O uso da estimulação cerebral não invasiva não é algo de novo, utilizava-se bastante há muitos anos atrás e a verdade é que nunca caiu totalmente 'em desuso”. Os primeiros exemplos remontam mesmo ao século passado, concretamente às décadas de 1940/1950, quando se tratava doenças mentais com a electroconvulsoterapia. Com a introdução dos psicofármacos, já na segunda metade do século XX, contudo, esse tipo de tratamentos diminuiu.

Agora o CHUSJ vai voltar a apostar neste tipo de terapêutica, nomeadamente um procedimento não invasivo, como conta ao SAPO24 João Borges, médico psiquiatra desta unidade hospitalar.

“O Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, tem aplicado esta técnica que é direcionada para casos graves e resistentes de patologia psiquiátrica. A Estimulação Magnética Transcraniana é então uma técnica de neuromodulação, não invasiva, que consiste na aplicação de campos magnéticos pulsados capazes de gerar correntes elétricas de baixa intensidade no cérebro”, disse o especialista, confirmando que este tipo de tratamentos nunca foi esquecido.

“Apesar da eletroconvulsivoterapia ser um tratamento antigo, ainda constitui nos dias de hoje um procedimento terapêutico seguro e eficaz, apesar de ser um dos mais estigmatizados. É realizado sob sedação e com presença de médico anestesiologista configurando um tratamento com várias indicações (mais do que a EMT atualmente) em patologia psiquiátrica grave e que usamos regularmente no Hospital de São João”, salientou João Borges.

A EMT foi descoberta mais recentemente que a eletroconvulsivoterapia, nomeadamente na década de 80. Esta terapia utiliza uma corrente elétrica de alta intensidade que, ao passar por uma bobina, gera um campo magnético. Colocada sobre o crânio, os impulsos atravessam a barreira óssea, donde resulta uma corrente elétrica no cérebro. Um verdadeiro tratamento de choque que, no entanto, não será utilizado em todos os casos.

"A Estimulação Magnética Transcraniana é então uma técnica de neuromodulação, não invasiva, que consiste na aplicação de campos magnéticos pulsados capazes de gerar correntes elétricas de baixa intensidade no cérebro"João Borges, médico do Hospital de São João

“O nosso Centro Hospitalar está focado, nesta fase inicial, em casos de Perturbação Depressiva Major Resistente ao Tratamento e Perturbação Obsessivo-Compulsiva. Estes tratamentos podem ser propostos por médico psiquiatra, estando já aprovados pelas principais agências reguladoras internacionais - pela americana Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA)”, diz, descrevendo depois o tempo de tratamento.

“É evidentemente dependente do quadro clínico e da evolução do doente mas, de um modo geral, implica uma sessão de tratamento diária, de segunda a sexta feira, que dependendo do protocolo estabelecido, demora entre 3 a 40 minutos, durante 4 a 6 semanas”, referiu o clínico, que não perspetiva também quaisquer tipo de efeitos colaterais deste tratamento.

“Através da EMT, é possível estimular ou inibir regiões específicas do cérebro. Assim, durante o tratamento, a pessoa encontra-se consciente, não havendo necessidade de utilização de anestésicos. A EMT é geralmente segura e bem tolerada, sem impacto na cognição. Pode surgir ligeiro desconforto local, dor de cabeça ou outros efeitos secundários mas são leves e infrequentes, desaparecendo rapidamente após a sessão”, salientou.

A EMT é assim uma nova forma de tentar combater os casos de depressão e perturbação obsessiva-compulsiva, mas não afasta as terapêuticas até agora utilizadas em cada doente.

“ A EMT é acima de tudo, felizmente, mais uma opção terapêutica disponível e não podemos dizer que um tratamento substitui o outro até porque as suas indicações não se sobrepõem na totalidade. É um tratamento que pode ser utilizado de facto, quando os fármacos não estão a produzir os resultados desejados ou quando os doentes não os toleram. No entanto, a decisão de utilizar esta técnica deve ser tomada pelo médico especialista, com base nas indicações, necessidades e características de cada caso. Importa também referir que as pessoas mantêm o seu esquema terapêutico durante o tratamento, ou seja, continuam a tomar a sua medicação habitual”, disse o médico do Hospital de São João.

"A EMT é geralmente segura e bem tolerada, sem impacto na cognição. Pode surgir ligeiro desconforto local, dor de cabeça ou outros efeitos secundários mas são leves e infrequentes, desaparecendo rapidamente após a sessão"

Estudos suportam novo tratamento

Este método tem-se mostrado eficaz no tratamento de diversas patologias neuropsiquiátricas um pouco por todo o mundo. Aliás, de acordo com o especialista, a EMT poderá até vir a ajudar, no futuro, outro tipo de doenças.

“Existem vários estudos clínicos na literatura que demonstram a eficácia da EMT no tratamento de diversas patologias psiquiátricas, algumas das quais estão inclusivamente aprovadas pelas agências que mencionei anteriormente. É expectável que vá aumentando nos próximos tempos, o leque de indicações clínicas. No entanto, é importante ressalvar que os resultados podem variar de acordo com cada caso e com as características de cada pessoa. Em Portugal, a EMT já é utilizada em alguns hospitais”, refere João Borges.

No futuro poderemos então ver este tipo de terapêutica a ser utilizado em outros doentes, mas o esse futuro até poderia ser mais célere. Aliás, nestes casos, as críticas ao desinvestimento são reais por parte da classe médica.

“Nós gostávamos de ter obviamente muito mais terapias disponíveis ou inovação para as doenças mentais. No entanto, se nos focarmos em terapias já estabelecidas que podem ser muito úteis, como as psicoterapias, as que estão devidamente validadas para várias patologias, percebemos que, infelizmente, por várias razões, incluindo o desinvestimento público reiterado nesta área, há uma enormíssima falta de acessibilidade e isso é grave. De qualquer forma, há linhas de investigação em novas áreas, com especial destaque para terapias emergentes em desenvolvimento como a terapia assistida por psicadélicos para depressão e stress pós-traumático ou terapia por realidade virtual para perturbações de ansiedade e fobias. De notar que estas terapias ainda estão em fase de pesquisa e não estão facilmente disponíveis para uso clínico em muitos países, incluindo Portugal”, salientou o médico, confirmando que o CHUSJ está preparado para iniciar outro tipo de terapêutica, além da EMT.

"Se nos focarmos em terapias já estabelecidas que podem ser muito úteis, percebemos que, infelizmente, por várias razões, incluindo o desinvestimento público reiterado nesta área, há uma enormíssima falta de acessibilidade e isso é grave"

“No Hospital de São João, existe um projeto experimental em curso para começarmos brevemente a administrar tratamentos com ketamina em doentes com depressão major, que é uma substância psicoativa. É fundamental que as terapias disponíveis, tanto as mais antigas e eficazes, como as emergentes, estejam acessíveis e sejam utilizadas por médicos psiquiatras ou técnicos certificados (dependendo da abordagem em questão) de forma responsável, adequada, com base na leges artis e baseadas em evidência, e que os doentes tenham cada vez mais acesso aos tratamentos mais eficazes e seguros de acordo com as suas necessidades clínicas”, concluiu.