Em entrevista ao Programa Hora da Verdade, da Rádio Renascença e do jornal Público, Ana Gomes elogia o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, pelas declarações que fez esta semana sobre José Sócrates e criticou António Costa e outros dirigentes por ficarem em silêncio, afirmando temer “que haja muita gente, nas bases do PS e não só, que ainda tem o culto de Sócrates”.
Questionada sobre se a decisão instrutória do caso Marquês deve ter consequências, Ana Gomes diz que essa “é uma questão essencial para o país poder ter confiança nas suas instituições e nas instituições da justiça".
Para Ana Gomes deve haver consequências como as explicitadas por Fernando Medina, na segunda-feira, no seu espaço de comentário também na TVI, que considerou que o facto de José Sócrates ter sido pronunciado por crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos pelo Tribunal Central de Instrução Criminal é inaceitável do ponto de vista ético e corrói a vida democrática.
“Só tenho pena que não haja mais vozes do PS, eleitos do PS, a dizer aquilo, em particular os seus responsáveis máximos. E a tirar consequências políticas daquilo que se sabe, independentemente do que a justiça venha a apurar. Não se pode deixar tirar consequências políticas, sabendo que um primeiro-ministro do PS ‘mercadejou’ o cargo. Que se aproveitou do cargo para tirar vantagens pessoais. Como disse Fernando Medina, isto quebra a confiança dos cidadãos nas instituições políticas. E estou a falar de uma instituição que muito prezo, que é o meu partido, o PS”, disse.
Na opinião de Ana Gomes, o silêncio de António Costa e de outros dirigentes e até militantes do PS “é ensurdecedor”.
“Dá ideia de que, ou há comprometimento, ou há demissão de uma assunção de responsabilidade que o PS também tem de fazer. Porque o PS tem de aceitar que se deixou instrumentalizar por um indivíduo que tinha muitas qualidades, mas também tinha tremendos defeitos, designadamente o de se aproveitar do cargo para tirar proveito pessoal em esquemas de corrupção, em detrimento do país”, salientou.
No entendimento da ex-candidata presidencial, o PS “não pode fingir que isto não tem consequências políticas”.
“O PS e os seus dirigentes continuam a não querer assumir que é preciso fazer uma autoanálise e uma autocrítica, até para efeitos preventivos para isto não voltar a acontecer e, sobretudo, para os seus próprios militantes tirarem consequências”, disse.
Questionada sobre como podem os partidos prevenir casos destes, Ana Gomes referiu que o “simples facto de o PS não fazer esse exercício de autoanálise do que representou a era de Sócrates é uma desculpa para os partidos também não o fazerem”.
“Este fenómeno não é exclusivo do PS, lamento dizer. (…) A própria reação do PSD, pela voz de Rui Rio, parece-me ineficaz, insuficiente e mal dirigida. Não é só dirigir as críticas à justiça, é refletir sobre as responsabilidades políticas. Porque quem dá, ou não dá, os meios à justiça, quem permite à justiça organizar-se de uma determinada maneira são os responsáveis políticos”, indicou.
Na entrevista, Ana Gomes faz igualmente duras críticas aos diversos governos pela ineficácia do combate à corrupção.
"Há algumas pessoas dentro das estruturas dos sucessivos governos que têm interesse em que não se vá ao fundo da corrupção porque há uma tremenda promiscuidade, porque há portas-giratórias, porque há negócios que sempre se estiveram a fazer com compadrios...”, afirmou.
Sobre o plano do Governo contra a corrupção, Ana Gomes diz valer-se do que disse a procuradora Maria José Morgado: “Em teoria geral, está muito bonito, ninguém tem nada a dizer”.
“Mas a questão é a ação e um dos aspetos da ação é justamente meios, meios para o MP [Ministério Público] em particular e os tribunais poderem fazer o seu trabalho, meios de perícia financeira, informática, etc”, referiu.
No entanto, Ana Gomes considera que a falta de meios “não é desculpa para não atuar, mas uma realidade”.
“É irresponsabilidade política. Esses meios têm de vir da política, é para isso que temos um Ministério da Justiça, é por isso que há Governo: para garantir que há esses meios. E sem dúvida, face ao crime organizado e à alta criminalidade económica e financeira, esses meios periciais, designadamente de assessoria financeira e informática, são essenciais. E não existem. E não é só ao nível do MP, é dos tribunais”, disse.
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