A obra intitular-se-á “Arquitetura da Água na Freguesia da Misericórdia” e a iniciativa editorial partiu da junta de freguesia lisboeta, no âmbito do Ano Europeu do Património Cultural, que escolheu a água, que “é um bem valioso, sem o qual não há vida, pela sua dimensão cultural, simbólica, espiritual e paisagística”, disse Paulo Figueiredo.
Em declarações à agência Lusa, o autor afirmou que aborda a questão da água em Lisboa, desde o abastecimento no tempo do Império Romano, passando pelo grande investimento que foi o Aqueduto das Águas Livres, no século XVIII, e que abasteceu a capital até 1967, as preocupações sanitárias no século XIX, aos dias de hoje, com enfoque especial na freguesia da Misericórdia.
A cidade é “marcada, desde logo, pelo seu relevo ribeirinho e por um certo número de linhas de água que desaguavam em enseadas imperfeitas”, disse Paulo Figueiredo, autor do “Dicionário de Termos Arqueológicos".
Referindo-se ao perímetro da freguesia, o investigador referiu que “há uma panóplia monumental riquíssima. Desde logo os chafarizes que abasteciam o Príncipe Real, Bairro Alto, Bica e S. Paulo, e as respetivas condutas que atravessam a zona do Príncipe Real, onde se encontra o denominado reservatório da patriarcal, e o Bairro Alto. Há o emblemático chafariz da rua d’O Século, os dois chafarizes no miradouro de S. Pedro de Alcântara, um que abastecia S. Bento, na rua do mesmo nome, onde existiu um arco, que se encontra atualmente na Praça de Espanha”.
Relacionado com o antigo convento de S. Bento, transformado já no século XIX em parlamento, liga-se uma das muitas histórias de Lisboa, a origem da toponímia da rua do Poço dos Negros, a 800 metros deste edifício.
“Grande parte do território pertencia ao convento, cujos frades envergavam um hábito negro, e ao abastecerem-se naquela zona, o povo referia-se à rua como a do Poço dos Negros, esta é uma possibilidade”, disse.
Na mesma freguesia, “mais a abaixo, a bica da Boavista, na rua da Boavista, uma das mais antigas, onde antes do nascer do sol as pessoas iam ali ‘lavar as vistas’, e uma placa do século XVI faz testemunho deste uso, onde está inscrito que o proprietário é obrigado a deixar usar a água gratuitamente”. Uma prática que foi caindo em desuso a partir do século XIX.
O investigador adiantou que um dos edifícios referenciados é o dos Banhos de S. Paulo, “os banhos termais, cujas nascentes vinham da Praça do Comércio, onde hoje se encontram as instalações da Marinha, e algumas destas nascentes têm origem em Alfama”.
Estes banhos, “com fins terapêuticos, dermatológicos, foram utilizados como públicos até 1973/74, altura em que foram encerrados, e, atualmente, o edifício é a sede da Ordem dos Arquitetos”.
Uma das curiosidades referidas pelo investigador é a expressão “ir a banhos”.
“As pessoas iam de barco até umas barcaças fundeadas no meio do rio, frente ao Cais do Sodré, onde eram colocadas numa espécie de gaiola por segurança, pois a grande maioria não sabia nadar, e desta forma se refrescavam, no verão, no meio do rio. Iam assim a banhos”, no século XIX.
Paulo Figueiredo é autor de várias obras, entre as quais, o primeiro "Dicionário de Termos Arqueológicos" (2004), “Alvalade, o Bairro da Vanguarda” (2003), "Movimento associativo de Carnide" (2005), “Grupo Teatro Carnide” (2007), e a “Monografia da Freguesia do Sacramento” (2013).
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