. É uma emoção tão forte e, ao mesmo tempo, uma dor interior tão forte que não se pode explicar com palavras", descreveu, sublinhando que os psicólogos lhe disseram que outros ficaram com balas no corpo, enquanto ela ficou com "balas no cérebro", numa imagem para espelhar o grau de stress pós-traumático que sofreu.
Patrícia Medeiros já teve várias sessões de terapia individual e agora está a participar em sessões de grupo organizadas e financiadas pela Associação Francesa de Vítimas de Terrorismo, denunciando que "o Estado não pagou nenhuma".
A portuguesa também está a participar em um programa francês de investigação científica sobre a memória que vai durar 12 anos e que, em 2018, 2021 e 2026, vai voltar a entrevistar as vítimas dos atentados de 13 de novembro.
Para Patrícia, "o maior medo" que tem atualmente é que Salah Abdeslam, um dos suspeitos dos ataques de 13 de novembro e irmão do indivíduo que se fez explodir no seu café, consiga fugir da cadeia onde está nos arredores de Paris, desejando que seja julgado e condenado a prisão perpétua.
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